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Delfos: em defesa da diversidade musical

Por Lucas Fernandes Corrêa
Fonte: Delfos
Postado em 19 de abril de 2014

Matéria originalmente publicada no site Delfos -
http://www.delfos.jor.br

Na semana passada, a internet brasileira foi abalada com uma notícia no mínimo curiosa: um professor de filosofia colocou em uma prova uma questão na qual ele, basicamente, pedia para o aluno assinalar corretamente um trecho da música Beijinho no Ombro, o novo hit da funkeira Valesca Popozuda, a quem o enunciado da questão se referia como "uma grande pensadora contemporânea".

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Obviamente, esta notícia recebeu, como qualquer outra relativamente polêmica no Brasil hoje em dia, milhares de comentários agressivos vindo daqueles seres truculentos oriundos do mundo mágico e secreto conhecido como seção de comentários de grandes portais de notícias e de páginas do Facebook.

Muitos diziam que aquilo era um absurdo, que uma funkeira jamais seria uma pensadora, que funk é um lixo, que o professor deveria ser cassado, além de uma série de ofensas pessoais e completamente gratuitas dirigidas ao professor, à Valesca e aos seus fãs. O que, a meu ver, é bem irônico, pois só mostra a falta de compreensão destas pessoas que arrotam intelectualidade.

Que a Valesca não é nenhuma grande pensadora contemporânea é óbvio. Eu sei disso, você sabe disso, o professor sabe disso e a própria Valesca sabe disso, como ela mesma declarou. Aliás, eu realmente fiquei impressionado com a forma tranquila e bem humorada que ela encarou toda esta história. Se fosse algum rockstar, provavelmente já ia estar por aí dando pití e arranjando tretas com jornalistas mundo afora.

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Não é tão difícil assim entender o que o professor quis dizer com a pergunta. Alguns dias depois, ele até explicou que aquela questão fazia referência a uma discussão prévia que eles haviam tido em sala de aula uma semana antes da prova, mas ainda assim as pessoas continuaram a atacar os envolvidos com as mais delicadas palavras possíveis. Mas eu não vou entrar no assunto da falta de informação e baixa interpretação aqui.

PRO RECALQUE PASSAR LONGE

O que me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas que se uniram em sua cruzada contra um estilo musical sem "olhar o próprio umbigo". Confesso que eu já esperava este tipo de comportamento de roqueiros / metaleiros revoltados com o universo. Afinal, o metal é um gênero extremo em sua essência e os jovens fãs tendem a ter comportamentos extremos. E eu sei disso porque já tive este tipo de comportamento. Mas o que me surpreendeu foi o fato de ver outros fãs de gêneros musicais também atacando sem dó nem piedade, em especial sertanejo e pop, sempre com o mesmo discursso de "no funk só tem putaria, incentivo ao uso de drogas e os artistas não são músicos de verdade".

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Peguemos a Valesca como exemplo. Ela faz música de baixo calão? Sim, faz. Mas as discografias do W.A.S.P., Mötley Crüe, Kiss e tantos outros também estão cheias de músicas assim. Ou algo chamado Fuck Like a Beast é típico de um grande pensador? Caramba, até o Manowar, que só fala sobre músculos, espadas, vikings e todo o tipo de fantasia virgem que você possa imaginar tem uma música cheia de orgasmos ao fundo e coloca garotas nuas em cima do palco.

Drogas e música andam juntos desde Odin sabe quando e, provavelmente, daria para encher um cemitério inteiro só com músicos, de todos os gêneros, que morreram de overdose. E quanto ao assunto "não são músicos de verdade", eu até concordo que pode ter muito funkeiro por aí que não sabe o que é uma partitura. Mas aí eu pergunto, será que o Justin Bieber ou qualquer um desses artistas pré-fabricados sabe? E será que isso importa para seus fãs?

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Quanto à violência, sim, é inegável que exista os "proibidões" que exaltam a criminalidade, mas isto é uma minoria. E por mais violentas que sejam estas canções, eu acho que ninguém nunca vai conseguir criar letras tão meigas e fofas quanto algumas vertentes do metal.

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Não estou falando isso para dizer que o funk carioca é perfeito. Há muitas falhas nele, assim como há muitas falhas em praticamente todas as coisas do mundo.

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Eu mesmo não sou fã de funk carioca. Eu não sou fã nem do funk estadunidense. Também não sou fã de MPB, nem de jazz e, sinceramente, de nada que não seja metal, música clássica ou hard rock farofa. E é por isso que eu escrevo resenhas de discos de metal e não de funk para o DELFOS, afinal, quem melhor para falar bem ou mal de algo do que um cara que entenda de um assunto? E mesmo dentro do metal não é tudo que eu gosto. Eu não suporto thrash metal, por exemplo.

Mas a existência destes gêneros não me incomoda? Não. Já me incomodou muito um dia, mas naquela época eu era um adolescente. E todo adolescente tem alvará para ser babaca, desde que a babaquice não machuque os outros. Mas hoje em dia, eu percebo que se não fosse pelos outros gêneros, o metal não seria tão especial para mim quanto ele é. E isso não significa que eu não possa apreciar um estilo mesmo não sendo fã dele. Pena que tem muita gente com o alvará de babaca vencido há anos e não consegue ver isso.

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Você acha que sempre que alguém surge com um violão em uma rodinha eu vou pedir para tocar The Bard’s Song – In the Forest, do Blind Guardian? Que nada, eu sempre peço os grandes clássicos da corno music. De preferência Boate Azul ou Garçom, mesmo não tendo o costume de ouvir estas músicas.

Uma vez um amigo meu, que gosta de rock alternativo, resolveu colocar para tocar umas músicas da Valesca e do Mr. Catra no ônibus que tomávamos para a faculdade. Eu, ele e todos os nossos amigos fomos o percurso inteiro cantando "tô com aquela palavra feia muito falada em Max Payne 3 pegando fogo". E este foi um dos dias mais engraçados da minha vida. Eu jamais iria a um baile funk, mas isso não significa que eu não possa me divertir um pouco.

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Estes dias mesmo o Flea, o baixista do Red Hot Chili Peppers, apareceu na net tocando um trecho de uma música do MC Guimê no baixo. A reação do público, como você deve imaginar, foi de revolta e teve gente falando que nunca mais ia ouvir Red Hot na vida. Relaxa, cara. Ele só reproduziu um ritmo que ele achou legal. Nada de mais. Se ele, que vive de música, curte outros estilos musicais, por que você não pode?

ENTÃO, É PARA EU GOSTAR DE TUDO?

Não, muito pelo contrário. Você pode e deve ter seus gostos próprios. Você tem todo o direito de gostar disso e não gostar daquilo e pode criticar o que não lhe agrada, sem problemas. Caso contrário, você seria um daqueles pavorosos "ecléticos" que gostam de absolutamente tudo e não têm senso crítico algum. Pode até criticar este texto, se quiser.

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Mas tenha noção. Não ofenda os artistas e os fãs a nível pessoal sem motivo algum. Não é porque eu não gosto de funk que eu acho que quem gosta tem algum problema mental e deveria ser exterminado. E também seja crítico com seus próprios gostos. Não é porque você gosta de algo que isto é isento de falhas ou que você vai "trair o movimento" se criticar.

Eu sei que, falando assim, parece que eu estou querendo dar uma lição de moral das mais clichês, mas a impressão que eu tenho ao observar o mundo, e principalmente os comentários internet afora, é a de que todo mundo esqueceu o que é ser ponderado. Felizmente, foram raríssimas as vezes em que os delfonautas se exaltaram em uma discussão aqui no DELFOS, mas infelizmente nem todo mundo é assim.

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Hoje, vivemos na cultura do "o meu é melhor que o seu", onde as pessoas precisam diminuir o que não gostam para enaltecer o que adoram. E isto não é só no ramo da música, mas em vários outros também. Na política, por exemplo, ou eu sou um direitista machista homofóbico defensor da moral e dos bons costumes cristãos ou um esquerdista comunista feminista promíscuo adorador do capeta. Não há mais meio-termo para nada. A gente voltou para a Guerra Fria, só que agora ela é interna.

Eu já tentei encarar o mundo de forma preto no branco e isso até se refletiu em mim em uma época. Mas este tipo de coisa vai mudando com o tempo e a gente começa a ver mais cores no mundo (em especial o cinza dos cabelos). Só que parece que, enquanto eu começava a enxergar colorido, o mundo inteiro, ou pelo menos o Brasil inteiro, ficou preto e branco. E cabe a nós, e somente a nós, pintarmos ele novamente.

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E para as pessoas que insistem em enxergar em preto-e-branco, só digo uma coisa para vocês: beijinho no ombro. ;*

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