A fusão entre Blades of Steel e Nervosa resulta no calor da estrada em "Riders of the Night"
Por Bruno França
Postado em 04 de setembro de 2025
Na era contemporânea a qual estamos inseridos, a maneira como nós enquanto indivíduos consumimos música mudou drasticamente desde o advento da internet na humanidade. Na data do lançamento de um álbum, EP ou single, agora virou uma necessidade de os musicistas ficarem de olho em seus celulares: necessidade esta tão natural quanto as funções do corpo humano, já que as notificações dos aplicativos moldaram um imediatismo dos feedbacks de seus novos sons, sendo bombardeados na velocidade de uma batida cardíaca.

Definitivamente deve ter sido o caso da BLADES OF STEEL assim que "Riders of the Night" foi concebido ao mundo, no dia 25 de julho de 2025. No exato momento em que escrevo o que está diante de você, pode ser argumentado que ainda estamos na janela de lançamento da música em questão.

Para não pularmos as formalidades: a BLADES OF STEEL (doravante conhecida como "BoS", exceto no encerramento) é a filha de Yara Haag, uma banda de Heavy Metal tradicional e um dos seus maiores desejos em vida, formada em 2022 em solo paulistano, com um trabalho realizado que remete à época da NWOBHM do final dos anos 70/começo dos anos 80, tendo aquele toque brasileiro para deixar a fórmula mais peculiar.

Em meados do ano passado até o início do corrente ano, a BoS lançou seus primeiros trabalhos na forma de singles (notadamente: a faixa-título "Blades of Steel", "Ruler of the Waves" e "Vengeance Is Mine", todas em 2024) na plataforma YouTube, assim como os principais serviços digitais de streaming. Tais trabalhos culminaram com o lançamento do álbum homônimo no final do último fevereiro, e a sua versão em mídia física recebeu uma festa dedicada na famosa casa de shows Hangar 110, localizada no epicentro da capital paulista, em 29 de março (nota do redator: a qual eu felizmente estive presente, representando o portal Road to Metal).
LIBERDADE COMO EXTENSÃO DO ESTADO EM MOVIMENTO
Tendo nascido em um período em que as redes sociais praticamente monopolizaram a maneira como as informações deste ramo são divulgadas, além do fantasma do algoritmo estar sempre à espreita como possível elemento de influência nas novas composições, foi causa para surpresa e êxtase ver que, além de não dever nada para bandas estrangeiras, o álbum é um passeio audível por alguns dos principais expoentes do gênero, como DIO, DORO e principalmente JUDAS PRIEST.

Não apenas isto, mas observando a estética artística que envolve a banda, os pormenores do visual são profundamente enraizados na veia da Alta Fantasia (que também é condição sine qua non no famoso gênero de videogame RPG), tendo a participação de Rafael Romanelli (quem realiza as tarefas de guitarra aqui também).
Avançando no tempo ao agora, isso nos leva a "Riders of the Night".
Com o envolvimento de Val Santos (VIPER, TOYSHOP, BRUTAL BREGA), o nível de produção recebeu uma melhora notável quando comparamos com o álbum autointitulado, reforçando o fato consumado de que possuímos profissionais que "trocam socos" no departamento da qualidade com profissionais de outros países (mesmo com quem tem mais tempo de estrada!).

Um gosto preliminar do que está por vir, "Riders of the Night" foi desvendado ao mundo como um testamento sonoro e verbal de independência mental, a coragem de seguir a estrada e o calor genuíno da música intensa. E naturalmente, como a definição no dicionário do termo "L.I.B.E.R.D.A.D.E.".
Emergindo como uma imposição graciosa, seu nascimento é bem recente, e seu lançamento isolado faz com que um julgamento preciso seja considerado, no mínimo, equivocado. Como uma das regras não escritas do universo, o tempo é o senhor da razão: ele e somente ele julgará o impacto total de "Riders of the Night", e antes de tudo, a sua posição dentro do protocolo do próximo material da BoS, onde "Riders of the Night" encontrará o seu devido lugar.

O que fora apresentado acima me previne de entrar em tecnicalidades ou uma decisão definitiva. Isto, no entanto, não elimina a possibilidade de elaborar uma observação desta faixa na forma encontrada atualmente (ou ao menos uma tentativa disto), ciente de que alguma alteração poderá acontecer no futuro previsível.
O PERIGO PODE SER A MINHA KRYPTONITA, MAS SEM ELE, NÃO HÁ GRAÇA EM VIVER
Passada a etapa as formalidades e sem mais delongas: a maioria da formação vista no álbum se encontra aqui. O quinteto com o DNA do estado de São Paulo é formado por Yara Haag (vocalista, líder), Rafael Romanelli e Jonas Soares sendo o dueto das guitarras, Filipe Tonini nas obrigações do baixo e Bruno Carbonato (bateria). Só que há um "kinder ovo", por assim dizer: a participação mais do que especial de alguém que já fez por merecer em cravar o seu nome entre os principais do Metal nacional. Este alguém é Prika Amaral (conhecida pela poderosa NERVOSA). A aparição da convidada deixa o entendimento implícito de que "Riders of the Night" tem influências do gênero ao qual faz parte, e este palpite está tão correto quanto o fato de que o Sol nasce e se põe no mesmo dia.

Na longa vastidão que é a paisagem do Metal e as suas n variantes, um entusiasta poderia questionar que essa mescla de gêneros seria, talvez, um tanto quanto alienígena. Em uma reviravolta distorcida dos eventos, no entanto, elas encontraram abrigo neste ecossistema.
A experiência sônica é feita por um arranjo pesado na dupla de guitarras entregue por Rafael e Jonas. Um pouco atípico no começo, dada a composição ser diferente do padrão apresentado no álbum anterior. Dada que a essência estrutural das músicas favorece elementos mais medievais e heroicos, vemos a escrita dar boas-vindas a um sinal de agressão marcando presença. O ápice acontece após as guturais de Prika cortarem impiedosamente os canais auditivos com um solo inspirado onde o dueto aumenta o ritmo e bota pressão no ouvinte, levando a um estado de felicidade elevada com a redução imprevisível no ritmo, bem quando o refrão está para chutar os seus ouvidos uma vez mais.

Complementando a atmosfera, temos Filipe Tonini entregando linhas sólidas de baixo e desafiando uma prática comum que é ter o seu som sobrescrito por edições de pós-produção para dar mais valor ao timbre da guitarra. Felizmente, aqui não é o caso (o que é um parabéns à competência de Val Santos), em que o seu grave entra em união com o todo até quando um dos solos é executado.
Do outro lado do front, Bruno Cambonato se prontifica a ficar por trás do instrumento que dita o ritmo das canções: a bateria. Focado em uma pegada acima do "mid-tempo" comum, a batida mais Thrash fica bem óbvia, extraindo do ouvinte um headbanging mais constante do que do material prévio. É possível escutar cada componente do seu kit com uma precisão clara como o cristal, uma tendência seguida por todos os instrumentos em exibição, guiando os segmentos de maior "tranquilidade" (ou o mais próximo disto) e os que pedem uma abordagem mais brutal.

Não intencionalmente pela posição de líder, porém com a ocupação em ser a força motriz do que se encontra nos seus ouvidos, temos Yara Haag. No álbum lançado no começo deste ano, vemos a vocalista exalar um poder das suas cordas vocais capaz de impressionar até mesmo os mais fervorosos "tiozões" com larga experiência de vozes diferentes do Metal, apesar da idade jovem. Em tradição biológica, a sua voz é mais focada no agudo, e um dos seus pontos mais altos é no começo de "Ruler of the Waves", soltando um grito prolongado capaz de despertar até um zumbi de THE WALKING DEAD.
Para este single, a impressão que fica é que ela fez uma promessa a si mesma: levar esta potência a um outro nível. Aproveitando o refrão cativante, quando a pronúncia de "night" é finalizada, cheguei a achar que Rob Halford iria me mandar um zap dizendo que ele se sentiu desafiado após ouvi-la alcançar este tom. O que está em linha com as influências, visto que JUDAS PRIEST é uma das principais inspirações do som e da linha de canto da vocalista, provando um respeito de membros da nova geração para com os seus antepassados.

O conteúdo lírico está primariamente focado em duas ordens: no prazer que é andar de moto e no quesito da liberdade em abstrato que vem junto com o pacote. O lendário músico sueco Dan Swanö (EDGE OF SANITY, BLOODBATH, NIGHTINGALE, etc.) costumava enfatizar em suas declarações públicas que uma das características que o headbanger aprende como uma fotossíntese é a tendência do mesmo em se posicionar de maneira independente, quando questionado em saber sobre qualquer ponto de vista. Seguindo o exemplo de um dos maiores representantes do Death Metal sueco, tal mentalidade foi replicada em seus versos como um grito de rebeldia em defender uma forma de entretenimento dificilmente vista por aí: o empoderamento sentido ao andar de moto, com ou sem destino certo.

Seja pelo acaso ou por design, Yara fez questão de traduzir este senso de poder, pintando verbalmente temas como diversão momentânea, caminhos incertos, a simbiose entre humano e veículo e autoaceitação naquilo que nos torna vivos – este último tocando no próprio núcleo que consolida a canção.
O INSTRUMENTO MAIS NATURAL NÃO É O CRIADO PELO HOMEM; É O QUE VEM DO EU INTERIOR
E agora abordamos o "X" do caso em questão: o fator Prika Amaral. Tendo construído uma carreira respeitável no Metal extremo brasileiro através da potência de esforço multinacional conhecida como NERVOSA ao redor dos últimos 15 anos desde a sua formação, foram nos primeiros dias do ano de 2023 que outra mudança de curso iria acontecer: assumir os vocais. Datando lá durante os primeiros passos (indo até mesmo à primeira música finalizada pela NERVOSA, "Masked Betrayer"), a própria já participava desta tarefa, porém apenas como backing vocal. Verdade precisa ser dita: pelos meus ouvidos, eram execuções "ok", nada fora do ordinário, então quando veio a confirmação de que a própria seria a vocalista de fato, as minhas expectativas estavam em ordem.


Quando você possui quase duas décadas de ouvidos treinados e acostumados com os mais variados tipos de guturais, ficar impressionado com mais um timbre se torna uma tarefa não tão diferente em dificuldade como ocorreu no antológico conto "Os Doze Trabalhos de Hércules". Por um bom tempo, sempre vi como dignas do topo da cadeia alimentar nas guturais femininas um empate harmonicamente equilibrado entre a mística CADAVERIA e a elegante DIVA SATÂNICA (2ª nota do redator: a quem eu tive o prazer de entrevistar dias antes da turnê latino-americana do BLOODHUNTER ser cancelada, também representando a Road to Metal), e fui convencido de que ambas detinham um patamar inalcançável. Ao cair de paraquedas em um vídeo do Wacken 2023 com uma das canções mais agressivas escritas nos anos recentes, a majestosa ENDLESS AMBITION, eu levantei a sobrancelha e fiquei paralisado com o quão grandioso foi testemunhar mais esse talento de Prika, e ter uma crença outrora inabalada ser rompida.

É uma sensação confortante aprender algo novo.
Ainda assim, uma voz traseira na minha cabeça não estava 100% convencida, pela existência de mixagens, masterização digital e possíveis efeitos aplicados na edição do vídeo. O julgamento real é na forma mais pura possível: presencial. Imagine então o meu espanto no caloroso Sábado matinal do SUMMER BREEZE BRASIL 2024, ao observar aquele poderio vocal em seu primor, não tão longe de mim, comprovando que a entrega dela é verdadeira. Foi então com bastante entusiasmo que admiti que a natural de Bragança Paulista é digna de estar no panteão das europeias previamente mencionadas. Às vezes, é bom estar errado.
E temos que agradecer a competente Mayara Puertas (TORTURE SQUAD) por tornar isso possível. Como visto em RAMBO III, o chefe anterior de Rambo, Coronel Trautman, retrata que o seu antigo subordinado era uma máquina de guerra quase pronta: só precisava de um guia para que isso se concretizasse. Em paralelo à realidade, Mayara interpretou o papel de Trautman, e o seu profissionalismo foi o agente responsável pelo despertar do Rambo interno que morava bem no fundo da paulista, soltando o seu potencial oculto.

O dito potencial é encontrado aqui numa participação tímida, porém distante de ser trivial. Como dito anteriormente, a sua presença sozinha já significa que "Riders of the Night" teria uma guinada ao Thrash Metal, e isso é reforçado no segmento o qual ela está em destaque, iniciado na minutagem 2:23. Antes de proferir o que se segue, é interessante o surgimento de um leve Efeito Doppler com os tradicionais "uhhh" do Death Metal para construir um hype:
"'Cause we are all in this together
No one can stop us now
Together we stand
And divided we fall"
Esta parte da letra em si é... usável. No entanto, é como diz uma frase muito utilizada na gringa: "o Diabo mora nos detalhes". Ou seja, como ela é utilizada que conta, e a mesma efetividade visceral que a própria demonstra desde que assumiu os vocais está em exibição pura aqui. Seus gritos lembram os de Sabina Classen (HOLY MOSES), e não ficaria surpreso se ela tivesse usado uma das primogênitas deste ramo como referência.

Espere ficar com uma cara bem fechada ao tentar cantar este trecho, já que ele irá revigorar a faísca metálica dentro de você.
ENQUANTO O RELÓGIO ESTÁ PASSANDO, JOGAMOS O JOGO DA ESPERA
Desta forma, é finalizada a observação de "Riders of the Night", apresentando sinais de maturidade na composição musical do quinteto, mantendo na mesa aspectos pesados em desfavor de um ritmo um pouco mais lento que antes tinha, favorecendo um tempo mais rápido. Se este será um caminho a ser seguido nos próximos lançamentos ou se foi uma espécie de zeitgeist, isto ainda está para ser visto.
Com este trabalho mais recente da BLADES OF STEEL, a mesma se posiciona como uma das forças mais promissoras da cena nacional. Deve ser apontada que a característica predominante é que o potencial qualitativo está tão presente, ao ponto de ser algo que está fora de qualquer discussão, ainda que o cardápio de bandas seja imenso para os entusiastas do gênero.

Enquanto aguardamos animados pela chegada do sucessor do álbum de mesmo nome, esperando que o nível se mantenha intacto (/superior) ao apresentado aqui, o videoclipe da faixa pode ser conferido abaixo, filmado no camping Vila del Rei, em Piracaia-SP. Cortesia do YouTube.
Obs: para os audiófilos na multidão, o single também se encontra disponível na Bandcamp pela bagatela de US$1,50 (ao redor de R$8 durante a escrita desta resenha – mais barato do que um podrão), com um áudio superior ao escutado nas plataformas de streaming.

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