Flying Colors: Mais progressivo e mais entrosado
Resenha - Second Nature - Flying Colors
Por Breno Rubim
Postado em 18 de outubro de 2014
Quando o primeiro álbum do Flying Colors foi editado, em março de 2012, confesso que torcia o nariz em relação ao que Mike Portnoy poderia oferecer após sua saída (à época recente) do Dream Theater: imaginei que o músico saía de uma banda consagrada de metal progressivo, com toda a sua complexidade técnica já conhecida, para uma de hard rock, com músicas mais diretas e radiofônicas, que não lhe faria mostrar muito de sua técnica. Nem a adição dos monstros Steve Morse, Dave La Rue e Neal Morse (que também possuem veia prog) me animou.
Mas, assim que comecei a ouvir o disco, já fui surpreendido positivamente pelo fato de que Flying Colors se mostrou ser uma banda "a-rotulável" (perdoem o neologismo): havia ali hard rock (abrindo o play com "Blue Ocean"), havia riffs pesados que remetiam ao metal (com "Shoulda Coulda Woulda"), havia pop rock (em "Kayla" e "The Storm", por exemplo) e havia rock progressivo (fechando a bolacha com "Infinite Fire"). Quando vi a presença desse último estilo - minha paixão - definitivamente abri os olhos pro supergrupo.
Todo supergrupo é promessa de lançamento de qualidade. Digo "promessa", porque o que efetivamente traz a qualidade são outros fatores, como criatividade e entrosamento, de modo que o brilho individual de cada integrante não seja exposto exageradamente, ofuscando o dos demais. E esses dois quesitos o Flying Colors hoje tem de sobra: se a dois anos atrás o grupo era verde, hoje se pode dizer que está bem mais amadurecido.
Sempre que se gosta muito de um álbum de estréia, o segundo vem carregado de enorme pressão para pelo menos se igualar ao antecessor. Mas "Second Nature" conseguiu ser melhor. Durante toda a playlist, o que se vê é a dosagem perfeita entre a técnica e o feeling, a complexidade e a melodia. Até mesmo Casey McPherson (único talvez desconhecido pelo público de hard rock / metal até a formação desse grupo) se mostra bem mais à vontade. Apesar de sua voz não conter agressividade, ele se encaixa bem no propósito da banda. As composições estão mais soltas, mais variadas, e os músicos se permitiram ousar um pouco em elementos que o álbum anterior não teve, como o folk e o vocal gospel "a-la-The Spirit Carries On".
E uma coisa é inegável: este álbum está mais progressivo do que o anterior, a começar pela primeira faixa, "Open Up Your Eyes", uma porrada progressiva de mais de 12 minutos de duração que remete ao Transatlantic (outra banda de que fazem parte Mike e Neal). Após o calmo início de um tema no piano, repetido depois na guitarra, permeada pelo baixo pulsante de Dave, num instrumental técnico apurado, a música dá uma calmaria e o vocal de Casey entra após os 4 minutos, desaguando depois num refrão marcante. Temos de tudo aqui: complexidade instrumental, vocal melódico, belo solo de guitarra de Steve e um fechamento de complexidade de tempo ainda maior. Faixa épica, progressiva, mas em nenhum momento enfadonha.
Em seguida temos "Mask Machine", que destoa da anterior por ser um meio pop meio hard rock radiofônico, lançado como single, que se inicia apenas com um baixo distorcido (influência de "Muse"?). A princípio poderia parecer uma faixa simples, monocromática, mas a veia progressiva novamente dá as caras no meio da música: vem uma calmaria, totalmente diferente do resto da música, com o teclado de Neal dando uma atmosfera obscura, e o próprio Neal cantando. É de se pensar: "peraí, pop rock não tem isso!", mostrando novamente um casamento entre o pop, o hard e o prog numa única canção - algo que o "Genesis", por exemplo, fez muito bem nos anos 80 e 90.
Pra quem gosta de um "rockão" com riff grudento, a terceira faixa, "Bombs Away" cai como uma luva: meio bluesy, na introdução e nas estrofes, um riff simples e pausado da guitarra de Steve permeia o instrumental. Casey tem uma voz precisa aqui, e temos um bom refrão (com o baixo novamente bem audível). Finalmente uma faixa sem complexidade alguma, correto? Errado! Lá pelos 3:40, Neal faz um solo de teclado dentro de um tempo quebrado. Mais progressividade à mostra!
Pros românticos, "The Fury Of My Love" é a balada romântica, com belo tema de piano e guitarra, começando bem calma com a voz de Casey acompanhada do piano, e explodindo os demais instrumentos em um refrão marcante que diz "baby don't worry 'bout this intensity, it's just the fury of my love". Frase legal pra dizer pra menina que pede pra você "ir com calma", não? Aqui a voz melódica de Casey se encaixa muito bem. Outra ótima faixa para ser usada como single.
"A Place In Your World", cujo clipe foi divulgado mais recentemente, é novamente uma manifestação de rock progressivo sem querer ser complexo ou pretencioso demais. Já se inicia com um tema de guitarra de tempo estranho, pra depois se estabilizar em um andamento simples com a suave voz de Neal, nos remetendo ao Spock's Beard dos anos 90. Um elemento que se destaca aqui é o quesito "vocal": todos os vocalistas da banda cantam. Neal no início, Casey na ponte, Mike num trecho específico antes do último refrão, e todos no belo refrão em coro: um dos melhores refrões do álbum: grudento, mas ótimo. Quanto a Mike cantar, isso não é mais novidade para quem conhece o álbum anterior, porque nele ele cantou na faixa "Fool In My Heart": desta vez ele continua cantando muito bem, numa melodia vocal que nos lembra o velho Paul Gilbert. Até senti falta de uma faixa cantada inteiramente por Mike: nas duas em que sua voz aparece, uma em cada álbum, ele a divide com a dos outros vocais.
"Lost Without You" se inicia apenas com a bateria simples de Mike, depois Neal entra com um piano singelo, depois Steve dando uma atmosfera na guitarra... camadas que, à medida que se somam, desenham uma canção que pode ser considerada a segunda balada do álbum. Nada de muito especial: qualidade como sempre, Casey destilando melodia na voz, e Neal encorpando-a no outro belo refrão através de um "backing".
"One Love Forever" é uma bela surpresa: pela primeira vez a banda nos apresenta um som folk em suas estrofes, influência que permeia toda a música, exceto no refrão. A influência prog se dá nos idos de metade da música, quando a mudança repentina de ritmo cede lugar à voz límpida de Neal, novamente nos remetendo aos tempos áureos do Spock's Beard. Sem dúvida um dos pontos álbuns do álbum pela inovação.
"Peaceful Harbor" é talvez a faixa mais tocante do trabalho, melodicamente falando. A voz intimista de Casey, somada ao violão, nos remete a seu trabalho principal, o "Alpha Rev", com músicas meio "down" que dariam bons encerramentos de episódios de O.C. ou One Three Hill. Mas os elementos progressivos também se fazem presentes, sobretudo nos minutos finais, quando entram os vocais gospel a cargo das McCrary Sisters, pois, se ouvirmos bem, verificamos que o tempo é quebrado e não segue um padrão simples. O final é emocionante e apoteótico, com a camada de coro gospel permeada por improvisações de uma das cantoras.
E, da mesma forma que o álbum de estréia se encerra com uma faixa longa e épica, neste não foi diferente: "Cosmic Symphony" tem quase a mesma duração da primeira faixa, e é a única dividida em partes: "Still Life Of The World", "Searching For The Air" e "Pound For Pound". Bem prog, com mudanças de ambientação, Casey e Neal dividem os vocais novamente. Após um instrumental forte e um solo de Steve, a calmaria anuncia a terceira e última parte: "Pound For Pound", no quesito "melodia", vale o álbum inteiro e o fecha com chave de ouro, com um belíssimo vocal de Casey e outro - não menos belíssimo - solo de guitarra de Steve. E ela termina como começa: ao som de uma chuva ao fundo.
"Second Nature" é definitivamente um avanço em relação ao debut do grupo: é mais complexo musicalmente falando (fazendo jus aos currículos dos integrantes), mostra-os mais soltos e entrosados (algo inimaginável quando se pensa que os estágios iniciais de composição foram via videoconferência entre eles), solos de guitarra são frequentes (com o selo "Deep Purple" de qualidade), o esmero com as linhas vocais foi visível (a todo tempo se ouvem backing vocals, e apesar de Casey ser o vocalista principal, divide o posto em vários momentos com Neal) e a mixagem é primorosa: Mike acerta - novamente - no timbre (algo que Mike Mangini ainda não conseguiu fazer desde que entrou para o Dream Theater) e o baixo de Dave soa presente em todas as faixas, pulsante, não se escondendo por trás das camadas de guitarra e de teclado (algo que no Dream Theater não vem acontecendo com frequência), se me permitem os venenos que ora lanço sobre a banda pretérita do Barba Azul.
Candidato fortíssimo a álbum do ano!
Flying Colors - Second Nature (2014)
01. Open Up Your Eyes (12:24)
02. Mask Machine (6:06)
03. Bombs Away (5:03)
04. The Fury Of My Love (5:10)
05. A Place In Your World (6:25)
06. Lost Without You (4:46)
07. One Love Forever (7:17)
08. Peaceful Harbor (7:01)
09. Cosmic Symphony (11:46)
I. Still Life Of The World
II. Searching For The Air
III. Pound For Pound
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