Scorpions: Uma das melhores obras musicais dos anos setenta
Resenha - In Trance - Scorpions
Por Ronaldo Celoto
Postado em 01 de dezembro de 2013
Nota: 10
Quem disse que a grande música dos anos setenta foi exclusiva das bandas inglesas? Certamente, pessoas que ainda acreditam neste jargão jamais ouviram as bandas alemãs, em especial, o SCORPIONS e seu magnífico guitarrista, na época conhecido como ULRICH ROTH. Tido entre quase todos os músicos profissionais (de forma unânime) como um dos três maiores de todos os tempos, criador da sétima corda e da célebre "Sky Guitar", foi e é uma espécie de JEDI de todos os sons, todas as técnicas e todas as performances possíveis na época em que permaneceu na banda. E, é desta época um dos melhores discos que pessoalmente eu já ouvi: "In Trance".
O álbum abre com a surpreendente "Dark Lady", com ROTH cantando e transformando sua guitarra Fender em uma fábrica de efeitos, ruídos, velocidade e improvisação, e, ditando o ritmo da cozinha formada pelo baixo de FRANCIS BUCHHOLZ e a bateria de RUDY LENNERS. O intrépido KLAUS MEINE faz backing vocais ressonantes e ardidos, e, RUDOLPH SCHENKER apenas acompanha com sua guitarra base a explosão sonora inicial. A letra é simples, e, fala sobre a influência de uma estranha mulher sobre um homem, a ponto de criar uma dependência e submissão que o coloca como que na situação de um cão abandonado, a contar as estrelas da noite enquanto suspira e lamenta pela espera do dia. Mas, esqueçam a letra por um momento, pois a melodia é realmente dilacerante.
A seguir, uma das canções mais introspectivas da banda: "In Trance". Mágica, mística, rebuscada como se estivesse a anunciar as névoas da aurora da alma de seus compositores, respectivamente, a dupla que transformaria o SCORPIONS no que eles são hoje: SCHENKER e MEINE. Aliás, SCHENKER é muito injustiçado pela crítica. Ele é um dos melhores compositores da história do rock. Pode não ser um mago da guitarra como seu irmão, mas é criativo e responsável pela marca registrada da sonoridade da banda após o ano de 1977. Voltando à canção, a letra anuncia o despertar da manhã, enquanto o Sol começa a brilhar e anunciar que a noite lhe foi roubada. Sozinho, um homem vê a si mesmo no rosto de alguém que ama e parece adquirir o frenesi, a alegria, o sabor da vida. É neste momento que ele proclama estar totalmente dentro de um transe. Belíssimo trabalho melódico que culmina com um solo fantástico (mas não é o mais belo do disco), e, a harmonização de vozes no final da canção.
A espetacular balada de paz intitulada "Life’s Like a River", composta pelos dois guitarristas, traz uma letra caprichosa sobre a beleza que um dia, alguém poderá sentir por não ter medo de envelhecer, e, traduzir com as memórias a euforia das manhãs perdendo-se em um mar sem fim. Afinal, como diz a letra: "a vida é como um rio sobre a montanha...a vida é como um mar sem fim". A partir daí, ROTH domina o espetáculo, com um solo magistralmente lindo e um final perfeito.
"Top Of The Bill" é a canção mais energética do disco e uma das melhores da carreira da banda nesta época. Fantástica, com um riff poderosíssimo, galgada por efeitos da guitarra de ROTH que, com uma simples alavanca, parece descrever o ruído de um motor de avião em plena guerra, o metralhar de vozes e sons de forma dantesca. Originalmente concebida em mais de sete minutos, por exigência da gravadora, ela foi diminuída, e, pouco a pouco, o volume no disco vai sendo reduzido, e, nos impede de conhecer o mágico desfecho da canção, com cerca de 4 minutos de explosões líricas trazidas por este HENDRIX ariano, se me permitem chama-lo assim.
"Living and Dying" é a quinta canção, puramente existencial, lenta e triste, conduzida por um órgão e por um refrão poderosíssimo de toda a banda. Belo trabalho de introspecção, poucas vezes ela foi tocada ao vivo, e, creio, merecia uma regravação em algum dos registros de turnês que de repente tornam-se álbuns ao vivo ou algo parecido na história da banda.
O segundo lado abre com a mais popular do disco, chamada de "Robot Man". Fez muito sucesso no Japão, traz um início onde ROTH tenta imitar uma sonoridade eletrônica, e, em seguida, SCHENKER assume a sua posição, para deixar livre os seus solos estratosféricos e rápidos. O refrão é pegajoso, sim, e, carecia, talvez, de muitos backing vocais, para deixar ela menos pretensiosa e mais épica.
"Evening Wind" mostra a banda em uma memorável e existencial performance. Linda, com ruídos de vento e deslizar de dedos sobre a guitarra como que a imitar um violino, a música é perfeita, desde o solo, até o refrão onde MEINE mostra a força de sua voz estranhamente fanha, mas belíssima e única em todo o universo da música. É uma das canções que me emociona, muito mesmo, neste trabalho. A ideia da canção era conceber uma busca pelo que pode ser chamado de cálice dourado da vida, enquanto todos os seus companheiros de batalha se vão, um após o outro, e, você só consegue sentir, durante a noite, a verdade com que o vento transforma a dor em saudade. É uma metáfora íntima sobre a guerra, mas disfarçada em aventura quase psicodélica. A canção foi toda escrita por ROTH, assim como a próxima faixa, que é "Sun in My Hand", um autêntico blues onde o guitarrista canta e dilacera exercícios rítmicos pesados para a época, chamando o baixo de BUCHHOLZ para acompanha-lo nesta brincadeira muito bem sucedida. Os solos são ótimos, diga-se de passagem.
"Longing For Fire" é daquelas canções deliciosas, estilo (não com o mesmo ritmo, mas sim, pela alegria que traz) a agradabilíssima "I’m Leaving You", por exemplo, e, faz com que a ouçamos várias vezes em seus quase três minutos de duração. Simples e cavalgante, ela ainda conta com um solo extremamente criativo e alegre, onde ROTH duela com a própria melodia, alternando sonoridades que lembram um assovio que vai e volta. A composição, novamente, é dos dois guitarristas e MEINE tem uma participação de voz muito próxima da sensualidade no refrão.
E por fim, a pedida instrumental chamada "Night Lights", que serviu de tema para alguns filmes nos anos 70, e, pela forma com que as guitarras são levadas, nos põe a imaginar, realmente, as luzes da cidade acesas para desvendar o aquecer das almas, as buzinas dos carros e os semáforos na poesia da noite. E, poesia é uma palavra muito simples para definir este disco.
"In Trance" estará sempre entre os cinco melhores álbuns do SCORPIONS, e, certamente, entre os trinta melhores álbuns da história do rock. Ao lado do também ótimo "Fly to the Rainbow", ele resume uma geração de ouro destes escorpiões, que ainda estão muito, muito vivos e cheios de energia. Mas, para os fãs mais saudosos, estes bons tempos dificilmente voltarão.
Uma pergunta, para quem lê a resenha deste disco pela primeira vez, poderá ecoar: este é um disco do SCORPIONS ou é um disco de um guitarrista que tocava no SCORPIONS? Talvez esta pergunta nunca seja respondida. Uma vez assisti pela centésima vez ao filme "Star Wars" e creio que tentei responder a esta questão pensando simplesmente numa abordagem: "Star Wars" é um dos filmes mais legais dos anos setenta. É também um filme que conta do primeiro ao sexto episódio a saga de ANAKIN SKYWALKER. Mas isto não significa que ao seu lado, não existam YODA, LUKE, LEIA, HANS SOLO, OBI-WAN e tantos outros personagens especialíssimos e maravilhosos que acabaram por ser considerados os vitoriosos da saga.
Acredito que "In Trance" seja mais ou menos isto. Certamente, uma das melhores obras musicais já feitas em todos os anos setenta, que para uns, pode ser vista sob a ótica de um único personagem, mas que na verdade, anuncia que os demais sobreviventes foram quem realmente, mantiveram a saga da banda de pé e puderam colher os louros da vitória.
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