Snow Patrol
Por Francisco Marés de Souza
Postado em 25 de junho de 2006
Originalmente publicada no site Dying Days
A cena de Glasgow é, sem sombra de dúvida, um dos maiores fenômenos do rock alternativo dos últimos tempos. A partir de meados da década de 90, o número de bandas que conquistou o público e a crítica é absurdo se levarmos em conta o tamanho da cidade e da própria Escócia. De lá saíram Belle & Sebastian, Delgados, Mogwai, Travis, Arab Strap, entre muitos e muitos outros, todos diferentes entre si e sem par no universo pop. O fenômeno é ainda mais impressionante se levarmos em conta que apenas três bandas do pequeno país do norte do Reino Unido – Teenage Fanclub, Jesus & Mary Chain e Cocteau Twins – tinham conseguido algo parecido antes de 95, e mesmo assim tiveram que se mudar para o olho do furacão – Londres – para serem reconhecidos.
Apesar de ser formado por três irlandeses do Ulster, o Snow Patrol é uma das principais bandas dessa cena. Apesar de serem amigos e ex-companheiros de gravadora do Belle & Sebastian, fazem um som completamente oposto à doçura melódica do septeto. Aqui as melodias estranhas, quebradas e surpreendentes dos Breeders e do Sebadoh se fundem com sintetizadores de timbres peculiares e guitarras discretas, lembrando ao mesmo tempo a porralouquice do indie rock americano com o luxo e a produção do britpop britânico. A partir do segundo álbum, o Snow Patrol começou a se utilizar mais dos recursos de estúdio, se distanciando um pouco das influências americanas do início, mas mantendo a mesma qualidade.
Tudo começou na Universidade de Dundee, na Escócia, em 1995, onde Gary Lightbody, guitarrista e vocalista, e Mike McClelland, baixista, se conheceram logo no primeiro dia de aula. Por coincidência do destino, os dois descobriram muitas coisas em comum. Primeiro, que ambos cresceram em Belfast, e moraram muito perto um do outro, e logo depois, que tinham um gosto musical muito similar. Não demorou muito e os dois formaram uma banda, chamada Polarbear. No início, os dois contam com a ajuda de Richard Colburn, baterista do Belle & Sebastian, ainda apenas um ilustre desconhecido. Os três fazem alguns shows, mesmo sabendo que Richard era apenas um membro provisório.
Em um show em Belfast, os dois rapazes conhecem Johnny Quinn. Viram que o rapaz tocava bateria como poucos e, alguns telefonemas depois, Johnny se muda para a Escócia e entra como o terceiro membro do Polarbear. Os três rapazes continuaram seus estudos em Dundee, e seguiram com a banda apenas por hobby, sem muitas pretensões. Aos poucos, vão conquistando um publico fiel, e muitos amigos dentro das bandas escocesas que, aos poucos, iam tomando o cenário alternativo de assalto. Mas apenas em 1998 a banda aceita um convite da Jeepster, gravadora de seus amigos de longa data do Belle & Sebastian, e lança seu primeiro single: Starfighter Pilot.
Mas, após o lançamento do single, um pequeno problema judicial ocorre com o Polarbear. Uma banda homônima dos Estados Unidos decide processá-los e, sem alternativa, a banda muda o nome para Snow Patrol. Com um novo nome, a banda começa a gravar o seu primeiro disco, ironicamente chamado Songs for Polarbears. Em sua estréia, a banda mostra grande influência de bandas lo-fi americanas, como Sebadoh – banda idolatrada por Gary – e Breeders, mas com um toque peculiar de melancolia e timbres no mínimo estranhos dos sintetizadores e das guitarras. Sem dúvidas, um som único não só na cena escocesa como no cenário mundial.
Songs For Polarbears é aclamado pela crítica, assim como seus singles One Hundred Things You Should Have Done In Bed, Velocity Girl, Little Hide e Starfighter Pilot – relançado, agora como um trabalho do Snow Patrol e não do Polarbear -, mas não chega a vender mais do que o esperado. A banda não considerou isso um problema, e seguiu com seus shows e seus estudos na Universidade de Dundee. Aos poucos, o Snow Patrol ia conquistando um público maior, e a banda começava a ser mais respeitada na cena britânica. Em 2000, a banda já tinha cacife suficiente para tocar no respeitadíssimo festival All Tomorrow’s Parties, em Rye, um dos festivais alternativos mais importantes no mundo.
Depois de terminarem seus estudos, Gary, Mark e Johnny se mudaram de vez para Glasgow e começaram a se dedicar ao que seria o sucessor de Songs For Polarbears. Aos poucos os três começavam a deixar suas influências iniciais um pouco de lado e passaram a trabalhar com sons mais elaborados, com texturas eletrônicas e muita experimentação. Iam polindo a sonoridade crua apresentada na estréia, buscando um resultado totalmente diferente.
Em novembro de 2000, a banda apresentou pela primeira vez o que seria sua nova sonoridade, com o single Ask Me How I Am, primeiro lançamento retirado de seu novo disco, When It’s All Over We Still Have To Clear It Up. A canção não era nada parecida com o que havíamos ouvido antes em Songs For Polarbears: ao invés de abusar de guitarras e baixos distorcidos, o grosso da música é formado por um vocal sampleado e um violão também sampleado. Apesar da estranheza, a canção é também uma pérola pop, e recebe a aprovação tanto do público quanto da crítica.
Depois de 5 meses, é lançado When It’s All Over We Still Have To Clear It Up, junto com o single One Night Is Not Enough. A banda seguiu a risca a proposta de fazer algo diferente do que havia feito em sua estréia, e apresentou um disco dividido entre canções que abusam da eletrônica experimental – Ask Me How I Am, Never Gonna Fall In Love Again - e outras de rock tradicional, com melodias genuinamente pops - as tristes One Night Is Not Enough e An Olive Grove Facing The Sea -, além de alguns ecos do primeiro álbum – Making Enemies, If I’d Found The Right Words To Say. Apesar de ser um disco mais "difícil" do que Songs For Polarbears, ele vende mais do que seu antecessor e coloca o Snow Patrol no primeiro time da cena escocesa, junto com Belle & Sebastian, Mogwai, Delgados, Idlewild, etc.
No mesmo ano, Gary teve uma idéia brilhante. Com um caderninho de telefones na mão, ligou para diversos membros de bandas escocesas para montar um dos mais ambiciosos projetos paralelos já pensados na história da música pop, o Reindeer Section. O line-up da banda é no mínimo impressionante: os membros vão de veteranos da cena escocesa, como Norman Blake (Teenage Fanclub) e Eugene Kelly (Eugenius e Vaselines), a novos talentos pós-Belle & Sebastian, como Roody Woomble (Idlewild), John Cummings (Mogwai), Adam Moffat, Michael Middleton e Colin McPherson (Arab Strap), passando por membros do Belle & Sebastian, Astrid, Eva, Alfie e os outros dois patrulheiros da neve, Johnny e Mark (que entrou apenas na segunda formação). Gary é o chefe da trupe, e se destaca como principal vocalista e compositor. Não é preciso ser um perito em rock alternativo escocês para perceber o toque do rapaz na sonoridade da banda; basta ouvir uma música do Snow Patrol e outra do Reindeer Section e perceber a semelhança. A banda lançou dois discos, chamados Y’all Get Scared Now, gravado entre janeiro e fevereiro de 2001 e lançado em junho, e Son Of Evil Reindeer, lançado apenas em junho de 2002. Ambos foram produzidos pelo onipresente Tony Doogan, que trabalhou com Delgados e Mogwai, entre outros.
Nesse meio tempo, o Snow Patrol seguiu com seus shows divulgando When It’s All Over, que continuava com suas boas vendagens. Mas o contrato com a Jeepster terminou, e a banda decidiu não renová-lo. Sem gravadora, a banda começou a gravar as demos do que seria seu terceiro disco. As demos acabaram indo parar nas mãos da major Polydor. A gravadora indicou a banda para o selo Black Lion Records, que se tornou a nova casa do Snow Patrol.
Casa nova, vida nova: além de mudar de gravadora, o Snow Patrol ganhou um novo membro, o guitarrista Nathan Conolly, que entrou para a banda, para auxiliar Gary com sua difícil tarefa de tocar guitarra, cantar e ainda por cima brincar com todos os sintetizadores a sua volta. Tudo estava preparado para as gravações do sucessor de When It’s All Over We Still Have To Clear It Up.
A gravadora indicou um produtor no mínimo inusitado para as gravações: Garret "Jacknife" Lee, produtor do Basement Jaxx e do grupo vocal TLC. A banda acatou a decisão, e seguiu com Garret até o fim. As gravações, porém, não foram simples: não eram raras as discussões a respeito da sonoridade do disco. Apesar de tudo, o resultado final agradou ambos os lados. Nas palavras de Mark McClelland: "ele [Garret] passou metade do tempo arrancando os cabelos, e ele fez com que nós arrancássemos nossos cabelos. Havia uma grande tensão, mas que resultou em algo ótimo".
O resultado da empreitada foi Final Straw (lançado em agosto de 2003 no Reino Unido e março de 2004 nos EUA, via Interscope), mais uma prova da capacidade de reinvenção do Snow Patrol, que mudou desde o formato de suas canções até à arte gráfica, que seguia um certo padrão em seus primeiros trabalhos. Com certeza, é o trabalho mais pop e melódico da banda, que não poupou belas melodias em suas canções por medo que elas soassem apelativas ou acessíveis demais. Ponto para a banda, que criou mais um belo disco, com gemas pops como o hit Spitting Games, a tocante Run, a bela How To Be Dead e as enérgicas Wow e Tiny Little Fractures. Não por acaso, esse disco manteve o Snow Patrol no primeiro time do rock alternativo inglês, com direito até ao reconhecimento do público mainstream.
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