Resenha - A Autobiografia - Eric Clapton
Por Danilo F. Nascimento
Fonte: Obvious
Postado em 05 de agosto de 2015
A vida para Eric Clapton nem sempre foi um mar de rosas, repleto de fama, sucesso e prestígio. Quem teve a oportunidade ler a sua autobiografia (lançada no Brasil, pela Editora Planeta), pôde aferir que o processo que antecedeu a sua carreira de cultuado guitarrista, não fora nada fácil.
A autobiografia retrata o lado humano de um artista reverenciado em todo o mundo, e nos faz perceber que não somos nada além de seres humanos falhos e em constante desenvolvimento, o que corrobora para que compreendamos que o ato mais importante da vida é cultivar sentimentos profundos e valorizar os postos preenchidos pelas pessoas que estão ao nosso redor.
Antes do fenômeno "Clapton is God" tornar-se um chavão corriqueiro na vida do guitarrista, o jovem britânico Eric Patrick Clapton, enfrentou inúmeros obstáculos durante a infância, e a sinceridade visceral com que o mesmo expõe estas mazelas, é o ingrediente principal do best-seller.
Com 70 anos completados no último dia 30 de março, Clapton já recebeu uma quantidade imensurável de homenagens, e é considerado hour concour quando o assunto é o domínio sob as seis cordas.
Dotado de um talento inquestionável, e um senso poético para compor trilhas sonoras que fizeram e ainda fazem parte da vida de milhares de pessoas espelhadas por todo o globo terrestre, Clapton é frequentemente vinculado ao rock n' roll. Porém, o guitarrista é muito mais do que isto. Clapton também é cultuado entre fãs de outras vertentes, como de reggae, pop, jazz e, principalmente, o blues.
Em sua biografia, Clapton revela circunstâncias extremamente íntimas e sensíveis sobre todas as fases de sua vida, incluindo a infância difícil vivida em Ripley (Surrey - ENG).
Em decorrência da Segunda Guerra Mundial, a economia mundial passou por uma crise econômica e financeira estarrecedora, e a família de Claton não passou imune ao fato. Habitante de uma pacata cidade do interior da Inglaterra, Clapton era oriundo de uma família que vivia às margens da pobreza extrema.
O pequeno "Ric" (apelido carinhoso que recebeu de sua família), sentia-se diferente diante dos seus familiares, e rotineiramente os viam tendo conversas misteriosas sobre o garoto.
Clapton acreditava ser filho de Jack e Rose Clapp, porém, mais tarde descobriu que a sua mãe biológica era, na verdade, Patricia Clapp, filha de Rose.
Patricia abandonou o filho, alegando que era muito jovem para assumir tal responsabilidade. A jovem havia sido abandonada pelo marido Edward, que quando soube de sua gravidez, tratou de enfatizar que não assumiria o filho de forma alguma. E a medida em que o jovem Clapton crescia, ficava cada vez mais difícil esconder a verdade do rapaz.
Há de se salientar que o talento de Clapton para música é proveniente das origens de seu pai biológico. Edward era um grande pianista, tendo conhecido Patricia em um bar, onde se apresentava ao lado de sua banda. Edward serviu a aeronáutica durante a Segunda Guerra Mundial, até que em 1944, o país fora tomado pelas tropas canadenses.
Eventualmente, Clapton e Patricia foram apresentados. No início Clapton acreditava que a jovem era sua irmã. A hipótese dela ser sua mãe não passava pela sua cabeça.
Ao descobrir a verdade, Clapton ficou possesso e tornou-se um adolescente reprimido, misantropo e preso à sua própria mente. Porém, posteriormente, compreendeu o ponto de vista de sua família, mas ainda sentia-se isolado e solitário em seu próprio ambiente familiar.
Quando Patricia desembarcou de uma viagem para rever os pais, o jovem Clapton esperava que sua mãe tentasse restaurar o vínculo entre ambos e dissesse que estava arrependida de tê-lo abandonado. Incomodada com a situação, Patricia, não apenas ignorou o jovem, como exigiu que o mesmo continuasse tratando seus avós como pais biológicos.
Perguntada pelo filho se podia ser chamada de "mãe", ela foi enfática: "Eu não sou sua mãe, não me chame de mãe".
A angústia do garoto era tão notória, que ele criou um personagem imaginário chamado "Johnny Malingo", e apegava-se com todas as suas forças em seu único amigo, um cachorro labrador chamado "Prince".
Quando encarnava "Johnny Malingo", Clapton enxergava-se como um "cidadão do mundo", mais leviano e corajoso do que a média. Em suas aventuras imaginárias, era acompanhado pelo cavalinho "Bushbranch".
O pequeno "Ric" criava estes momentos ilusórios para escapar da dura realidade que o assolava. Clapton sentia-se fora dos padrões convencionais da sociedade, tendo dificuldade pra encaixar-se em grupos sociais na escola.
Eric sentia-se frustrado, irritado e rejeitado, tendo desenvolvido traços psicológicos de depressão profunda. Mas aos poucos, percebeu que talvez tenha sido melhor assim, já que seus avós lhe deram mais amor e afeto do que a sua mãe poderia ter lhe dado. A única coisa que importava para Clapton é que, exceção feita a sua mãe, toda a sua família lhe oferecia um amor fraternal imensurável.
Além de contextualizar a infância, em sua biografia, Clapton também revela influências, parceiros, decepções, conquistas, traumas, etc.
A obra também aborda os seus períodos de dependência química, que quase o levou a morte, além de demonstrar como a perda de seu filho, fora definitiva para que Clapton se reerguesse. É provável que se esta tragédia não tivesse ocorrido, Eric jamais tivesse encontrado a motivação necessária para abandonar os vícios. Nestas circunstâncias, provavelmente, já teríamos perdido Clapton para outra dimensão.
Mas, e a expressão "Clapton is God", onde surgiu?
Esta expressão é oriunda de meados dos anos 60, quando alguns fãs picharam esses dizeres em alguns muros de Londres, tamanha devoção que os mesmo nutriam pela virtuose de Clapton.
Se Eric Clapton é Deus ou não, eu não sei. Mas a sua biografia mostra-nos, como pouquíssimos outros relatos, o seu lado humano. As suas qualidades, defeitos, falhas e acertos. Está tudo ali, explícito e enraizado em cada parágrafo, em cada página.
É um testemunho que vai muito além da áurea artística que paira sobre ele, porque a vida de um músico não é apenas subir no palco, e sim representar um outro ser humano por meio de uma mensagem, ou até mesmo um Deus, repleto de devotos espalhados por todo o planeta.
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