Marcio Maresia: Blues americano, jeito brasileiro
Por Thiago Sanchez Gaspareto
Fonte: Alfa PUB
Postado em 12 de outubro de 2011
No seu primeiro álbum escrito todo em português, "Blues Brasileiro", de 2009, o gaitista jundiaiense, MARCIO MARESIA (http://palcomp3.com/marciomaresia/), adaptou a linguagem melancólica do blues a sua realidade de vida. Ele buscou inspiração em fatos rotineiros para compor a obra.
"O pessoal sempre ouvia as músicas em inglês e nem sempre entendia. Então, resolvi me adaptar a essa realidade e compor um disco todo em português, explicou o músico, ao enfatizar que seus dois primeiros lançamentos eram fincados em composições na língua inglesa.
De acordo com o gaitista, a inspiração para escrever as letras do disco surgiu de várias formas. "As vezes ouço uma notícia, leio algo, vejo uma paisagem. A inspiração vem onde você estiver e como estiver. Acho que o som tem a minha cara", conta Maresia, que tem mais de 17 anos de carreira.
O blues não tem gênero, é para homens e mulheres. Esta é a forma como ele define a estética da música que o estilo retrata, sejam tristezas, alegrias, amores, desamores ou sobre o sofrimento dos negros americanos do passado.
"O blues é para dançar. Não é uma coisa parada, e assim sempre foi desde a década de 1930. O pessoal dança e, hoje em dia, a coisa está nesse patamar. Quem gosta de dançar acompanha o estilo", garante Maresia.
Na década de 30, cantos de blues, como BESSIE SMITH, eram populares e, na maioria das vezes, marginalizadas, conforme ele. Porém, foi nessa mesma época, segundo MARESIA, que se consagraram grandes ícones do blues como ROBERT JOHNSON, MUDDY WATERS, ETTA JAMES, KOKO TAYLOR e LITTLE WALTER. E é dessa fonte que ele bebe, e você, leitor, compartilha dela assistindo os vídeos a seguir.
"É muito fácil pensar em blues. Logo vem a mente a imagem de uma mulher negra bem gorda cantando com um sentimento vindo do fundo de sua alma, não é?", questiona, ao ressaltar o perfil das blueseiras estadunidenses menos recentes.
"O blues vem se desenvolvendo bastante no Brasil. Há 17 anos, percebo que ainda faltam espaços, mas há um público fiel, revistas segmentadas e sites que são lançados. Tem uma galera que gosta deste tipo de música e que nos acompanha. Fico feliz por participar dessa crescente do estilo", incrementa.
A GAITA DA SORTE
MARCIO MARESIA, desde criança, tinha vontade de aprender a tocar gaita. Conhecida também como harmônica, a gaita é um instrumento de sopro que emite som conforme o ar, soprado ou sugado, passa por palhetas de metal, dispostas em uma chapa e alocadas pelos dutos que devem ser soprados. Ela tem um som muito peculiar e encanta a quem escuta, que era o caso do então jovem.
Não se conhece a história do perdedor, mas a do vencedor é a seguinte...
Em uma escola, um estudante anônimo, perdeu sua gaita, ou então ela lhe foi tomada por algum professor incomodado, talvez o estudante desconhecido estaria usando para atrapalhar a aula, e caiu justo nas mãos da mãe de MARESIA.
O instinto de mãe não falha e, o azar de um se tornou o lampejo de sorte do outro. O jovem ganhou de sua mãe esta gaita perdida, na altura dos seus 16 anos de idade.
Esta gaita, a princípio, se tornou o combustível de uma mente sedenta por arte e música. O rapaz se aventurou em meio aos discos de vinil, buscando aqueles que tinham gravações de gaitistas.Um deles era um "bolachão" de um cara chamado Robert Allen Zimmerman. Esse músico da cena folk music americana, neto de imigrantes judeus russos e que tinha o nome BOB DYLAN estampando a capa dos seus discos e nas gravações, além de cantar, tocava violão e gaita.
O pai de MARESIA foi quem lhe apresentou aquele que viria a ser seu "mentor inspirador". Um disco de BUDDY GUY e JUNIOR WELLS foi o presente de seu pai. Imagine a cena: o jovem tira um disco enorme e preto como a noite de dentro da capa, coloca na vitrola, ajeita a agulha e ligava o som. Escuta-se a guitarra de BUDDY GUY e uma voz característica de um homem negro cantando e, no meio da música, um solo de gaita executado com "todo o sentimento do mundo", segundo Maresia, por WELLS. Coloque-se em uma situação, à sua maneira, e que seja similar a esta.
JUNIOR WELLS é, até hoje, uma de suas maiores influências e, fico me perguntando, se o cara que perdeu a gaita talvez não a tenha perdido na escola, e sim numa encruzilhada? Bem, acho que não, pois MARESIA nunca disse nada de ter garantido sua sorte com um pacto na encruzilhada, como fizeram alguns blueseiros do Mississipi, e isso é lógico, afinal, o gaitista está vivo.
Reza a lenda que ROBERT JOHNSON queria ser o melhor guitarrista de blues, ser reconhecido por sua arte. Johnson foi até uma encruzilhada, acompanhado de seu violão e uma garrafa de whisky barato, fazer um ritual de invocação do Diabo e lhe propor um acordo: ser o melhor bluesman em troco de sua alma. O som exageradamente alto de uma gaita anuncia a presença de um homem negro, vestindo terno e um chapéu, visual bem alinhado, surgiu no meio da encruzilhada - era o próprio. Este tomou o violão das mãos de JOHNSON, o afinou um tom abaixo e o entregou de volta.
ROBERT JOHNSON morreu misteriosamente aos 27 anos de idade. Mistério ou prova de que o contratante do pacto veio reclamar a dívida de JOHNSON para com ele? Verdade ou não, ninguém ainda provou. Mas algumas músicas do precoce falecido entregam pistas, como por exemplo "Crossroads Blues" (Blues da Encruzilhada), "Hellhound On My Trail" (Cão do Inferno Atrás de Mim) e "Me And The Devil Blues" (Eu e o Blues do Diabo).
Quanto ao reconhecimento, se o pacto deve ter dado certo, porque o endiabrado músico é considerado pelos guitarristas da era moderna como o maior bluesman que já existiu na face da Terra. JOHNSON é influência para caras do naipe de KEITH RICHARDS e ERIC CLAPTON.
COMEÇA O ESPETÁCULO
Agora só restava juntar o lampejo de sorte com a combustão do talento, e dessa ignição artística surgir a semente do blues brasileiro. Um estilo musical tradicional dos Estados Unidos, o verdadeiro "som negão" da América, começar a enraizar no Brasil.
Aos 18 anos MARESIA já ministrava aulas de gaita, e como ele comenta, foi um pioneiro no ensino do instrumento no Brasil. Sua primeira apresentação foi em uma escola de música, ao lado de outros gaitistas. A primeira oficial, a gloriosa, que marcou sua vida artística para sempre, foi em um shopping center em Jundiaí. Neste show MARESIA sentiu a resposta do público que o prestigiava de forma que ficou tocado emocionalmente. O jovem não queria mais parar, não tinha mais limites para tocar sua gaita.
Maresia, jovem e com cabelo comprido, acompanhando solo de guitarra com a gaita, em algum festival. Crédito: cortesia do site www.marciomaresia.com.br
A partir daí MARESIA não tinha mais freio. As apresentações se tornavam habituais em SESCs e bares, onde, até hoje, possui receptividade. Tocou em festivais como Festival Internacional de Jazz de Natal (RN), o Bourbon Street Festival (SP) e o 1º Encontro Internacional da Harmônica. Além dos shows veio o reconhecimento, nacional e internacional, mesmo sem MARESIA ter se apresentado fora do Brasil. Seu álbum solo, intitulado Mr. Powerharp, é considerado pela revista Blues 'n' Jazz um dos melhores do gênero já gravados em território nacional, além de ter sido elogiado pela SPAH-USA, a principal sociedade internacional de gaita.
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