Ramones: "Halfway to Sanity" é um álbum injustiçado
Resenha - Halfway to Sanity - Ramones
Por Diogo Bizotto
Fonte: Consultoria do Rock
Postado em 10 de março de 2012
Minha aproximação com o RAMONES foi bastante tardia se comparada com a de grande parte de seus fãs, que travaram seu primeiro contato com a banda durante a adolescência, ou mesmo antes. Foi apenas há poucos anos (tenho 27) que passei realmente a prestar atenção no grupo e ouvir seus discos na íntegra. Talvez por isso, e por ter começado a explorar sua discografia por iniciativa própria, sem influências externas, tenho grande apreço por alguns álbuns que foram lançados em uma época menos propícia para o quarteto, distante de seus primeiros anos e de álbuns extremamente influentes como "Ramones" (1976), "Leave Home" (1977) e "Rocket to Russia" (1977), que apresentaram ao mundo os quatro desajustados de Forest Hills, bairro novaiorquino de forte influência judia: Joey (Jeffrey Hyman), Johnny (John Cummings), Dee Dee (Douglas Colvin) e Tommy (Thomas Ederlyi).
Apesar de ter plena consciência de que os discos supracitados são dotados de indiscutíveis qualidades e foram fonte de inspiração para que muitos jovens pegassem em instrumentos pela primeira vez, não posso negar que tenho uma forte queda por álbuns como "Too Tough To Die" (1984), "Halfway to Sanity" (1987), "Brain Drain" (1989) e "Mondo Bizarro" (1992). Os dois últimos, em especial, receberam bastante atenção no mercado nacional, sendo inclusive sucessos de vendas, ao contrário do que ocorria na terra natal dos músicos. Contudo, "Halfway to Sanity" não parece gozar do mesmo prestígio adquirido por seus sucessores, o que é uma pena, dado que algumas das mais inspiradas canções do grupo dão as caras em seu track list.
"Halfway to Sanity" é o terceiro e último disco registrado com o baterista Richie Ramone, que ajudou a moldar a sonoridade do grupo nos anos 80 tanto nos estúdios quanto no palco, inserindo uma pegada hardcore que adicionou peso e velocidade, além de demonstrar sua personalidade através das músicas que compunha. As duas canções de Richie feitas para o álbum são justamente dois dos destaques presentes no disco, "I Know Better Now" e "I'm Not Jesus". A primeira já prima por uma agressividade acima da média em se tratando de RAMONES, especialmente no refrão em coro, mas "I'm Not Jesus" apresenta como nunca antes características que aproximaram o grupo das bandas de hardcore. Seus primeiros 25 segundos até enganam, dando a falsa ideia de que se trata de uma canção com pegada hard rock, mas dali em diante a pancadaria come frouxa quase sem descanso.
Ainda melhores que essas são as duas faixas compostas por Dee Dee em parceria com Daniel Rey, que estava produzindo o RAMONES pela primeira vez. "I Wanna Live", que abre o disco e é forte candidata a ser minha música favorita do grupo, destoa um tanto do que normalmente se espera do RAMONES, apresentando um ataque às cordas da guitarra um pouco mais dinâmico que o habitual, menos reto, sinal de uma possível influência heavy metal. Até um pequeno solo dá as caras em meio a seus pouco mais de dois minutos e trinta segundos, bastante simples, mas melódico e de muito bom gosto, complementando a faixa de maneira a torná-la o maior destaque do disco. Outra parceria entre Dee Dee e Daniel é a ótima "Garden of Serenity", uma das mais sombrias canções já feitas pelo quarteto, característica reforçada pelo grave coro masculino que ecoa ao fundo das vocalizações de Joey, cantando o refrão que se resume a pouco mais do que o nome da canção. Certamente uma joia perdida na discografia do RAMONES, lembrada apenas pelos mais atentos.
Por falar em Daniel Rey, é bom citar que, apesar da produção do álbum anterior, "Animal Boy" (1986), ter dado um aspecto mais agressivo a suas músicas, em especial devido à saturação na guitarra de Johnny, o trabalho de Daniel em "Halfway to Sanity", mais afiado e perspicaz, combinou melhor com a sonoridade do quarteto, que nessa época recebia a influência de grupos mais pesados, que o próprio RAMONES havia influenciado no passado. Ligada ao passado do RAMONES é a banda BLONDIE, companheira na cena novaiorquina dos anos 70, mas que acabou enveredando por caminhos mais popularescos. Debbie Harry, vocalista do grupo, que na época encontrava-se fora de atividades, participa de "Go Lil' Camaro Go", dividindo com Joey as vocalizações nessa faixa, que remete aos inocentes rocks da década de 50.
Outra relação do BLONDIE com o RAMONES é o fato de que, após a repentina saída de Richie do grupo, Clem Burke, baterista do BLONDIE, ocupou a vaga durante dois shows, em agosto de 1987, atuando como Elvis Ramone. O substituto efetivo de Richie acabou sendo o próprio Marky Ramone, seu antecessor, que tomou conta do posto até o encerramento das atividades do quarteto, em 1996. Sobre a motivação para a saída de Richie, hoje em dia é de amplo conhecimento que o baterista, mesmo tendo tocado com o grupo em três álbuns e suas subsequentes turnês, além de compor, não era considerado um verdadeiro Ramone quando se tratava de aproveitar os dividendos que a banda gerava, em especial com a venda de camisetas (receita importante tendo em vista a grande quantidade de acessórios que ostentam o nome do grupo). Irritado com isso, Richie preferiu abandonar o barco.
Voltando ao aspecto puramente musical, Dee Dee tem seu momento vocal solo em "I Lost My Mind", cantada da maneira debochada e displicente que lhe é típica. Outra que se sobressai em função da estranheza de seus vocais é "Weasel Face", que traz Joey esguelando-se de maneira bastante agressiva durante as estrofes e empregando seu estilo mais fanhoso no refrão. Outra a seguir linha semelhante é a música que finaliza o disco, a curta "Worm Man".
Seguindo a linha desenvolvida pelo grupo em especial a partir do álbum End of the Century (1980), constituindo track lists mais variados, o restante de "Halfway to Sanity" alterna faixas dotadas de melodias fáceis e grudentas, como a sessentista "A Real Cool Time" e a romântica e lenta balada "Bye Bye Baby" (com direito a bastante teclado), duas típicas canções de Joey, com músicas mais trabalhadas (para o nível do RAMONES), incluindo a execução de riffs interessantes sobre ideias melódicas bastante felizes, caso de "Bop 'Til You Drop" e "Death of Me", duas das mais agradáveis faixas do disco.
"Halfway to Sanity" pode até não ser meu álbum favorito do grupo, honra merecida pelo magnífico e intenso "Mondo Bizarro", mas é pouco discutível quão relegado a um segundo plano ele é em detrimento de outros discos mais influentes, mas não necessariamente melhores. Aliás, é bastante notável como uma grande porção da discografia do RAMONES, em especial nos anos 80, foi deixada de lado tanto pela crítica, que muitas vezes ignora tal fase por completo quando discute a respeito da banda, quanto pelo público. Sintoma disso foi a modesta posição de número 172 alcançada por "Halfway to Sanity" na Billboard quando de seu lançamento. Se bem que "injustiça" e "RAMONES" são duas palavras que combinam quase perfeitamente...
Track list:
1. I Wanna Live
2. Bop 'Til You Drop
3. Garden of Serenity
4. Weasel Face
5. Go Lil' Camaro Go
6. I Know Better Now
7. Death of Me
8. I Lost My Mind
9. A Real Cool Time
10. I'm Not Jesus
11. By Bye Baby
12. Worm Man
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