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David Gilmour: em São Paulo em 2015, muito choro e nenhuma vaia

Resenha - David Gilmour (Allianz Parque, São Paulo, 12/12/2015)

Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 18 de dezembro de 2018

Felizmente, a chuva que Thor anunciava com seus trovões não atrapalhou o espetáculo que milhares de paulistanos, cearenses, paraenses, paranaenses e gaúchos (por que não?), enfim, gente de todo o país, estavam ansiosos para assistir naquele sábado, 12 de dezembro de 2015. Embora houvesse a ameaça no céu, era no palco montado em um dos gols do Allianz Parque que relâmpagos e trovões impressionariam quarenta e cinco mil viventes, era o esperado show de outro deus, DAVID GILMOUR, o primeiro anunciado, o segundo de fato (com ingressos esgotados em apenas um dia, um segundo show foi encaixado no dia anterior, sexta, 11 de dezembro). Sobre os ingressos, era de impressionar a quantidade de cambistas no entorno do estádio, negociando ingressos por um preço muito, muito abaixo do que fora pago originalmente. O show foi há três anos (e Roger Waters acabou de sair de nosso país com uma série de shows igualmente magnífica), mas jamais sairá de nossas memórias. E aproveitando o "aniversário", traremos novamente aqui mais um dos textos publicados originalmente na Metal Militia.

David Gilmour - Mais Novidades

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David Gilmour é uma das vozes e uma das guitarras de uma das bandas mais importantes da história do rock, quiça da história da música. Seus bends, seus solos, seus improvisos o colocam no patamar de gênios como Eric Clapton, Jimmy Hendrix, B.B.King e talvez mais ninguém (isso falando apenas de guitarristas). E a música do PINK FLOYD só encontra rival diante dos conterrâneos BEATLES, ROLLING STONES, LED ZEPPELIN e BLACK SABBATH. Em constatação rápida, o PINK FLOYD está na raiz do rock e, portanto, também na raiz do metal. Assim, tínhamos que ir ao Allianz Parque para ver toda a tabuada sendo construída e desconstruída à nossa frente.

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Poucos minutos depois das 9 da noite, o som de passarinhos se faz ecoar. Era "5 A.M". e o dia estava amanhecendo exatamente naquele momento. Não se pode dizer que todos entendiam exatamente o que estava acontecendo, mas quando o som da primeira nota tocada por David Gilmour em sua velha guitarra, a conclusão foi geral: é mentira. Só podia ser mentira. Não podia ser verdade que aquele show estava realmente acontecendo e cada uma daquelas 45 mil pessoas sentia tanta emoção em seu coração.

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A apenas OK "Rattle That Lock", com seu clipe exibido no enorme telão circular no centro do palco, fez com que se dissipasse a dúvida. Aquela noite estava acontecendo, não era fruto de um delírio coletivo de todos os presentes no estádio do Palmeiras. O guitarrista Phil Manzanera (ROXY MUSIC), o baixista Guy Pratt, os tecladistas Jon Carin (também no violão) e Kevin McAlea (também na sanfona), o baterista Steve DiStanislao, com Bryian Chambers e Lucita Jules nos backing vocais e, no centro do palco, tocando guitarra, cantando e encantando, David Gilmour formavam a banda que se encarregaria de tornar aquelas duas, três horas em momentos inesquecíveis.

Também estava ali o paranaense João Mello, um jovem saxofonista que sequer tinha nascido quando muitos ali na plateia já conheciam de cor toda a discografia do PINK FLOYD (até o "Division Bell", pelo menos). Apesar disso, o curitibano foi muito bem recebido quando apareceu pela primeira vez no telão durante a execução da bela Faces of Stone, também do álbum novo de Gilmour. E foi em "Wish You Were Here", a primeira do PINK FLOYD na noite, que a emoção atingiu o ápice (pela primeira vez!). Quem jamais sonhara ver a canção ao vivo, na voz original, tinha agora a oportunidade de verter tantas lágrimas que seria possível bangear com elas. E se os anos maltrataram Gilmour, pouparam sua voz (que continua cristalina) e seu talento para extrair emoção a partir das cordas de suas guitarras.

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Gilmour, como é, não se estendia em discursos, "obrigado e boa noite" eram mais que suficientes, mas deixou escapar um gesto de que o coro estava "daqui ó" (aquele gesto que muitas pessoas fazem quando, por exemplo, experimentam e aprovam um prato gostoso). No entanto, ao anunciar outra canção, "A Boat Lies Waiting", pediu pra todo mundo ficar calado. Era a homenagem a Richard Wright e as três vozes no palco, depois sete (quase toda a banda participou) casam com extrema perfeição até Gilmour ir para o lap steel e dar um show dentro do show no instrumento que domina como poucos. Ao fim, a plateia desobediente gritava, "Richard", "Richard", "Richard".

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Num show de David Gilmour, nem só a música é parte essencial. A cenografia da apresentação a torna quase um espetáculo teatral. Exemplo disso é a forma como tudo no palco fica azul, luzes azuis, fumaça pintada de azul pelos holofotes também azuis em The Blue. O que se vê no telão também muda de acordo com a luz. A direção de imagens é eficientíssima, com tudo calculado nos mínimos detalhes e exibido de forma perfeita. Apesar de nem sempre ser possível ver Gilmour no telão, em momentos chave é possível ver as cordas da guitarra sendo esticadas, levantadas, curvadas, sendo castigadas para proporcionar momentos de deleite do público. E em Money, fruto de um dos mais excepcionais álbuns já lançados, João Mello faz jus ao mote "um filho teu não foge à luta" aceitando a responsabilidade de dividir o solo do clássico com o mestre Gilmour. Aos outros brasileiros, na pista ou nas arquibancadas, restou participar de um trecho com palmas.

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Ainda no "Dark Side of The Moon", a belíssima "Us and Them" mostra no telão homens de negócios e imagens de uma metrópole. O clipe feito para a canção já era conhecido, mas, naquele momento, a reflexão causada pela canção é ainda mais forte. Poderia ser São Paulo. Poderia ser Fortaleza. Mas não se pode elucubrar tanto. Ainda é apenas um show de rock. E o "olê, olê, olê / Gilmour, Gilmour" não poderia faltar naquele estádio de futebol. E não faltou.

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Bryan e Lucita, ambos negros, obviamente (como negar o preconceito - e esta é mesmo a palavra - de que as melhores vozes estão em cidadãos de pele escura) tem participação ainda maior em parte de "In Any Tongue". João também participa da canção tocando violão, enquanto a animação no telão lembra, nervosamente, dos conflitos no Oriente Médio.

Uma das canções mais marcantes do "The Division Bell", assim como um dos momentos mais lembrados do "Pulse" (cujas imagens do telão transportam o público para dentro daqueles DVDs, "High Hopes" encerra a primeira parte do show. DiStanislao, batendo seu martelo no sino negro posicionado à sua direita, Gilmour cantando, tocando sua guitarra, sua lap steel, fazendo-a sofrer, castigando-a, despertam em todos, seja por que razões pessoais for, uma miríade de emoções. Estava claro que aquele show não era feito apenas das horas em que banda esteve no palco e público esteve em seu lugar. Era feito de tudo aquilo que acontecera antes. E ecoaria em tudo o que aconteceria depois.

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Para evitar infartos, o intervalo de 20 minutos caiu do céu. Na volta para o segundo set, luzes e cores de planetas, estrelas, luas com nomes de elfos e fadas dominam o espetáculo na psicodélica "Astronomy Domine". E depois do space rock de Syd Barret e Richard Wright, a homenagem definitiva do PINK FLOYD a seu primeiro vocalista e guitarrista, "Shine on You Crazy Diamond", tornam (apesar de incompleta) os próximos treze, quinze minutos em algo impossível de descrever (arrumem outro).

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"Fat Old Sun", do controverso "Atom Heart Mother", o disco "da vaca", transforma o telão em um gigantesco sol vermelho. Um pouco de improviso (bootlegs desse show TEM que aparecer) prepara o ambiente para a explosão, ainda maior que o sol, no solo final. É momento até para bangear louca, epileticamente. A bela On An Island, a seguinte, foi uma das únicas da carreira solo de Gilmour que não pertence ao "Rattle That Lock".

O jazz "The Girl in the Yellow Dress" põe uma animação etílica no telão, enquanto Guy Pratt toca um pesado contrabaixo acústico e DiStanislao acaricia seu kit com vassourinhas. Seria sacrilégio dizer que Gilmour torna-se coadjuvante de Mello, mas, digamos a verdade, o curitibano arrasou em seu solo antes de Gilmour partir para a funkeada e nova "Today", com sua guitarra surrada, de tampo descascado. A canção é uma das melhores do disco novo, apesar de ainda não alcançar a mesma resposta de faixas do PINK FLOYD ou mesmo da canção que dá nome ao disco. Esta foi a última da carreira solo. A partir de então, apenas músicas do quarteto mágico, com "Sorrow" proporcionando mais momentos memoráveis. Não sei se apenas eu tive essa impressão, mas, o "olê olê olê" lembrou o coro "You Will Never Walk Alone".

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Gilmour, malandrilson, e toda a banda aparecem de óculos escuros para "Run Like Hell", que ele canta em dueto com Guy (antes era com Roger Waters). Durante a faixa, não há economia nas luzes, lasers e efeitos (esse é o motivo dos óculos escuros). O Allianz Parque foi, definitivamente, pintado de verde em alguns momentos. Depois das explosões (de luz - curiosamente não há pirotecnia), Gilmour cumpre o ritual de se despedir do público, apresentar a banda (sobre João Mello ele diz: "já que estamos no Brasil, temos João Mello tocando lindamente". "Ele andou um longo caminho até aqui", brincou) e dizer "a gente se encontra qualquer dia desses".

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Não deve ter sido surpresa para ninguém a banda ter voltado para um bis com "Time" e "Breathe (Reprise)". O setlist da turnê é praticamente idêntico em todos os shows ("Coming Back To Life" foi incluída na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba) e não há espaço para surpresas. Mesmo assim, não é sem emoção que o público acompanha as mais significativas viagens do disco "do prisma".

Como nem tudo é tão eterno quanto o talento de Gilmour, Beethoven, Bach e Mozart, a hora de se despedir chega com "Confortably Numb", com Jon Carin fazendo as partes de Waters e o público em histeria num dos mais importantes solos de guitarra da história do rock. Meninos, doutores, aposentados, desempregados, idosos, gente de todas as idades e classes sociais estiveram, por uma noite, nos anos 70, sem perder a conexão com 2015 (representado principalmente pelo "Rattle That Lock"). Uma noite mágica, uma noite inesquecível, uma noite que fez valer qualquer esforço para estar ali, uma noite para contar para os netos, sejam eles já também grisalhos ou sequer tenham nascido os seus pais.

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Agradecimentos:
Midiorama, pela atenção e credenciamento.
Ed Rodrigues e Mônica Porto, da Metal Militia, pela confiança e apoio.
Fernando Yokota, pelas imagens que ilustram esta matéria.

Setlist:
5 A.M.
Rattle That Lock
Faces of Stone
Wish You Were Here
A Boat Lies Waiting
The Blue
Money
Us and Them
In Any Tongue
High Hopes
Astronomy Domine
Shine On You Crazy Diamond (Parts I-V)
Fat Old Sun
On an Island
The Girl in the Yellow Dress
Today
Sorrow
Run Like Hell

Bis:
Time
Breathe (Reprise)
Comfortably Numb

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Sobre Leonardo Daniel Tavares da Silva

Daniel Tavares nasceu quando as melhores bandas estavam sobre a Terra (os anos 70), não sabe tocar nenhum instrumento (com exceção de batucar os dedos na mesa do computador ou os pés no chão) e nem sabe que a próxima nota depois do Dó é o Ré, mas é consumidor voraz de música desde quando o cão era menino. Quando adolescente, voltava a pé da escola, economizando o dinheiro para comprar fitas e gravar nelas os seus discos favoritos de metal. Aprendeu a falar inglês pra saber o que o Axl Rose dizia quando sua banda era boa. Gosta de falar dos discos que escuta e procura em seus textos apoiar a cena musical de Fortaleza, cidade onde mora. É apaixonado pela Sílvia Amora (com quem casou após levar fora dela por 13 anos) e pai do João Daniel, de 1 ano (que gosta de dormir ouvindo Iron Maiden).
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