O samba que era para estar no "Dois" da Legião, mas ficou de fora por um detalhe técnico
Por Bruce William
Postado em 06 de janeiro de 2024
Em janeiro de 1985 a Legião Urbana lançou seu primeiro álbum, auto-intitulado, com músicas como "Será", "Soldados", "Geração Coca-Cola" e "Ainda é Cedo", cuja tiragem era de apenas 5 mil cópias, já que esta era a expectativa de vendas da gravadora, EMI-Odeon. Mas, para surpresa de todos, o disco atingiu quase cem mil cópias vendidas em poucos meses!
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Com isto, em dezembro daquele mesmo ano, o grupo volta ao estúdio para trabalhar em seu segundo álbum. E, óbvio, a pressão que a banda teve pelo sucesso acabou mexendo com Renato Russo, que sofreu da chamada "síndrome do segundo disco", conforme relatou Chris Fuscaldo no livro Discobiografia Legionaria (Amazon): "'O primeiro deu tão certo que criou uma espécie de problema para o segundo. Ele foi escolhido o melhor disco pela crítica, a gente ficou mais imune na discussão da MPB com o rock e todos gostam da gente, os caras do heavy metal, os punks e os que ouvem música de novela', declarou Renato Russo".
Em seguida, Chris cita no livro uma fala de Dado Villa-Lobos: "Ele acreditava que tínhamos que fazer uma obra-prima, e, para isso, criou um plano mirabolante. Renato escreveu tudo num caderno: como seria o disco, faixa a faixa, e como ele deveria ser gravado. O primeiro foi bem aceito e teve boa vendagem e execução em rádios, então, esse tinha que superar'".
O próprio Dado conta, mas desta vez no seu livro, "Memórias de um Legionário" (Amazon) que Renato tinha ambições bem maiores: "O seu sonho era fazer um disco duplo chamado 'Mitologia e intuição', mas a instabilidade econômica do País não permitiu". E mais adiante, Dado revela as músicas que ficaram de fora do álbum: "A concepção de um disco simples nos fez abandonar o projeto de gravar músicas como 'O grande inverno na Rússia', 'A canção do senhor da guerra', 'Tédio', 'Conexão amazônica' e 'Faroeste caboclo'. Com exceção da primeira, todas seriam incluídas em outros trabalhos da Legião".
E, neste ponto, ele cita uma canção que iria entrar, inicialmente, na versão simples do álbum: "Chegamos a fazer a gravação e a mixagem de 'Juízo Final', samba clássico do Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, que seria a faixa de encerramento do 'Dois'. É uma versão incrível, com uma levada pós-punk na segunda parte. O Renato era fã do Nelson Cavaquinho, do seu estilo rasgado e sofrido, e adorava samba e choro, em geral". Dado conta ainda que a letra tinha tudo a ver com o Renato: "Principalmente os seus traços épicos - 'A história do bem contra o mal/ Quero ter olhos para ver a maldade desaparecer'. Segundo o nosso vocalista, ela poderia ter sido escrita pelo Ian Curtis, do Joy Division". Embora inédita oficialmente, "Juízo Final" pode ser encontrada em "versões alternativas" na internet.
Mas por qual motivo, exatamente, a música ficou de fora? Dado explica no livro que foi por causa do corte do disco: "Quanto mais fino for o sulco do vinil, mais tempo vai existir em cada lado; o problema é que mais baixo será o volume e haverá perda na qualidade do som. O padrão era não passar dos vinte minutos em cada lado. O vinil brasileiro era muito vagabundo e o corte que se fazia, quase todo manual, era tosco. Caso incluíssemos 'Juízo Final', o lado B talvez passasse de 25 minutos. Por isso, sacrificamos 'Juízo Final', e 'Índios' ficou sendo a música de encerramento. Pesou nessa decisão também a questão dos direitos autorais, é claro...".
Anos mais tarde, Dado confirmou para o Pop Fantasma que "Juízo final" estava nos planos iniciais do "Dois", mas caiu conforme o projeto foi seguindo em frente, e que a ideia deles era lançar a canção em uma edição comemorativa do "Dois": "A música começava com um violão e depois ia para uma coisa nesse estilo Joy Division", disse. "Está tudo gravado, está registrado nos tapes que estão com a gravadora, que hoje é Universal. Tínhamos a ideia de fazer o mesmo projeto que a gente fez no primeiro disco (1985), quando fizemos uma edição comemorativa com outtakes. Mas no 'Dois', teríamos 'Juízo Final', 'O grande inverno da Rússia'… Tem uma versão de 'Fábrica' em inglês. Não vai rolar porque a companhia de discos se desinteressou. Acho que a gente precisava de mais likes no Instagram para conseguir coisas assim", ironizou.
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