Resenha - Roger Waters (Arena do Grêmio, Porto Alegre, 01/11/2023)
Por Guilherme Dias
Postado em 04 de novembro de 2023
Fotos: Lucas Alvarenga (produção)
No primeiro dia de novembro, Roger Waters esteve em Porto Alegre novamente. Dessa vez, o músico se apresentou na Arena do Grêmio. O músico já havia visitado o Estádio Olímpico Monumental em 2002 e o Estádio Beira-Rio em 2012 e 2018. A turnê atual se chama "This Is Not a Drill" e traz uma possível despedida de Roger de longas turnês mundiais, além de muitas mensagens e histórias da sua vida.
Às 20 horas e 55 minutos um aviso no telão e nas caixas de som dizia: "Senhoras e senhores, o espetáculo começará em 15 minutos", ocasionando euforia dos fãs já presentes na Arena do Grêmio. O recado se repetiu faltando 10 e 5 minutos, até que mais um aviso fosse anunciado: "Senhoras e senhores, por favor ocupem os seus lugares. O espetáculo está prestes a começar. Antes disso, duas mensagens públicas: "Primeiramente, em consideração aos demais espectadores, por favor, desliguem os seus telefones celulares. E em segundo lugar, se você é uma daquelas pessoas que diz ‘eu amo o Pink Floyd, mas eu não suporto a política de Roger’, vaza pro bar!" e muitos aplausos ecoaram pelo estádio. Após essa ótima introdução, raios e trovões em uma cidade com prédios altos e devastados eram exibidos nos 4 telões distribuídos nas laterais e no centro do palco. Então, Roger entra em cena carregando uma cadeira de rodas vazia e faz um passeio pelo palco. Ao fundo, percebeu-se os primeiros acordes de "Comfortably Numb" em uma versão mais obscura do que a original.
Ao som de um helicóptero, fogos de artifício e os dizeres "Us good, them evil", seguido de "Nós somos bons? Eles são maus? Quem diz isso??? O governo!!!" no telão, e um show de luzes por toda a Arena. Roger e sua banda apresentaram a sequência de canções de "The Wall": "The Happiest Days of Our Lives" e "Another Brick in the Wall" partes 2 e 3. E mais mensagens no telão dizendo: "não precisamos de armas", "não precisamos de drogas" e "faça amor, não faça guerra". Aproveitando a sua carreira solo, Roger apresentou "The Powers That Be" do disco "Radio K.A.O.S." lançado em 1987 que deu destaque para o assassinato de pessoas inocentes, incluindo Marielle Franco, uma das injustiças mais cruéis já ocorridas no Brasil. Em "The Bravery of Being Out of Range" do álbum "Amused to Death", de 1992, Roger foi para o piano, e o telão mostrou crimes de guerra causados pelos ex-presidentes norte-americanos Ronald Reagan, Bill Clinton, George Bush, Barack Obama e incluiu Joe Biden dizendo que seus crimes estão apenas começando.
Quebrando um pouco o clima, o inglês com 80 anos recém completados, conversou um pouco com o público: "Faremos uma canção nova agora. Ela se chama ‘The Bar’. Como vocês podem ver, esse piano é um bar no meio do palco. Esse estádio lindo faz parte do bar. Não concordamos com todas as opiniões, mas eu amo todos vocês". Após "The Bar", a apresentação voltou no tempo para "Have a Cigar" (do disco "Wish You Were Here", de 1975) e o telão mostrou imagens dos ex-colegas do Pink Floyd, com exceção de David Gilmour e destaque para Syd Barret. Em "Wish You Were Here" vale ressaltar a interpretação de Roger e a resposta harmoniosa da plateia que se emocionou com as histórias dos primórdios do Pink Floyd mencionadas no telão, incluindo como Roger e Syd se conheceram e formaram o Pink Floyd, um sonho de ambos. "Shine On You Crazy Diamond" foi impressionante, com menção especial para a atuação de Seamus Blake (saxofone).
Para representar o disco "Animals" (1977), foi apresentada "Sheep", e nesse momento uma ovelha inflável e gigantesca desfilou pela pista da Arena, além de mais fogos e o telão estampando a frase "Resistir ao capitalismo". Então, chegou o final da primeira metade do repertório. Foi a hora para os fãs descansarem, irem ao banheiro, buscarem mais uma cerveja ou até fazer um lanche. Tempo para a própria banda respirar um pouco. A volta do intervalo teve um porco inflável sobrevoando o estádio. "In The Flesh", com Roger voltando do descanso na cadeira de rodas e com uma camisa de força. Cantou a canção inteira dali mesmo, em mais uma interpretação impecável. "Tem algum paranoico aqui no estádio?, a próxima se chama ‘Run Like Hell’", disse o frontman, que reforçou o seu chamado pedindo para que todos gritassem mais alto e se divertissem. Já na balada "Déjà-Vu", a mensagem reforçou os direitos humanos iguais para refugiados, palestinos, iemenitas, indígenas, trans e reprodutivos, com muitos aplausos dos fãs a cada palavra no telão.
O pontapé inicial para o momento "Dark Side of the Moon" veio com "Money", um dos pontos mais fortes da noite no âmbito musical, com mais um ótimo desempenho de Seamus no sax. Na sequência, "Us and Them" foi a porta de entrada para a chuva que iniciava em Porto Alegre (chuva que também aconteceu durante o show na capital gaúcha em 2018), com "Any Colour You Like", "Brain Damage" e "Eclipse" finalizando esse bloco. O vocalista foi ao microfone mais uma vez para conversar com os espectadores. Dessa vez, ele agradeceu as boas-vindas que receberam na cidade e anunciou que tocariam mais algumas músicas antes de partir: "Essa é de 1982, a última canção de ‘The Final Cut’, ela se chama ‘Two Suns in the Sunset’. Ela é muito apropriada para esse momento de muito genocídio acontecendo nos nossos olhos. ‘PAREM COM O GENOCÍDIO!!!’ (gritou Roger). Estamos vivendo duas guerras muito semelhantes. Os líderes deveriam telefonar uns para os outros e dizerem para eles mesmos que isso é uma loucura e pararem com isso tudo. Eu já estou na terceira idade, mas se isso continuar, muito provavelmente vocês vão presenciar uma possível terceira guerra mundial". Desabafou o músico que pegou a sua guitarra e agradeceu mais uma vez a presença e participação do público.
"Então, como podem ver, voltamos para o ‘bar’. Quem quer beber venha aqui conosco", disse Roger. Ele apresentou os seus colegas de palco e continuou contando histórias: "Eu gostaria de agradecer Bob Dylan, pois quando compus ‘The Bar’ eu roubei algumas partes da letra de uma linda balada que ocupa o quarto lado do disco ‘Blonde on Blonde’ de 1966, "Sad Eyed Lady of the Lowlands". A composição "The Bar" retornou e com ela o encerramento da apresentação com todos os músicos desfilando pelo palco e se despedindo ao som de "Outside the Wall".
Nessa turnê é evidente que Roger Waters mostra todos os seus sentimentos na seleção de músicas escolhidas. É uma autobiografia ao vivo, onde ele conta sobre a sua vida, acontecimentos históricos do passado e como isso reflete nos dias atuais. É um manifesto de resistência, antifascista e a favor de direitos iguais para todos. Um espetáculo reflexivo, que mexe de forma significativa com o espectador. O primeiro momento do repertório foi bastante introspectivo e passou de forma lenta e chocante. A segunda parte do show foi mais energética e envolvente. Musicalmente falando, é importante destacar a versatilidade de Roger que além de cantar, tocou baixo, guitarra e piano. A qualidade dos músicos, em especial Jonathan Wilson, que tocou guitarra e cantou diversas canções. O time que estava no palco contou ainda com Dave Kilminster (guitarra e vocais), Jon Carin (teclado, guitarra e vocais), Robert Walter (teclado), Gus Seyffert (baixo), Joey Waronker (bateria) e os já mencionados Seamus (saxofone), Shanay Johnson e Amanda Belair (vocais). A riqueza da qualidade audiovisual impressionou muito também. Como tudo na vida tem um fim, Roger Waters está convicto de que esta é a sua primeira despedida dos palcos, ou pelo menos das longas turnês, mas não custa sonhar em vê-lo ao vivo novamente.
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