"Lulu": Lou Reed deveria ter lançado um livro de poesias
Resenha - Lulu - Metallica e Lou Reed
Por Guilherme Vasconcelos Ferreira
Postado em 07 de novembro de 2011
Nota: 3 ![]()
![]()
![]()
Há um erro comum que se comete na hora de analisar uma obra de arte, seja ela cinematográfica, literária, musical ou pictórica. Na maior parte das vezes, o público tende a superestimar a dimensão da fábula, do conteúdo em detrimento da forma e da estética. Julga-se a relevância e a qualidade de um livro por sua trama, de um filme por seu enredo e de um disco por suas letras, como se houvesse temas mais nobres que outros. É perfeitamente possível produzir um filme sobre a vida de uma barata que seja muito mais interessante do que um que retrate a Revolução Russa ou a queda do Muro de Berlim.
O valor de uma obra não está no o que, mas no como, na forma como se representa o conteúdo. Dom Casmurro, de Machado de Assis, não se tornou um clássico da literatura brasileira e mundial por seu enredo banal, mas pela forma como o escritor conduz a narrativa, manipula a sintaxe e emprega ácidas ironias e observações perspicazes. Mais precisamente, por seu estilo único de escrever. É assim com todas as grandes obras artísticas da humanidade.
Faço esse preâmbulo para ser breve e direto: "Lulu", disco resultante da parceria entre o Metallica, a maior e uma das melhores bandas de heavy metal, e Lou Reed, músico vanguardista e incensado pelos que admiram um rock n roll dito mais intelectualizado, é um fracasso. Conceitual e pensado para ser a trilha sonora de uma peça inspirada nas obras "A Caixa de Pandora" e "O Espírito da Terra", do escritor expressionista alemão Frank Wedekind, Lulu conta a história de uma jovem bailarina solitária e perturbada por traumas de infância.
Liricamente, o trabalho é um primor. Escritas por Lou Reed, as letras expõem, com ricas metáforas visuais e profunda intensidade dramática, as perturbações mentais, angústias e fragilidades da personagem. Mas, em se tratando de uma obra musical, isso é pouco. Muito pouco. Na música, as letras são como atores coadjuvantes: se atuam bem, realçam ainda mais a qualidade de uma grande obra. Se, por outro lado, atuam mal, não comprometem o resultado final.
Ao contrário do que tenho lido por aí, Lulu não é experimental. É, sim, um disco extremamente quadrado, conservador, formulaico, sem fluidez melódica e harmônica e mais repetitivo do que Malhação, a eterna novela pré-adolescente da Globo. Em geral, as músicas começam com um andamento que é mantido até o seu final, com pouquíssimas variações e experimentações.
A maior parte das canções também é desnecessariamente longa – provavelmente para fazer caber as imensas letras do veterano músico. "Lulu" tampouco funciona como ópera-rock porque lhe falta um encadeamento melódico entre as canções. As músicas não têm a continuidade estrutural intrínseca a uma obra que se pretende conceitual. É um conceito que se desenvolve apenas na dimensão semântica – uma história, contada através das letras, com início, meio e fim. Instrumentalmente, as canções são completamente independentes.
Maior responsável pela insipidez de "Lulu", Lou Reed interpreta suas próprias letras com a emoção de uma pedra. Durante praticamente todo o álbum, ele emprega o mesmíssimo tom declamatório, monocórdico, frio e distante, o que é um tremendo contrassenso para um disco concebido para musicar uma peça de teatro. Onde estão o teatralismo, as variações de estados emocionais, a interpretação dos estados de ânimo da personagem? Na chatíssima "Little Dog", o ápice da apatia musical e irrecusável convite para um cochilo, Reed é engolfado por sua pretensão literária e intelectual. São 8 minutos de dedilhados melancólicos ao violão repetidos à exaustão enquanto o Metallica se limita a produzir ruídos e dissonâncias.
E é assim na maior parte de Lulu: ótimos instrumentistas, os californianos são subaproveitados, servindo apenas como escada para Reed, confinado em seu casulo, desfilar seu show de indiferença. Não por acaso, os melhores momentos são aqueles em que o Metallica mais dá as caras. Mas eles não são muitos. O primeiro single, "The View", cujo instrumental, principalmente na parte final, foge da mesmice em termos de peso e variação, tem uma interessante contraposição de vocais que faz o ouvinte se perguntar por que James Hetfield ficou tão em segundo plano. "Iced Honey", por sua vez, é um agradável hard rock, encorpada, simples e semelhante ao que o Metallica fez em Load.
Em "Mistress Dead", o Metallica soa mais próximo dos padrões do thrash metal, mas se o riff nervoso e o andamento acelerado empolgam no início, um minuto depois eles não conseguem nada além de provocar irritação, porque continuam a se repetir praticamente até o fim da canção. "Cheat on Me", por sua vez, começa com belas melodias, mas, outra vez, escorrega na síndrome do piloto automático. Quando pensamos que a música vai evoluir, encorpar e atingir o clímax dramático, tudo volta ao início enquanto Reed e Hetfield se dedicam a nos perguntar, centenas de vezes, "por que eu me engano?" e "por que eu te engano?". Sim, depois da quinta repetição, nós já entendemos a mensagem.
"Frustration", a melhor música do álbum, traz toda a potência e energia do som do Metallica – com grande performance de Lars Ulrich – somadas a uma notável riqueza climática. É sombria, densa e explosiva na medida certa. As boas notícias, no entanto, terminam por aí. "Lulu" chega ao fim com "Junior Dad", um exemplo de pretensão megalomaníaca envolta em uma atmosfera lúgubre que tenta ser apoteótica e arrebatadora, mas não passa de afetação e encheção de lingüiça sem propósito.
Outra estratégia argumentativa muito empregada para tentar ressaltar o valor de obras, em geral, de qualidade duvidosa, é valorizar aspectos exteriores a ela. Fala-se do contexto em que foi produzida, das intenções do artista e, com freqüência, elogia-se sua coragem de desafiar padrões estéticos consagrados. Nada disso, porém, deveria influenciar o julgamento da crítica. As grandes obras-primas são atemporais e sobrevivem independentemente de tais fatores. Não há nenhum mérito na pura e simples ousadia – é preciso dar um passo adiante e analisar o que dela resultou. Um filme hollywoodiano fiel ao modelo narrativo tradicional – apresentação dos personagens, desenvolvimento, clímax e desenlace – pode ser tão bom ou melhor do que um filme europeu cujo objetivo seja subverter essa lógica de contar histórias.
Da mesma forma, um disco de heavy metal tradicional que não dialogue com outros estilos pode ser muito superior a um álbum de rock progressivo influenciado pela música erudita e o jazz. O segredo está, sempre, no como – e é aí que Lulu derrapa vergonhosamente. Não é uma ópera-rock, não é experimental e, com exceção de uma ou outra música, não tem a alma e as variações climáticas exigidas para ser o acompanhamento musical de uma peça de teatro. No final das contas, não é nada do que se propõe a ser.
Seria muito melhor se Lou Reed satisfizesse suas ambições literárias lançando um livro de poesias, onde poderia desenvolver e aprofundar ainda mais o rico universo temático de Lulu. Nossos tímpanos agradeceriam.
Luis Alberto Braga Rodrigues | Rogerio Antonio dos Anjos | Everton Gracindo | Thiago Feltes Marques | Efrem Maranhao Filho | Geraldo Fonseca | Gustavo Anunciação Lenza | Richard Malheiros | Vinicius Maciel | Adriano Lourenço Barbosa | Airton Lopes | Alexandre Faria Abelleira | Alexandre Sampaio | André Frederico | Ary César Coelho Luz Silva | Assuires Vieira da Silva Junior | Bergrock Ferreira | Bruno Franca Passamani | Caio Livio de Lacerda Augusto | Carlos Alexandre da Silva Neto | Carlos Gomes Cabral | Cesar Tadeu Lopes | Cláudia Falci | Danilo Melo | Dymm Productions and Management | Eudes Limeira | Fabiano Forte Martins Cordeiro | Fabio Henrique Lopes Collet e Silva | Filipe Matzembacher | Flávio dos Santos Cardoso | Frederico Holanda | Gabriel Fenili | George Morcerf | Henrique Haag Ribacki | Jorge Alexandre Nogueira Santos | Jose Patrick de Souza | João Alexandre Dantas | João Orlando Arantes Santana | Leonardo Felipe Amorim | Marcello da Silva Azevedo | Marcelo Franklin da Silva | Marcio Augusto Von Kriiger Santos | Marcos Donizeti Dos Santos | Marcus Vieira | Mauricio Nuno Santos | Maurício Gioachini | Odair de Abreu Lima | Pedro Fortunato | Rafael Wambier Dos Santos | Regina Laura Pinheiro | Ricardo Cunha | Sergio Luis Anaga | Silvia Gomes de Lima | Thiago Cardim | Tiago Andrade | Victor Adriel | Victor Jose Camara | Vinicius Valter de Lemos | Walter Armellei Junior | Williams Ricardo Almeida de Oliveira | Yria Freitas Tandel |
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps



As cinco músicas dos Beatles que soam muito à frente de seu tempo
Ingressos para o festival Mad Cool 2026 já estão à venda
A categórica opinião de Regis Tadeu sobre quem é o maior cantor de todos os tempos
John Bush realiza primeiro show solo tocando material do Anthrax
Rodrigo Oliveira explica por que não passou nos testes para o Angra nem para o Sepultura
A "música da vida" de Kiko Loureiro, que foi inspiração para duas bandas que ele integrou
E se cada estado do Brasil fosse representado por uma banda de metal?
Os 20 álbuns de classic rock mais vendidos em 2025, segundo a Billboard
6 álbuns de rock/metal nacional lançados em 2025 que merecem ser conferidos
Max Cavalera diz ser o brasileiro mais reconhecido do rock mundial
O histórico compositor de rock que disse que Carlos Santana é "um dos maiores picaretas"
Alter Bridge abrirá para o Iron Maiden apenas no Brasil
Pink Floyd - Roger Waters e David Gilmour concordam sobre a canção que é a obra-prima
O New York Times escolheu: a melhor música do ano de 2025 é de uma banda de metal
O que James Hetfield realmente pensa sobre o Megadeth; "uma bagunça triangulada"
A crítica de Portnoy ao trabalho de Matt Sorum, ex-baterista do Guns N' Roses
Dez ótimas baladas gravadas por bandas de Thrash Metal, em lista do Loudwire
Nando Reis ia com frequência até a casa de Cássia Eller, mas não sabia o endereço dela


A verdadeira opinião de Bill Ward do Black Sabbath sobre Lars Ulrich do Metallica
O riff criado pelo adolescente Kirk Hammett que virou um dos momentos mais marcantes do Metallica
Nos anos 90, Lars Ulrich afirmou que o rock estava em extinção
O clássico do metal que foi criado em uma hora e fez a cabeça de James Hetfield
Por que o "Black Album" é tão grandioso, segundo Kirk Hammett
Fãs do Metallica recebem banimento vitalício após escalarem torre de som em show da banda
Como Cliff Burton ajudou a moldar o Faith No More - mesmo sem nunca ter tocado na banda
Lars Ulrich, do Metallica, já rejeitou o rótulo "thrash metal"
Metallica: "72 Seasons" é tão empolgante quanto uma partida de beach tennis
Pink Floyd: The Wall, análise e curiosidades sobre o filme


