O único grande hit do rock nacional que protestou contra o confisco de Collor
Por Gustavo Maiato
Postado em 15 de maio de 2025
"Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém." A frase virou refrão, grito de revolta e retrato de um país mergulhado em frustração econômica no início dos anos 1990. Em pleno governo Collor, o Biquíni Cavadão lançou "Zé Ninguém", uma das poucas — senão a única — músicas de grande repercussão no rock nacional a protestar diretamente contra o confisco da poupança imposto pela equipe econômica do então presidente Fernando Collor de Mello.

A história por trás da canção, marcada por ironia e crítica social, foi recontada em detalhes pelo jornalista Julio Ettore em vídeo publicado em seu canal. "Seu dinheiro está bloqueado. A maior parte dos cruzados novos ficará retida nos bancos", lembra Ettore, citando a medida que, em março de 1990, congelou a maior parte dos depósitos bancários dos brasileiros. "Vivemos o confisco da poupança. Simplesmente congelaram o acesso aos nossos recursos."
Apesar do impacto da decisão, que provocou filas em bancos e indignação generalizada, o episódio praticamente não foi retratado pela música popular da época. "Não é curioso que praticamente nenhuma música conhecida fale sobre esse episódio?", questiona Ettore. "Há uma canção, hoje pouco lembrada, que se tornou um dos grandes protestos da era Collor. Essa é a história de ‘Zé Ninguém’, do Biquíni Cavadão."
Biquini e "Zé Ninguém"
Lançada em 1991 como faixa de abertura do disco "Depois da Civilização", "Zé Ninguém" marcou o renascimento da banda carioca, que havia surgido nos anos 1980, mas começava a cair no ostracismo. Composta num momento de recessão, pessimismo e desconfiança, a música canalizou a sensação de abandono e injustiça social que dominava o país.

Segundo o vocalista Bruno Gouveia, o impacto do confisco foi imediato: "Em 1990, o mercado de shows morreu quase como uma pandemia, porque as pessoas estavam sem acesso aos seus recursos – não podiam sacar nada." O tecladista Miguel Flores e o baixista André Shake estavam fora do país quando a medida foi anunciada e, ao retornarem, ouviram o alerta: "Venda todos os dólares antes de entrar no Brasil e comprem cruzados novos!" Assim, driblavam a limitação de 50 mil cruzados novos por pessoa.
A revolta da população, somada à inércia das instituições e à retórica otimista de Brasília, foi sintetizada no verso que se tornaria icônico: "Eu não sou ministro, eu não sou magnata, eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém." A música se tornou um retrato cruel da desigualdade no Brasil pós-redemocratização: "Aqui embaixo as leis são diferentes."
Mas a letra, segundo Bruno, ia além da crítica econômica. Surgiu de uma inquietação filosófica do baixista André Shake: "A ideia era questionar axiomas — essas verdades incontestáveis que ninguém prova. Tipo: ‘Quem foi que disse que o homem não chora?’" Quando o plano Collor estourou, esse questionamento ganhou forma mais contundente, e Bruno o expandiu, adicionando provocações como:
"Quem foi que disse que ‘a justiça tarda, mas não falha’?"
"Quem foi que disse que ‘os homens nascem iguais’?"
"Quem foi que disse que existe ‘Ordem e Progresso’, enquanto a zona corre solta no Congresso?"
O resultado foi um refrão direto, amargo e empático, que falava diretamente com o trabalhador comum, sufocado pela crise, esquecido pelos poderosos: "Cada dia eu levo um tiro que sai pela culatra."
O sucesso de "Zé Ninguém"
A recepção foi imediata. "Zé Ninguém" voltou a colocar o Biquíni Cavadão nas rádios e consolidou o disco "Depois da Civilização" como um dos grandes trabalhos da banda. O sucesso abriu caminho para outro hit, Vento Ventania, lançado logo depois, e marcou a retomada criativa de um grupo que sobreviveria ao tempo, reinventando-se diversas vezes nas décadas seguintes.
Mais de 30 anos depois, a faixa permanece como uma das poucas manifestações diretas do rock brasileiro contra a política econômica de Collor. Num momento em que o país ainda buscava curar as feridas da ditadura e construir uma democracia sólida, "Zé Ninguém" foi a voz de quem não tinha voz. Como bem conclui Julio Ettore em seu vídeo: "Enquanto quase todos calaram, o Biquíni Cavadão cantou. E cantou alto."
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps



Organização confirma data do Monsters of Rock Brasil 2026
Helloween retorna ao Brasil em setembro de 2026
Megadeth tem show confirmado em São Paulo para 2026
Trivium agradece Greyson Nekrutman e anuncia novo baterista
"Um cantor muito bom"; o vocalista grunge que James Hetfield queria emular
Bryan Adams retorna ao Brasil em março de 2026
Guns N' Roses homenageia seleção brasileira de 1970 em cartaz do show de São Paulo
As 10 melhores músicas do Iron Maiden, de acordo com o Loudwire
A melhor música de "Let It Be", segundo John Lennon; "ela se sustenta até sem melodia"
O único frontman que Charlie Watts achava melhor que Mick Jagger
O pior disco do Queen, de acordo com a Classic Rock
A banda de rock clássico que mudou a vida de Eddie Vedder de vez; "alma, rebeldia, agressão"
A única vez na história que os Titãs discordaram por razão moral e não estética
As 15 bandas mais influentes do metal de todos os tempos, segundo o Metalverse
O melhor disco do Kiss, de acordo com a Classic Rock
Nightwish: a sincera opinião da ex-vocalista Anette Olzon sobre atual som da banda
Empresário revela em detalhes quanto o RPM ganhava por show, e o que os levou ao buraco
O vocalista que teve a chance de entrar no Iron Maiden, mas deixou o bonde passar

O que João Gordo, Nando Reis e outros músicos brasileiros pensavam dos Mamonas Assassinas
O único grande hit do rock nacional que protestou contra o confisco de Collor
A paródia de letra do Capital Inicial que Biquini Cavadão criou para declarar sua inveja
O guitarrista do metal nacional que ajudou Biquini Cavadão no começo da carreira



