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Heavy Metal: escrever em inglês, ou não escrever em inglês, eis a questão

Por Ivison Poleto dos Santos
Postado em 21 de abril de 2018

Eis a polêmica que assombra o mundo do Metal brasileiro há muitos anos. Digo do Metal especificamente porque esta é uma questão que o pessoal do rock nunca se colocou. Uma das grandes bandeiras dos pioneiros do rock no Brasil foi cantar em português, ou em termos das ciências humanas, apropriar-se de estética rock e transformá-la em um produto genuinamente nacional. E ficou a tradição.

Na verdade, esta não é uma questão muito simples de ser abordada. Daria um belo estudo antropológico ou sociológico, mas creio que ainda ninguém o abordou na academia. Fica a ideia.

Mas voltemos ao Metal. Antes de tudo é preciso dividir a questão em três fases distintas. Vou fazer isso porque fica difícil entender a questão sem um corte de tempo, sem colocá-la historicamente. São elas: primórdios, década de 1970 até 1985; anos de ouro, 1985 até 1996; os dias atuais.

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Primórdios

A data 1985 foi colocada aqui como limite não por causa do Rock In Rio, mas sim pelo lançamento do primeiro álbum de uma banda de Heavy Metal cantado exclusivamente em inglês: Bestial Devastation do Sepultura. No Brasil as bandas levaram mais tempo para adotar, e aceitar, a estética do Heavy Metal, tanto que o primeiro disco propriamente do gênero foi gravado somente em 1978 pelos paraenses do Stress, em português. O Brasil era tão fechado na época que as bandas nem ousavam sonhar em fazer shows lá fora, coisa corriqueira hoje. Aliás, os shows internacionais eram tão escassos, que o intercâmbio saudável entre bandas brasileiras e bandas estrangeiras simplesmente não existia. Por outro lado, era uma época de nacionalismo exacerbado, cantar em inglês significava ser "vendido", era fazer um pacto com o demônio, no caso o demônio era o Tio Sam. Era uma questão que nem era colocada pelas bandas. As primeiras bandas de Heavy Metal nem cogitavam essa ideia porque, na verdade, muitas bandas ainda mantinham vínculos muito estreitos com a estética rock. Algumas até evitavam o termo Heavy Metal porque desde o início sempre foi um gênero musical, no mínimo, controvertido. O gênero estava nascendo no Brasil. Do ponto de vista mercadológico, significava apostar somente no mercado brasileiro onde existiam alguns artistas que se davam realmente bem vendendo milhões de discos e fazendo turnês pelo país, inclusive de rock, vide Raul Seixas e Rita Lee, para citar os mais conhecidos. Com toda a sua inocência, os pioneiros não faziam nem ideia das dificuldades conjunturais que enfrentariam primeiro por serem artistas de rock, segundo por serem adeptos de um gênero do rock que muitos torciam os narizes. A intelligentsia brasileira levou anos para aceitar o rock e foi a muito custo. O HM nunca foi aceito. Em um vídeo gravado para o projeto "Brazil Heavy Metal: um filme, um sonho, uma declaração de amor ao metal brasileiro", China Lee, vocalista do Salário Mínimo, cita a existência de um bloqueio das grandes gravadoras e da grande mídia ao HM. Assista aqui ao vídeo:

Assistir vídeo no YouTube

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Com o Rock In Rio I e com a cena rock que rolava, as coisas tenderiam a mudar drasticamente, pensavam inocentemente os pioneiros do HM. Ledo engano, ficamos mais isolados ainda e as bandas, principalmente as de metal extremo, na época mais notadamente as de black metal, começaram a compor exclusivamente em inglês para se firmarem corajosamente como bandas de HM rompendo definitivamente com o a tirania caetânica e, depois, para se lançarem ao exterior algo que já começava a vislumbrar ser possível, mas que aconteceria um pouco mais tarde. Assim Sepultura, Sarcófago, Viper e outros pioneiros abraçaram a ideia. Outros como Dorsal Atlântica e Korzus, que começaram cantando em português só para citar alguns, começaram a compor exclusivamente em inglês. Mas isso faz parte do próximo período.

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Anos de ouro

É claro que esta época de ouro do HM aqui no Brasil não teve as mesmas dimensões do exterior, mas as grandes bandas do gênero conseguiram efetivamente viver do sonho, ou seja, viver da sua música. Nesta época surgiu também a clara divisão: bandas que cantavam em português e bandas que cantavam exclusivamente em inglês. Houve um certo estranhamento inicial ao se transpor o português para o HM, alguns até achavam que isso seria impossível dadas as características fonéticas do idioma, mas após um tempo, as bandas conseguiram adaptar com sucesso a mais bela flor do Lácio ao HM. As primeiras apostavam no público brasileiro e, ainda um pouco nacionalistas. tinham orgulho disso. As segundas seguiam a mesma estética das bandas estrangeiras como o Scorpions que mesmo sendo alemães sempre compuseram em inglês. Consideravam que HM só poderia ser feito em inglês e, também, pensavam no mercado exterior que a partir de 1988 começou a ficar bem próximo.

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Algumas bandas dessa época, como o Angra, já nasciam com a proposta internacionalista, para mais ódio da intelligentsia. As bandas brasileiras de rock mais bem sucedidas no exterior não foram o Paralamas do Sucesso nem os Titãs, mas sim o Sepultura, o Sarcófago, o Angra, etc. Bandas de um gênero amaldiçoado eternamente pela mídia global.

Com as sucessivas crises econômicas, as mudanças e as dificuldades que a sociedade brasileira enfrentou na época, a opção pelo inglês, para as bandas de Metal, tornou-se lógica. Sair do Brasil era o sonho de muitos e as bandas brasileiras do gênero acharam uma maneira de unir o útil ao agradável. Como diz profeticamente a música "Portas Negras" do Centurias: "Quando pisei na estrada, Nesse amanhecer, As portas se fecharam com o tempo, E não abriram mais, Portas negras cairão". As portas negras do exterior caíram, mas as daqui, infelizmente, não.

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Por aqui também foram tempos áureos para as bandas de rock que conseguiram até mesmo o tão sonhado estrelato. Ingenuamente, outra vez, os músicos de HM acharam que com o sucesso das bandas de rock, sobraria algo para o estilo maldito. Sobraram migalhas, apenas migalhas. Como eu disse, algumas bandas conseguiram viver bem na época, mas não era algo nem perto que as bandas que chamávamos de roquinho conseguiram. E, na verdade, paradoxalmente, o sucesso das bandas de rock comerciais fechou as portas para a bandas do rockão, como chamávamos o HM. A sede de rock da população foi saciada com estas bandas. Ficou claro para muitos que o mercado para o estilo maldito no Brasil era muito pequeno e que a saída, como para parte da população, estava nos aeroportos internacionais.

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Porém, enquanto que para uns a solução estava posta claramente, para outros, mais ligados ainda à estética rock, o dilema ressurgiu. A entrevista que Felipe Machado do Viper deu para Igor Moreira, colaborador aqui da Whiplash, ilustra bem o dilema posto:

"Fizemos uma turnê muito grande do ‘Coma Rage’ no Brasil, tocando com bandas como Raimundos. O rock brasileiro estava se renovando e pensamos em virar uma banda brasileira. Acabávamos de sair de uma gravadora gringa, a Roadrunner, e tivemos uma proposta para uma gravadora internacional, mas com foco grande no Brasil, que era a Castle. Achamos que seria a hora de uma mudança", disse Machado. "Sentimos algo estranho como chegar em Manaus ou na Bahia e cantar em inglês. As pessoas estão na frente do palco e, aí, você canta em inglês. Começou a nos incomodar nesse sentido. E tinha bandas legais fazendo música em português naquele período, como o Raimundos, Charlie Brown Jr, Chico Science... eram de outros estilos, mas tinham letras em português e as pessoas entendiam na hora. Enquanto isso, estávamos cantando em inglês, ‘everybody everybody’. Não fazia sentido", completou.

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O lançamento de "Tem Pra Todo Mundo" do Viper em 1996 foi, por esta razão, escolhido pra fechar este período.

Os dias atuais

As grandes mudanças estruturais trazidas pela internet e pelas tecnologias digitais vieram para ficar. Não há mais como voltar atrás, e creio que nem é desejado. O mercado da música foi, talvez, um dos mais atingidos por estas mudanças. Toda a sua lógica de existência foi profundamente alterada. Os produtos físicos como CDs agonizam, se bem que os de Metal ainda vendem bem, mesmo para tempos pós-internet. As bandas vivem muito mais de seus shows e outras formas de renda que da venda de CDs. Por outro lado, eles sempre existem, há mais liberdade de composição. Há uma infinidade de pequenas gravadoras mundialmente instaladas que lançam CDs de HM em todos os seus estilos. Há bandas brasileiras que vivem bem somente com seus shows no exterior. Sim, no exterior, porque aqui no Brasil a coisa ficou ainda mais difícil. Quero dizer, há algumas facilidades, há até mais locais para tocar, mas eles são geralmente pequenos.

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As bandas de HM atuais estão mais libertas da estética rock, assumem-se sem grandes problemas e traumas como bandas de Metal. O gênero se subdividiu em vários subgêneros, mas fato é a estética rock no Brasil agoniza, mas o Metal, como todo bom morto-vivo resiste bravamente.

Compor em inglês é, findas todas as ingenuidades, atualmente uma opção. Há várias bandas, principalmente as que têm uma proposta de reviver o metal oitentista, que compõem exclusivamente em português. Enfim, é uma opção.

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Sobre Ivison Poleto dos Santos

Veterano das guerras metálicas. Pesquisador, escritor, resenhista, músico frustrado (por isso tudo o anterior). Ao contrário da opinião comum, acho que o melhor do Metal ainda está por vir e que existem grandes bandas novas por aí. Só procurar. No meu caso elas vêm até mim.
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