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INK: Um bom enredo no EP "Óculos"

Resenha - Óculos - INK

Por Ian M M Duarte
Postado em 11 de dezembro de 2016

Eu, como o bom amante de histórias que sou, sempre me delicio com um bom enredo quando me deparo com um. E foi isso que aconteceu quando ouvi com mais cuidado o EP Óculos, da banda INK.

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De início, pareceu-me que era somente um álbum com harmonia e melodia muito bem trabalhadas e com letras instigantes e reflexivas — algo que é totalmente raro de se ver hoje em dia. Claro, se fosse somente isso, já seria fantástico, por si só. No entanto, era muito mais. Muito mais.
É muito mais, porque há várias camadas nas músicas, sobretudo no álbum como um todo. Eu garanto que se você ouvir a músicas de forma esparsa, sim, você se divertirá e será uma ótima experiência. Contudo, recomendo fortemente que ouça o EP completo, e, principalmente, na ordem correta (Se Acha; Samsara; Óculos; Beija-Flores; e Solução).

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A esta altura, o caro leitor ou a cara leitora deve estar se perguntando: 'o que diabos esse camarada está dizendo com essa coisa de 'enredo'? Onde ele quer chegar com isso?'. Pergunta pertinente. Vou tentar resolvê-la da melhor forma que posso.

Pois muito bem. Comecemos a análise das letras.

O álbum trata da jornada de um sujeito. Um sujeito comum, como qualquer um de nós, que está perdido neste mundo turbulento e que acha que sabe das coisas; só acha. E é assim que começa a primeira faixa do álbum, Se Acha. Nosso personagem, interpretado na voz de Marcelo, é alguém que se considera o possuidor de todas as verdades, que já sabe de tudo e que está tudo resolvido — típico e clássico adolescente.

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Acontece que ele tem um encontro inesperado com o outro personagem de nossa história, interpretado pela voz de Ricardo, o qual dá uma sacudida — um famoso 'sabão' — no protagonista que se considerava o sabichão, acerca dos mais variados assuntos da vida. Se ele entende e absorve esses ensinamentos? Bem, não dá para saber ao certo, ainda. Tanto que eu acho fantástica a forma ambígua e dual com a qual a faixa se encerra, com o trecho mais famoso da Marcha Nupcial, dando a entender que o personagem do Marcelo não ouviu as dicas que o personagem do Ricardo lhe dera no início — 'Se acha que sabe do amor e pode se casar. Pode ir tirando esse sorriso do rosto (...)' e acabou se casando. E será que o casamento e vida do personagem deram certo? Vamos para a próxima faixa, Samsara, para descobrir!

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Em Samsara, ele começa a cair na real e percebe que a vida, tal como o personagem de Ricardo lhe alertara, não é aquela maravilha que ele acreditava ser. Ele se vê preso e encurralado, sem saber o que fazer — talvez isso não seja tão perceptível se você não prestar muita atenção, porque a melodia vocal é muito agradável e, por isso, pode passar despercebido, mas o personagem está agoniado. Ele finalmente percebe que está preso na Samsara — que, na minha leitura, foi uma alegoria (muito bem pensada!) que representa a 'rotina' e os paradigmas que todos nós temos de enfrentar diariamente — e não sabe o que fazer.
O tom fica mais negativo ainda quando o personagem de Ricardo lhe diz que ninguém irá ajudá-lo, ou seja, ele deverá caminhar, sempre, com os próprios pés, pois, como dizem, 'nós chegamos no mundo sozinhos e vamos embora dele sozinhos'.

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Em Óculos, a situação fica mais tensa ainda e é possível perceber essa tensão tanto por parte da letra quanto pela parte musical. A razão disso (da tensão), ao que me parece, se dá por conta de uma introspecção mais profunda e reflexiva que ele faz. Assim, ele finalmente começa a tentar fazer aplicação dos ensinamentos aprendidos em Se Acha, para tentar sair da Samsara na qual ele está imerso, uma vez que, como já aprendera, somente ele — e mais ninguém — poderá tirá-lo da Samsara.

Pelo visto, a pressão foi grande demais e ele não conseguiu lidar muito bem com a realidade nua e crua. Ele, dessa forma, acaba desembocando em um abismo de loucuras e delírios. Não consegue aceitar a realidade e, portanto, sente vontade de voar, de ir para longe de uma vez por todas, ele quer 'morar com os beija-flores'. Em momentos durante a música, o subconsciente o alerta que permanecer neste mundo de fantasia seria sua ruína — 'E a carne está cheia deles [mosquitos] apodrecendo a cada dia'. E ele acaba por acreditar que, no fim das contas, tudo vai dar certo, 'tudo vai voltar, todos vão se acostumar e tudo vai se acomodar'. Seria esse o fim de nosso protagonista?

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Não! Felizmente, não! Ele finalmente acordou e descobriu que essa vida tranquila, pacífica e surreal nunca seria possível de se concretizar. Ele, agora, é uma pessoa nova, uma pessoa pé no chão, que está verdadeiramente disposta a tentar sair da Samsara. Isso de maneira totalmente diferente de como tentara em seu passado. Ele enfim percebeu que não há nenhuma Solução fácil de se encontrar — respostas fáceis e simples não funcionariam como ele achou que funcionaria em Se Acha, tampouco tentar ignorar a realidade, como fez em Beija-Flores, porque a vida é dura e o 'mundo é perverso' e, quando menos se espera, ele te dá um tapa na face e cospe em você.

Ok. Ele já sabe essas coisas, mas e agora? 'O que ele ia fazer? Não é fácil saber.' Não mesmo. Nada nesta vida é simples. Sempre temos que dar muito duro para chegarmos aonde desejamos. A caminhada é longa e árdua, mas devemos sempre prossegui-la. Isso fica claro quando o personagem, depois de passar por tanta dificuldade em seu trajeto, quebra a quarta parede e nos estende a mão — 'Para todos que duvidaram, sentem medo, abandonaram e se perderam' — e nos convida e incentiva a continuarmos: nunca devemos deixar de procurar uma Solução, não importa quão difícil isso seja. Ele mesmo ainda não a encontrou, mas, pelo visto, não irá parar até encontrá-la...

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Espero que ele consiga; espero que todos nós, em algum momento, consigamos.

Enfim, retomando ao meu ponto inicial da análise, esse EP é demais. Não se trata só de uma história interessante, como também carrega uma mensagem muito forte e poderosa, que, se a levarmos a sério, podemos melhorar a qualidade de nossa vida em um nível astronômico.

E é isto que mais me faz apreciar qualquer obra de arte — seja ela literária, musical ou qualquer outra: a mensagem que ela carrega. Nesse sentido, é impossível negar que este EP é uma obra de arte fenomenal.
Até este momento eu me atinei praticamente só para a questão poética da música — sua letra. Mas, é claro, não podemos nos esquecer que estamos falando de música, ora! Logo, partamos para a última parte desta análise:

Se Acha tem uma levada muito gostosa de ouvir, um bom e velho Blues Rock, com solos envolventes; uma cozinha cravada, perfeita; e uma linha vocal maravilhosa, muito boa mesmo de se ouvir — a dinâmica do Ricardo está fenomenal aqui.

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Samsara possui um riff muito poderoso — que é introduzido lindamente pelo baixo do Serginho —, com a capacidade deixar qualquer amante de Rock n' Roll alucinado. Além disso, tem uma levada totalmente progressiva, dotada da qualidade que, na minha opinião, é a melhor qualidade que qualquer música progressiva pode ter: apesar de mudanças muito grandes/substanciais no decorrer da música, as mudanças soam totalmente orgânicas, naturais, o que faz com que cada progressão se encaixe maravilhosamente umas nas outras. E o finalzinho em Samba também é fantástico. O jogo de vozes é muito legal e o curto solo do Ricardo tem uma estrutura de pergunta e resposta consistente e bem elaborada.

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Óculos é a música com o maior grau de tensão do EP inteiro — e tensão eu digo em sentido musical mesmo, não somente no tocante à letra. Acordes poderosos, acompanhados por uma levada da bateria majoritariamente no surdo e nos tons, seguidos por um riff que usa de cromatismo, que se encerra em sua nota atonal, deixando uma tensão violenta (só faltou um trítono para se tornar a maior tensão possível).
Beija-Flores é outra que é uma delícia de ouvir. Uma progressão muito interessante e não muito usual (o que é bom!). Além de tudo, com um refrão chiclete completamente viciante e um encerramento muito belo.
Solução é, eu diria, a música mais agitada/veloz do EP. Sua progressão é muitíssimo parecida com a de Beija-Flores. Por causa desse fato que eu, talvez, tenha parado para prestar atenção na continuidade das músicas. Tanto que, de início, achei que somente as duas últimas faixas que tinham alguma relação (que é muito evidente não só na musicalidade como na letra). Os slaps da música são maravilhosos — sempre adoro baixos bem elaborados; eles fazem qualquer música crescer de uma maneira absurda. Para fechar o EP com chave de ouro, o Marcelo executa um riff à la Djent animal, acompanhado por um pedal duplo do caramba e um china rachando, encerrando o álbum de forma muito satisfatória — isso sem contar a guitarra no fundo com uma tensão diabólica formada por duas notas relativamente agudas que têm somente um semitom de diferença uma para a outra.

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No cômputo geral, para dar fim à minha fala, a única coisa que tenho a dizer ainda é: ouça o EP Óculos! Não irá se arrepender! A Ink fez um trabalho magistral!

Um grande abraço aos membros da banda e demais responsáveis pelo EP,

Ian M M Duarte,
08/12/2016

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