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Jimi Hendrix: "Valleys Of Neptune", bom, mas sem novidades

Resenha - Valleys Of Neptune - Jimi Hendrix

Por Marcos A. M. Cruz
Postado em 14 de março de 2010

Não vou mentir. Nos primeiros acordes de "Stone Free" eu estava muito reticente. Porém, quando entrou o solo aos 2:16 meus olhos ficaram marejados, e eu tive de me conter para não deixar uma lágrima cair, enquanto acompanhava balançando a cabeça. Mas vamos contemporizar, eu sou um hendrixmaníaco fanático, precisamos encarar os fatos mais friamente.

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A verdade é que esta emoção era intermitente, ia e vinha enquanto o disco rolava e em outros momentos, embora gostasse muito do que ouvia, me batia uma forte sensação de deja-vu. Ocorre que, apesar de ser alardeado erroneamente por parte da imprensa como trazendo "canções inéditas", é muito pouco o que existe realmente de novo neste álbum. Na realidade, ele de fato não traz nenhuma música absolutamente inédita em si, apenas takes alternativos de faixas bastante conhecidas ou versões embrionárias de outras canções. E se você ouviu meia dúzia de bootlegs de estúdio de Jimi, grandes são as chances de conhecer boa parte deste material.

Deixando de lado a "era Alan Douglas", que rendeu discos como "Cry Of Love", "War Heroes", "Midnight Lightning", "Crash Landing" e outros, esta é a sexta vez em que a "Experience Hendrix LLC" - companhia formada em 1995 pelo pai e pela meia-irmã de Jimi, Janie Hendrix, quando o controle do seu legado foi "devolvido" à família - solta um álbum contendo sobras de estúdio, versões alternativas, ensaios/demos; em 1997 saíram "First Rays of the New Rising Sun" e "South Saturn Delta"; três anos mais tarde foi a vez do "Morning Symphony Ideas", sucedido pelo "Baggy's Rehearsal Sessions" de 2002, o "Hear My Music" de 2004 e o "Burning Desire" de 2006, sendo que estes quatro últimos são da Dagger Records, divisão da "Experience Hendrix LLC" que lança bootlegs oficiais - sem contar o box-set de 2000, que também traz algumas coisas inéditas do mesmo quilate.

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Portanto seria mais natural que "Valleys Of Neptune" saísse pela Dagger Records, que são trabalhos lançados especialmente para colecionadores e fãs hardcores, ao invés de constar junto com a discografia oficial e, por isto, ser lançado para "a grande massa". Mas existe um motivo, digamos, "empresarial", para tal lançamento: é que a "Experience Hendrix LLC" assinou há seis meses um contrato de distribuição com a Sony Music (anteriormente quem distribuía este material era a MCA Records) com objetivo de continuar (ou aumentar) sua receita anual de oito milhões de dólares.

Negócios são negócios, portanto foi preciso oferecer um "atrativo adicional" para a gravadora, pois além do "Valleys Of Neptune", está sendo relançada (mais uma vez!) toda a discografia oficial, desta vez trazendo um DVD de bônus cujo conteúdo é um mini-documentário sobre a gravação do respectivo álbum (aparentemente esta nova versão traz o som absolutamente idêntico à versão anterior, portanto nada de "nova remasterização").

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E falando em qualidade de som, o grande trunfo do "Valleys Of Neptune" é justamente a sua qualidade sonora, absolutamente fantástica, sem contar que é no mínimo impressionante o excelente trabalho feito por Eddie Kramer no sentido de "normalizar" as músicas, de forma a aparentar terem sido gravadas nas mesmas sessões de estúdio. Não está claro quais as "colagens" e tampouco se há alguma canção que teve "overdub" especialmente para este álbum - sabe-se que três faixas, "Mr. Bad Luck" e "Lullaby For The Summer/Crying Blue Rain" tiveram sua parte de baixo e bateria registradas por Noel Redding e Mitch Mitchell em 1987 - ao menos não foi que nem na "era Alan Douglas", onde músicos de estúdio que nunca sequer conheceram Hendrix eram contratados para "overdubar" as músicas.

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Ouvindo com atenção nota-se que muitas faixas possuem "fade-out" e diversas edições e estão inacabadas, pois todas são basicamente ensaios e jams de estúdio (o caso mais gritante é "Red House", que parece se encerrar "no meio"). E comenta-se em alguns fóruns que, além de inúmeras colagens e enxertos, o álbum "Valleys Of Neptune" sofre de excessiva compressão e mixagem em volume alto, no que é conhecido como "Loudness War" (veja um artigo completo sobre o assunto na wikipedia em inglês ou confira em português este, da Rolling Stone, intitulado O Fim da Alta Fidelidade). Eu sinceramente não achei que o volume esteja anormal, mas apesar de ter ouvido o álbum repetidas vezes no aparelho de som e no MP3 player, até o momento o que tenho em mãos é uma versão em FLAC que baixei de um site de torrentes, meu exemplar em vinil ("all analog LP"!) a esta hora ainda está cruzando o Oceano Atlântico...

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Como o assunto é vinil, além do LP em 180 gramas existe também um single homônimo que traz como b-side a curiosa versão de "Cat Talking To Me" com Mitch Mitchell nos vocais. E quem comprar o LP-single ainda ganha um link para fazer download de uma música "exclusiva" (ahahah) em MP3: uma versão ao vivo de "Red House" - que na realidade está num outro álbum lançado pela Dagger, "Live At Clark University".

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Já a versão em CD-single traz como b-side um take alternativo da instrumental "Peace In Mississippi". E existe também uma edição especial do "Valleys Of Neptune" em CD com duas faixas extras, vendida somente numa cadeia de lojas americana: "Slow Version" e "Trash Man". Porém ambas músicas são extraídas do "Hear My Music", também lançado pela Dagger.

Mas voltemos ao álbum "Valleys Of Neptune". Alguns veículos de comunicação alardeam que o trabalho possui "cinco faixas absolutamente inéditas" em qualquer tipo de formato. Bem, a coisa não é exatamente assim. A faixa título, carro-chefe do álbum e que batiza o single homônimo e até ganhou um vídeo (veja abaixo), faz parte de uma sessão de estúdio de 1970 bastante conhecida por gravações extra-oficiais, e na realidade o que temos aqui é uma colagem de diversos takes (dezesseis, no total) entre si para compor uma música, e que surpreendentemente não traz nenhum solo de guitarra, marca registrada de Jimi. Mas esta ausência é compensada pela faixa que vem logo a seguir, "Bleeding Heart", que tem solo até não querer mais!

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"Mr. Bad Luck" é uma versão embrionária de "Look Over Yonder". "Lullaby For The Summer" é um ensaio instrumental com trechos que seriam aproveitados posteriormente em "Ezy Rider" e "Earth Blues". "Ships Passing Through the Night" é uma versão ligeiramente modificada - tanto em andamento quanto na letra - de "Night Bird Flying". E "Crying Blue Rain", conhecida em alguns bootlegs como "Gipsy Blood", é uma jam basicamente instrumental de estúdio.

As demais são versões alternativas de canções já conhecidas e famosas - "Stone Free", "Bleeding Heart", "Hear My Train A Comin'", "Lover Man", "Fire" e "Red House", além de "Sunshine Of Your Love", que já é bastante conhecida dos bootlegs, tanto nesta versão de estúdio quanto em inúmeras versões ao vivo.

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O booklet que acompanha é legal, informativo e com boa arte gráfica, embora, convenhamos, é o mínimo que se poderia esperar de uma produção profissional que tem como objetivo render boas vendas e ganhar o direito de pertencer à "discografia oficial". O que se questiona é a chamada "legimitidade" deste material pois, pensando friamente, "Valleys Of Neptune" pode ser visto, sob ressalvas, como se eu (ou qualquer outra pessoa) pegasse faixas dos trocentos bootlegs e montasse uma coletânea, ainda por cima editando/colando/remendando as músicas.

Porém, Jimi não está mais aqui, e não há como saber o que ele faria ou pensaria destes álbuns póstumos, e é claro que Kramer possui inúmeros recursos técnicos que eu nem ninguém temos, além de acesso a material diretamente da fonte, sem contar que obviamente possui muito mais credenciais do que qualquer um, já que ele trabalhou diretamente com Jimi. Portanto, se existe alguém indicado para este trabalho, este alguém é Eddie Kramer.

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No fim das contas, vale à pena comprar o disco? Como já se pôde perceber no começo do texto, sou muito suspeito para falar, então só tenho a dizer que se você é fanático por Hendrix como eu já deve ter garantido sua cópia; se não é fanático mas gosta um bocado, pode ir fundo que a diversão é garantida; agora, se este for o seu primeiro contato com Hendrix, falando em trabalho de estúdio é recomendável investir primeiro nos discos sancionados pelo guitarrista - "Are You Experienced?", "Axis: Bold As Love" e "Electric Ladyland" - fiz uma resenha deste último publicada aqui no Whiplash! no último dia do ano de 1999, conforme pode ser vista abaixo:

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Janie disse recentemente que eles tem material para "uma década de lançamentos inéditos". Bem, se for para lançar um álbum com meia dúzia de "faixas inéditas" e oficializar um disco ao vivo a cada três/cinco anos, com certeza existe material para cem anos. Mas, apesar dos pesares, a atual administração, considerando principalmente as pessoas que estão nos bastidores (Eddie Kramer e o co-produtor John McDermott), trata com mais carinho e respeito que as antecessoras o legado de Hendrix.

O próprio McDermott diz no encarte do disco: "É notável considerar que Jimi Hendrix só autorizou o lançamento de quatro álbuns e alguns singles enquanto vivo. Então, de onde vêm toda esta música? Ela é extraída do fervor de Jimi pela criação e exploração. Somos afortunados dele ter preservado tanto de seu trabalho para a posteridade. Seu apego pelas gravações resultou num grande acervo de registros de estúdio e ao vivo que promovem a apreciação e a compreensão de seu legado e continua a inspirar pessoas em todo o mundo".

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Sobre Marcos A. M. Cruz

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