Porque Raul Seixas queria salvar Al Capone, que era conhecido como gângster e criminoso
Por Bruce William
Postado em 02 de maio de 2025
A música "Al Capone", lançada por Raul Seixas em seu álbum de estreia "Krig-Ha, Bandolo!" (1973), é até hoje um de seus maiores sucessos. Com letra enigmática e tom provocativo, a canção foi uma das primeiras composições feitas em parceria com Paulo Coelho. Segundo o pesquisador Júlio Ettore, Coelho inicialmente resistiu à ideia, achando os versos simples demais. Raul insistiu que a letra deveria ser direta, acessível e popular — e venceu a queda de braço.
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A proposta inicial partiu de Paulo Coelho, que escreveu uma letra misturando Al Capone, Jesus Cristo e astrologia. Raul estranhou o conteúdo: "Isso aqui está muito complicado, cara." Paulo respondeu com ironia: "Mas eu só sei escrever desse jeito. O que você quer que eu faça? 'Al Capone, veja se ele te orienta?'' — e foi exatamente isso que Raul aproveitou. Com um olhar afiado para o impacto popular, ele reconheceu o potencial da frase e decidiu que aquilo viraria música. Foi assim que nasceu um dos refrões mais marcantes da carreira de Raul.
O título menciona Al Capone, mas a canção costura uma série de referências históricas: Júlio César, Lampião, Jimi Hendrix, Frank Sinatra, Jesus Cristo e o próprio Capone são convocados como personagens em uma espécie de desfile alegórico onde todos caminham para o fracasso. Cada um, à sua maneira, representa figuras de poder ou rebeldia que acabaram derrotadas — pelo Estado, pela traição, pela dependência química, pela moral religiosa ou pela justiça fiscal.

A ideia central é que todos esses personagens poderiam ter evitado seus destinos trágicos se tivessem simplesmente desistido. Hendrix é aconselhado a sair do palco, Jesus a abandonar a fé, Capone a largar o contrabando, Lampião a fugir antes de ter a cabeça exposta na feira. Segundo uma leitura proposta por Jayro Luna no ensaio "Linguagem, Mito e História em 'Al Capone' de Raul Seixas", Raul assume o papel de astrólogo — o que é afirmado literalmente no fim da música — e observa esses nomes como se estivesse vendo o destino deles já escrito, sugerindo a "retirada estratégica" como única forma de escapar do colapso.

Al Capone aparece como símbolo máximo da corrupção institucionalizada. Ele não foi preso por assassinatos ou tráfico, mas por sonegação de impostos. Raul transforma esse detalhe em ironia no refrão: "Já sabem do teu furo com o imposto de renda." Não há tentativa de glorificação do mafioso — ao contrário, há um riso de canto de boca diante do sistema que finge combater o crime, mas só reage quando ele ameaça sua própria estrutura.
Essa postura atravessa toda a letra: Raul não se coloca como juiz, tampouco como salvador. Ele é o profeta cínico, que diz já conhecer o desfecho de todos, mas também admite que seu papel não é intervir, apenas avisar. Ao dizer "eu sou astrólogo e conheço o princípio do fim", ele ironiza tanto os falsos guias quanto a crença popular em previsões prontas, muito comuns na televisão e nas revistas da época.

A salvação de Al Capone, portanto, não é literal. Raul não o exalta como herói, mas o coloca ao lado de figuras que viraram mitos pela tragédia. A única saída que oferece é parar antes da queda — e nesse gesto, revela que não há diferença entre heróis, santos e criminosos: todos podem ser consumidos pela máquina que os criou.
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