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Vinnie Moore: Como um disco pode idealizar o mundo

Resenha - Mind's Eye - Vinnie Moore

Por Rodrigo Contrera
Postado em 26 de julho de 2016

"Mind's Eye", o disco de estreia (debut) do guitarrista neoclássico Vinnie Moore, não foi o primeiro dele que eu ouvi. Ao contrário, foi "Time Odyssey", que eu já resenhei aqui. Foi com o Time Odyssey que eu, um garoto de 20 anos, principiei a viajar nas melodias (relativamente singelas) das músicas do cara de New Castle, assim como a assobiar os solos massacrantes do sujeito. Vinnie, em Mind's, trabalha com o Tony Macalpine, este nos teclados, outro dos que eu admirei por anos a fio, embora não tenha acompanhado a carreira de ambos - por falta de contato mesmo, por outras preocupações, e por grana (só dava para achar seus CDs importados, e muito caros).

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Esta, então, é a segunda viagem do rapazola que eu era, das que compartilho por aqui. E a segunda que fiz com seu jeito (do Vinnie) bastante peculiar de tocar e entender o mundo. Porque esta viagem não foi apenas um arroubo de garoto: foi a idealização de um mundo, que atualmente abandono.

Tudo começa, já de cara, com uma balada, meio assemelhada a algo que atribuo ser espanhol, e muitas notas, quase encavaladas, das passagens soladas em duo, que por vezes parecem confundir - mas não confundem. Nessa faixa, "In Control", parece que o Vinnie me dizia como me comportar diante de tudo o que acontecia (a doença do meu pai), e que iria virar meu mundo e minha vida de cabeça para baixo. Ocorre que na parte mais tranquila da faixa, que se repete várias vezes (umas três), eu como que dialogava mesmo comigo mesmo, tipo dizendo "vai passar", "essa paulada não vai durar para sempre", algo para me convencer de algo que não iria acontecer. A pegada aparentada com algo espanhol ficava mais forte mais para o fim da faixa, e eu percebia que algo de destino parecia estar traçado. Algo que iria me mancomunar com a vida praticamente até hoje. Mas tudo bem, porque a faixa continuava e hoje percebo que ela me trazia certa paz, por notar que a vida seria o que iria acontecer, e nada mais. Somente isso. Até um dia acabar. In control? Sim, a vida.

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Na época, eu já assobiava as faixas com alguma precisão, algo que aprimorei depois, com minha ênfase no jazz instrumental, e no free jazz. Mas isso já era também algo que parecia incomodar, e que eu precisava manerar comigo mesmo. Quando, meus familiares não poderiam saber, era essa a única forma pela qual eu poderia me considerar vivo, e com alguma esperança.

Pois eu precisava sonhar. E sonhando, acumular forças para algo que pudesse porventura me esperar: um emprego, um amor, uma vida. Essa esperança transparecia bastante bem em Daydream, a faixa a seguir, com notas longas, sempre em duo, fechadas com notas compassadas quase encavaladas a seguir. A sensação de esperança radicava especialmente naquele trecho em que o timbre fica mais suave no solo, e em que, ao que parece, algo parecia me esperar. Era um alento ouvir esta faixa, naqueles momentos de desespero, em que meu pai delirava, e meus familiares não sabiam como se comportar a respeito. Um alento de que eu fazia fé sempre que saía e ia à faculdade, subia nos ônibus lotados, e, com sono, parecia não conseguir ler os textos que os professores colocavam como necessários para discutir em sala - algo que eu fazia sem saber muito bem o que dizia. Professores da graduação e da pós, sendo que nesta de alguma forma eu era mais bem-vindo e aceito, tal como era (embora fosse encarado também com certa desconfiança). Uma pós para a qual um dia fiquei com a moto na rua, pois não sabia como aprontar a corrente, e ela caiu (ainda bem que num trecho com pouco trânsito - poderia ter morrido). E foi justamente com a moto que transcorria, de forma inusitada, a próxima faixa, se não a preferida do LP (que eu comprava em fita K-7), a segunda preferida, por diversas razões.

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Eu trabalhava numa revista de assuntos rurais. E todo dia o ônibus me pegava pela manhã para me levar ao trabalho, na região da Berrini (em São Paulo). O ônibus me pegava, mas eu estava insatisfeito, pois queria um trabalho mais agitado, em que pudesse aprender a ser repórter, e a pegar traquejo para quem sabe trabalhar um dia num grande jornal (meu objetivo, que eu havia conseguido em termos alguns anos antes, mas numa posição subalterna). Algo que fizesse abandonar o destino das assessorias de imprensa, que pareciam me puxar, por "dicas" mal-intencionadas de alguns "amigos", e por trabalhos que fazia para a faculdade (inclusive em outras cidades). Algo que um dia, quem sabe, pudesse me levar a viajar o mundo atrás de notícias, algo que iria fazer, de forma meio mal-ajambrada, nas décadas posteriores, mas nunca do jeito que queria. Algo que me trouxesse emoção e risco, até de vida, algo que nunca havia experimentado (risco de morte), mas que levaria apenas alguns anos para curtir. Pois ser repórter é se arriscar, sempre, isso eu sempre senti, e era o que eu queria, em suma: risco. Mas, sem o risco em minha vida profissional, quando fui demitido, o que fiz? Comprei duas motos. Duas, com as quais me arriscava tanto quanto queria, e com as quais quase perdi a vida. Pois era sobre isso que a música falava: Saved by a Miracle. Na época, eu considerava que milagre era apenas algo que ocorria em casos extremos, quando a vida física da pessoa está a perigo. Hoje sei mais, mas era esse milagre que eu ouvia na música do Vinnie. O milagre de não ter morrido correndo a todo gás nas motos que eu comprara.

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É preciso atentar, antes de falar propriamente da música, que eu nunca havia tido um veículo antes. Ou seja, aquela RDzinha 135 preta foi meu primeiro bólido, que como todo primeiro bólido eu encarei com admiração tremenda, e que me coube dominar de algum jeito. Cumpre também atentar que aquela DT 200 foi meu segundo bólido, e mais ainda, que eu quase caí dela logo ao empunhá-la na compra, dado o soco que ela mandava em quem tentasse domá-la. Eu tinha as duas e as usava quando queria, e - sem regras estritas de trânsito na cidade e na estrada - eu abusava. Corria até estourar a gaiolinha e ficar na estrada; corria até ultrapassar todos os colegas motociclistas que passavam no meu caminho - até quando eu podia, porque nenhuma delas tinha muita velocidade final -; corria até com caronas, quando eu andava pela USP, com casacão de couro que, imagino, até surpreendia uns e outros. Pois era a forma pela qual eu entendia a liberdade; já que eu não podia tê-la em casa; já que eu não tinha namorada, e não iria ter nos próximos anos, tímido que era; já que eu praticamente não podia falar em sala de aula, pelo estilo do ensino na FFLCH; dados muitos fatores, que servem para eu inclusive me posicionar no dia de hoje, eu me sentia livre mesmo pilotando meus bólidos, que tive que vender, primeiro, para pagar dívidas, e depois que tive roubados, ao chegar sem muito cuidado em minhas aulas de alemão, que não deram, aliás, em nada.

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Ocorre que nas minhas travessuras com as motos eu passei por poucas e boas, ficando até frente a frente com o cárter de um caminhão, que freou em cima do meu corpo (ou apenas de meu rosto), quando caí inadvertidamente na frente dele. E foi essa e outras estripulias que eu lembrava assimilando a música do Vinnie Moore.

Note-se que a música, ela em si, começava instaurando um novo clima na bagaça. Com uma guitarra eletrificada mas sem qualquer distorção, pareciam ambientar algo que alguma pessoa estaria prestes a fazer (e que eu identificava com aprontar-se para pegar a motoca). Esse pedacinho inicial, claro, apenas prenunciava uma das melodias que mais (até hoje) me passam a ideia da liberdade, que é a da assunção de uma tarefa, a pegada da tarefa, os riscos que ela acarreta e mais, a alegria de finalmente estar livre, fora do controle de alguém, sendo que o risco pode levar muito além do esperado - a morte, no caso. Lembro-me de que eu não sentia algo similar desde muito criança, e de que só vim a sentir algo parecido quando trabalhava numa editora de revistas técnicas e precisava viajar para visitar os clientes. Neste caso, eu usava rock da pesada. Aqui, não. Aqui, eu tinha a melodia em minha cabeça enquanto percorria as ruas inseguras de São Paulo para resolver as minhas pendências (que eram muitas). Mas eu nunca fui motoqueiro, digo, sendo pago para entregas. Eu só ia de lugar em lugar para tentar encontrar algo que me prestasse, e que pudesse de alguma forma ajudar a viver. Ocorre que a música também tinha um solo de bateria, algo que em geral eu não prezo, mas que aqui tem a meu ver tudo a ver - porque remete a uma recuperação de acidente que eu NÃO sofri. Ou seja, era como se a música me dissesse: você se salvou de algo que não experimentou. Lindo. Além do que termina com um acorde de teclado que diz tudo - e que quem faz é o Tony Macalpine, outro de meus heróis daquela época.

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Ocorre que esse era o lado da fita K-7 que eu mais ouvia. E isso assim ocorria porque logo em seguida vinha a faixa mais sintomática de todo o LP (fita) e (quem sabe) de toda minha vida: Hero without Honor. Nem sei em que o Vinnie estava pensando quando a compôs. Sei apenas que a figura do herói sempre teve muita pujança em mim. Por muitos motivos, alguns óbvios, outros nem tanto. Mas aqui é interessante como o Vinnie sobrepõe o caráter heróico com a AUSÊNCIA de honra, algo que me parece despropositado, mas que tem tudo a ver com a sensação que eu tinha na época (quando o meu pai sofria sua doença e não sabíamos lidar com isso), com a impressão que eu tive depois (quando me casei e nunca pareço ter me sentido realmente casado com a ideia do casamento ou mesmo do casal ou mesmo daquilo que disso poderia vingar), e com a impressão que tenho até hoje em minha vida (como se houvesse uma ausência de honradez em meus atos, que quero que sejam sempre corretos, por correção filosófica e até pessoal). Pois é como se, na música, o herói perdesse a batalha final, como se não lhe valesse de nada ganhar a guerra como um todo, como se todos seus esforços fossem em vão no geral, mesmo que no limite, em específico, se justifiquem. É incrível como até hoje essa faixa diz respeito a mim mesmo como quase nenhuma outra - ou mesmo nenhuma outra. Nem irei descrevê-la, que isso vocês podem conferir por si sós, mas é de se notar o clima aparentemente melancólico do final, em que o herói - sempre ele - olha para si mesmo e se vê em retrospecto (quem sabe).

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E era assim que terminava o lado A da fita, que eu tinha de avançar para chegar à porrada animada do outro lado, Lifeforce. Eu sempre fui um cara animado, crente, que acredita. Mas aqueles momentos de crise familiar colocavam tudo a perder. Eu começava a descrer, a não assumir que as coisas pudessem realmente ser como eu queria, que eu poderia morrer na praia, mas isso lentamente, sem que quase eu me apercebesse, como se fosse um vírus que me tomava por dentro. Talvez fosse o primeiro sintoma da depressão que nos anos futuros iria me controlar por inteiro. Talvez fosse uma dúvida, apenas. Eu não sei. Mas esta música tramava totalmente contra essa descrença, em tudo, no jeito da guitarra base, nos solos, nos tipos de solos, e nas soluções que encontrava para dizer a que vinha: a provar a força da vida. Mesmo a retomada da melodia da guitarra base parecia me dar um novo alento, e a ele, ao Vinnie, eu agradecia longamente, em meio a minhas diatribes pessoais. O resto é ouvir, o que vocês podem, aqui. E também na faixa seguinte, que parece não parar, mas que retoma outra vibe, complementar à da faixa anterior, se bem que sem a maestria da estrutura musical e das soluções.

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Eu na verdade nunca entendi por que o disco assumia o nome da faixa a seguir. Mas, seja como for, ela era uma espécie de déja vu, e não parecia me acrescentar demais. O que não acontecia com as faixas seguintes, Shadows of Yesterday, e The Journey, todas meio faixas de viagem, que devem (ou deveriam) nos fazer refletir sobre o que é nossa vida: apenas uma viagem, com nascimento (começo), vida (meio) e morte (fim), sem no fundo muito mais do que isso. Pois o que eu creio é que a gente meio que se deixa levar pela aparência de permanência em tudo o que temos, que vivemos e que levamos, quando na verdade só o que fica é uma impressão.

Essa impressão, para mim, é clara em tudo isto que eu ouvia e que ainda ouço, agora, com outros recursos, mas lembrando aquele sujeito que eu fui, o sujeito que sou e aquele em que irei me tornar (que não sei qual será). Seja como for, é como se hoje eu não me sentisse tão mais sozinho. Vivendo como posso, com uma certa trajetória, com algumas conquistas, com muitos desejos, mas sabendo como nunca antes (ou talvez só um pouco menos do que na infância) o que tem mesmo valor - e o que não.

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Fico feliz com isso.
Espero que tenham gostado.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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