O Estigma do Sublevado
Por Mário Orestes Silva
Postado em 13 de dezembro de 2007
Com a crescente onda de violência por parte das tribos urbanas contemporâneas em grandes centros como Nova York, São Paulo, Londres e outras cidades, muito se tem especulado a respeito da equivalência dos ditos ideais para com os atos dessa delinqüência, principalmente por parte da mídia bajuladora. O fenômeno marginal incomoda não só as vítimas das agressões diversas praticadas, mas também pessoas de boa índole que se vêm na condição de coadjuvantes aleatórios, visto que por ventura esses fatos lamentáveis acontecem em shows, pontos de encontro, bares, lojas e outros lugares públicos. A questão implica que o problema é sociológico e pode até ter uma solução, mas em longuíssimo prazo.
O PROBLEMA:
Desde a Revolução Industrial que a humanidade vem saboreando o fel da explosão demográfica com todas as suas conseqüências de crises em progressões que abrangem impactos ambientais, desemprego, fome, miséria, epidemias, violência dentre outros males que afetam direta ou indiretamente a vida de cada um de nós. Especialistas e sociólogos são unânimes em afirmar que alguns desses tópicos estão constantemente em ascensão e que se medidas mitigadoras não forem tomadas, colapsos serão inevitáveis e abalarão outros aspectos sociais, políticos e econômicos num "efeito dominó" de resultados drásticos e irreparáveis. Alguns desses efeitos já são visíveis e mostram-se claramente fora de controle apesar dos governantes embusteiros demagogicamente viverem apresentando dados estatísticos e financeiros de investimentos, mudanças e melhorias. Dentre os exemplos mais evidentes pode-se citar a máfia das grilagens de terras, atrelada indiscutivelmente à falta de uma reforma agrária séria em nosso país; a bio-pirataria que movimenta milhões de dólares e demanda interesse para as indústrias farmacêuticas e de cosméticos do mundo inteiro; a prostituição infantil e juvenil que tem o Brasil como um dos maiores fornecedores; o desmatamento, nosso país já é o quarto maior emissor de gás carbônico (CO2) na camada atmosférica devido à descontrolada expansão agrícola que visa unicamente o lucro; e o tráfico de drogas que nos tem como grande consumidor, rota de comércio e no estado do Rio de Janeiro sitia os moradores numa guerra civil. Todos esses assuntos podem parecer singulares e de certo modo são, mas estão intrinsecamente cruzados por uma eterna cultura provinciana que é perpetuada pelo interesse de magnatas que ganham muito dinheiro com isso e têm influência nos poderes legislativo, judiciário e executivo de norte a sul e de leste a oeste.
Percebe-se que no extenso parágrafo acima, em nenhuma vez foram citadas palavras como punk, metal ou skin. Porém, a explicação se faz necessária para entendimento de que o problema da violência nas tribos não tem nada a ver com rock, independente de um estilo ser mais agressivo, expressivo ou underground que o outro. Em análise ao seguido, o leitor atinará que a questão é mais cultural do que minimalista e requer a atenção não de autoridades repressoras e moralistas de plantão, mas de sociólogos, educadores diversos, fomentadores culturais e principalmente daqueles que gostam de um bom rock ‘n’ roll.
CAUSAS:
Não é de hoje que os países em desenvolvimento têm deficiência aguda na educação. Como foi dito acima, temos uma perpétua cultura provinciana que é herdada naturalmente de quem já foi colônia e amarga a dependência econômica de seus colonizadores com o passar dos séculos. Com economia deficiente, a educação será deficiente, assim como infra-estrutura, saneamento básico, saúde etc. Infelizmente a ignorância prevalece frente ao desenvolvimento e antes que alguém diga que isso é um panorama mundial, mostremos as informações de que enquanto na Europa, cada cidadão lê uma média de oito livros por ano, no Brasil essa estatística cai pela metade. Enquanto no velho mundo existem mais livrarias do que shopping centers, no país do futebol, os dados se invertem. Essa miséria cultural estende-se especificamente sobre um vetor, o povo. Como a população brasileira é formada em sua maioria por jovens, são estes os maiores sofredores desse efeito colateral colonialista. Sem muito esforço intelectual, nota-se que as tribos urbanas com complexo de gladiadores momentâneos, são formadas exclusivamente por jovens. Muitos desses, acabaram de sair da adolescência e ainda estão a procura de um caráter próprio e em processo de formação de sua personalidade, logo, cheios de dúvidas, incertezas e conflitos existenciais. Soma-se a isso mais dois fatores cruciais:
1) Muitos usam e abusam das mais diversas drogas lícitas e ilícitas, o que ajuda a aumentar a confusão mental que propicia a delinqüência. Não é difícil de identificar bêbados e entorpecidos entre os brigões e temperamentais;
2) Faz parte da natureza (vegetal e animal, racional e irracional) o seguimento simplista. Isto é, adotar, sem sombra de dúvidas, o caminho mais fácil a seguir. E entre o ponderado e o prático, logicamente que o segundo será adotado, pois ele já vem digerido, com um estereótipo formado por ímpetos que não necessitam de um raciocínio aprofundado e questionador. Formar uma personalidade autêntica e coerente é mais complexo e requer tempo, estudo e trabalho que um mentecapto normalmente não quer ter.
CONSEQUÊNCIAS:
Se esses garotos de "inteligência avançada" brigassem entre si como um "clube da luta" fechado até matarem-se sem nenhum tipo de incomodo, seria algo até benevolente, pois eles próprios levariam a cabo o trabalho de acabarem com a violência vigente. Contudo, eles são inconseqüentes e não medem esforços em proliferar a ignorância além de seus limites. Como esses reflexos juvenis marginais são extrapolações da problemática personalidade conflitante que carece de atenção, sempre serão dispostos em público. Dai, estarão freqüentemente a um passo do envolvimento de terceiros, quaisquer que sejam, desde o trabalhador que tem o azar de estar prestando serviço naquele local no momento da ocorrência ao simples transeunte. E dentre estas pessoas de boa fé, que por ventura se vêem na desagradável situação, podem estar eu, você ou qualquer conhecido e/ou parente nosso. É inegável que a delinqüência acarreta um estigma que será empregado sobre qualquer pessoa que, mesmo sem querer, pode ser enquadrado por leigos no tratado (entende-se como praticamente, senão toda, mas a maioria da população) como simpatizante, por estar portando um vestuário, artefato ou disco equivalente ao usados pelos visados. A estigmatização é enormemente difundida pela mídia que detrata sem piedade e de maneira generalizada o rockeiro, principalmente o que cultua o chamado rock pesado. Os bajuladores ganham a vida vendendo polêmica, mesmo que essa seja fundamentada em casos isolados e não levam em conta que esses tipos de barbáries acontecem também nos bailes funks, nos estádios de futebol, no pagode de farofeiros, nos grupos de "pitbulls" que praticam artes marciais ou musculação e em outros tipos de castas. Lembrem-se de que o preconceito está atuante em todos os meios de nossa sociedade, mas o rockeiro sempre será retratado como o vilão da história. Outro desconcertante fator existente é o descrédito que algumas bandas podem ganhar pela presença desses extraordinários em seu público. O exemplo mais clássico dessa injustiça vem dos criativos Garotos Podres que até hoje sofrem as conseqüências da errônea infâmia de cativarem um público hostil. Não se sabe até quando eles ficarão sem patrocínios e contratos. Isso também ocorre com outras bandas de punk rock, black metal, metal extremo e afins, e há de perdurar enquanto houver esse mal entendido.
A SOLUÇÃO:
Por incrível que pareça, este câncer urbano possui um remédio, mas sua cura não se faz da noite para o dia, pois é imprescindível o culto a uma problemática trindade: conscientização, inteligência e cultura. Problemática, esta trinca por exigir um trajeto tortuoso por anos de suadouro. Como foi deixado claro anteriormente, é mais fácil seguir o caminho com pavimentação já formada a construir o próprio legado. A solução demanda que gangues de idiotas que usam o visual punk, passem a encontrar-se não para se drogarem ou brigarem, mas para estudarem a anarco-sindicalismo, o conteúdo das letras do The Clash, as idéias de Bakunin e desenvolverem um colóquio que apresente alternativas para os diversos entraves do progresso humano. Que headbangers se juntem não para beberem e praticarem o sexismo e o machismo, mas para refletirem a filosofia de King Diamond, o virtuosismo lírico de Yngwie Malmsteen e a união do movimento crossover. Que hippies em vez de ficarem vegetando pelas praças com seus micróbios, passem a ler sobre a sociedade alternativa de Proudhon e a praticarem o amor livre com a segurança dos preservativos. Que góticos parem de chorar e lamentar-se das amarguras do mundo e passem a pensar sobre a poesia de Ian Curtis em seu aspecto mais humano. Que skinheads não pratiquem mais atrocidades e xenofobia, passando a entender que se o nazismo vencesse a segunda guerra, nós latinos seríamos os exterminados depois dos judeus e dos negros.
Em suma, não que para se escutar rock é preciso ser um chato intelectual fundamentalista, mas cabe dizer que enquanto os bíceps substituírem os cérebros, o rockeiro ficará infame perante todos que engolirem as opiniões formadas e deturpadas, envergonhando os pensantes que estão sujeitos a isso sem o mínimo de merecimento. Desde o início da história do rock and roll que este estilo em todas as suas vertentes se caracteriza como música de contestação, mas isso não significa que a coisa tenha de ser exposta sem raciocínio com todo seu ódio de revolta interpretado ao pé da letra. Faz-se necessário que haja um fundamento filosófico que proporcione um determinado conhecimento, mesmo que minimizado já é válido e crucial, para que finalmente exista inteligência, respeito e dignidade no meio.
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