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Raul Seixas: Autenticando o rock nacional

Resenha - Krig-ha, Bandolo! - Raul Seixas

Por Claudinei José de Oliveira
Postado em 21 de outubro de 2015

Nota: 10 starstarstarstarstarstarstarstarstarstar

Em 1973 Raul Seixas lançava seu primeiro álbum solo, misturando, com uma sagacidade absurda ritmos nordestinos ao rock, bem como conceitos filosóficos à linguagem popularesca, além de camuflar uma contestação ácida num suposto texto "nonsense", atingindo um resultado artístico que é, até hoje, referência.

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Se existe um rock nacional, este é o seu "marco zero". Mas Os Mutantes e a turma da Tropicália já não haviam misturado ritmos nacionais com o rock? Sim, claro, porém, tal mistura, na Tropicália, possui um ranço "intelectualóide, como o de cientistas num laboratório fazendo experimentos, enquanto que, aqui, quase não se pode falar de mistura pois os ritmos nacionais estão tão amalgamados ao rock que é difícil saber onde começa um e termina o outro.

Aqui, também, o conceito de protesto não abre concessão. Senão, vejamos: o álbum abre com uma gravação caseira de Raul criança, na base da empolgação, esgoelando uma versão de "Good Rockin' Tonight". De repente, o inusitado: a roda de capoeira de "Mosca Na Sopa". O que é que, na história nacional, foi mais incômodo para a elite dominante que a afirmação cultural negra? Qual é a melhor metáfora para o descontrole social, além de qualquer credo, ideologia ou partidarismo senão a de uma mosca? Fora uma meia dúzia de gatos pingados que, no "milagre brasileiro", tiveram o privilégio de uma formação universitária e, consequentemente, ideológica, o povão estava ao "Deus dará", caindo e se levantando como mosca, alheio a qualquer liderança.

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"Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores", de Geraldo Vandré era, direta e objetivamente, uma canção de protesto, mas padece de um enfado "hippongo" e, pior, não mascara o ressentimento típico da esquerda em não poder ser o que a direita é: vamos livrar a sociedade da opressão errada e instaurar a opressão correta.

"Metamorfose Ambulante" não deixa dúvida. Se havia algum pedaço de dogmatismo, crença ou convicção se aguentando ele, agora, vai por terra. É a liberdade individual da transformação através do conhecimento posta como bem supremo e inalienável do ser humano.

"Dentadura Postiça" e As "Minas Do Rei Salomão" dão uma baixada na bola e trazem o embrião do "misticismo para as paradas de sucesso" que, juntamente com Paulo Coelho, será melhor explorado no álbum "Gita". Dizem que o título da primeira é um trocadilho com "ditadura". Se for, das duas uma: ou a ditadura da época não era tão feia como se pinta ou era burra pacas. Isso sem contar que a versão para "As Mina Do Rei Salomão" presente no álbum "Há 10 Mil Anos Atrás" tem muito mais "punch".

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Num clima de trilha sonora para uma ficção científica interplanetária da época, "A Hora Do Trem Passar" é uma canção de despedida, onde o fascínio e o terror do desconhecido, presentes em qualquer partida é a promessa de viagens a outros mundos. Tudo isso embalado num lirismo de doer.

"Al Capone", em sua levada "hendrixiana" e largadona, brinca com mitos históricos (inclusive o próprio Hendrix!) e com as limitações espaço/temporais.

"How Could I Know?", uma tocante balada sobre o despertar e a afirmação da individualidade encerra com o dilema da história eleger como mártir os corajosos, numa espécie de complemento sério à brincalhona "Al Capone".

"Rockixe" é uma "Mosca Na Sopa" despida da fábula e reforça a postura "egoísta" (no sentido filosófico de engrandecimento e valorização do "eu") tão cara a Raul Seixas durante a década de 1970, enquanto "Cachorro-Urubu" seria o outro lado da moeda, enaltecendo a força da coletividade, com referências às movimentações estudantis que partiram da França de 1968. Coisas da "metamorfose ambulante".

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Por último, "Ouro De Tolo". Talvez, juntamente com algumas canções de Zé Ramalho, a mais perfeita tradução do espírito "dylanesco" de composição para o cancioneiro nacional. Na lírica (letras) é, também a mais direta e o que, no restante do álbum, se insinuava é, aqui, escancarado: uma exímia "puxada de tapete" na perfeição do mundinho classe média que, em seus pequenos confortos escondia grandes lavagens cerebrais.

O instrumental dispensa comentários pois, qualquer um que conheça um pouco da carreira do "Maluco Beleza" sabe que, antes de cantor de sucesso, ele foi produtor musical e, assim sendo, dominava a técnica de tornar viável e convincente qualquer estilo musical para o ouvido consumidor. Assim, o "desleixo", a "espontaneidade", a gana, a pegada e a atitude por trás de cada canção foram cuidadosamente planejados, tanto que muitas vezes os especialistas no assunto subestimaram o executor. Algo que não ocorreu à Tropicália que, a propósito, pactuava intencionalmente com os conceitos antropofágicos de Oswald de Andrade: "a massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico." Será que o povão consumiu a Tropicália como consumiu Raulzito?

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Tracklist do CD:

1."Introdução: Good Rockin' Tonight"
2."Mosca Na Sopa"
3."Metamorfose Ambulante"
4."Dentadura Postiça"
5."As Minas Do Rei Salomão"
6."A Hora Do Trem Passar"
7."Al Capone"
8."How Could I Know (Love Was To Go)"
9."Rockixe"
10."Cachorro-urubu"
11."Ouro De Tolo"

Gravadora: Universal Music


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Sobre Claudinei José de Oliveira

Claudinei José de Oliveira é graduado em História e aproveita o tempo vago para ouvir, ler e escrever rock'n'roll e conversar com seus cachorros. Criou e mantém o blog rollandorocha.blogspot.
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