Megadeth: recuperando a fúria que faltava
Resenha - United Abominations - Megadeth
Por Thiago El Cid Cardim
Postado em 03 de junho de 2007
Sejamos sinceros: não que "The World Needs a Hero" (2001) e "The System Has Failed" (2004) sejam álbuns ruins - aliás, longe disso, em especial quando se trata deste último. Mas dava para sentir no ar que faltava alguma coisa, um pequeno detalhe que os distanciava nitidamente de bolachas clássicas do Megadeth como "Rust In Peace" (1990) e "Peace Sells...But Who's Buying?" (1986). Quando o frontman Dave Mustaine dispara o riff inicial da faixa de abertura "Sleepwalker", a primeira do novo disco de inéditas "United Abominations" (título genial, é bom que se diga), não demora até que você se dê conta do que é este elemento: fúria. Uma fúria genuína e contagiante que corre nas veias de maneira natural, que transborda do início ao fim do CD, soando ao mesmo tempo 100% fiel aos tempos da Bay Area e absolutamente atual - para rivalizar diretamente com nomes como Mastodon, Trivium, Lamb of God e demais integrantes do que a crítica especializada apelidou de new wave of american heavy metal, uma cena de bandas jovens que estariam dando nova cara ao gênero na terra do Tio Sam. É bom estes moleques acompanharem alguns shows da nova turnê de titio Mustaine - que é, como bem sabemos, o próprio Megadeth, não importando que formação esteja no palco junto com ele - para aprender algumas boas lições de como se maltrata uma caixa de som.
O segredo de tamanha vitalidade deste disco, um marco absoluto na discografia recente do quase trintão Megadeth, pode estar na presença dos irmãos Drover (Glen na guitarra e Shawn na bateria), novos membros do line-up da banda e que talvez tenham injetado ar fresco pela goela de um Mustaine que vinha se declarando publicamente cansado e desgastado. Mas grande parte da força de "United Abominations" está mesmo escondida nas letras do disco, politicamente diretas e retas, do jeito que o vocalista e guitarrista sempre gostou, indo direto ao assunto e analisando, de forma ácida e virulenta, a atual situação do mundo - em especial, a dos Estados Unidos e suas guerras internacionais e a reprovável atuação bunda-mole das Nações Unidas com relação a tudo isso. Esqueça o fato de que o sujeito é, nos dias de hoje, um cristão dedicado, direitista e nacionalista ao extremo. Antes de tudo, ele é um notório ativista pela paz e pelos direitos individuais, pela boa e velha liberdade de expressão. E é isso que importa. Mustaine parece ter se reencontrado enquanto pessoa e artista, e está mais crítico do que nunca. Isso faz muito bem ao tipo de som que ele pratica, um thrash/speed no qual a violência sonora é atributo recomendadíssimo e a revolta só ajuda a tornar tudo ainda mais visceral. A gente só tem a agradecer.
"Ethnic cleansing with no defending / These acts of genocide / A fatal ending with no surrendering / To cover up the crimes and lie", começa a letra de "Gears of War", atacando os recentes conflitos étnicos. "Amerikhastan", possivelmente uma das melhores passagens do CD e cantada por Mustaine de modo quase falado, deixaria qualquer Rage Against The Machine com inveja - ou talvez meio fulo da vida, em especial depois de versos como "Hey Jihad Joe? Guess what? We're coming to get you". E a vingança continua a falar alto e forte em "You're Dead": "One day / I'll dance on your graves / Even if you're buried at sea / Till then till when I exact my revenge / I'll tell them you're dead to me". Ideologias políticas à parte, o cara está no auge da forma como compositor e, diferente da maior parte das bandas de heavy metal da atualidade, deixa dragões e princesas (ou, quem sabe, aquelas dores de cotovelo adolescentes) de lado para meter o dedo na ferida e falar do mundo real.
Um dos destaques de "United Abominations" é a merecida releitura de "A Tout Le Monde" - canção do disco "Youthnasia" (1994) que, na época, foi acusada de incentivar o suicídio e banida das programações das rádios depois que a pudica MTV gringa decidiu por bem que não mais exibiria o seu videoclipe. O músico não se conformou com esta história toda e achou que a faixa merecia uma nova chance. Nesta nova versão, Mustaine divide belamente os vocais com a igualmente bela Cristina Scabbia, responsável pelos microfones da banda italiana Lacuna Coil. Não se deixe enganar, no entanto, pelos ares de balada metálica que "A Tout Le Monde" possa sequer lhe sugerir, já que o restante do disco é uma porrada atrás da outra, muito melhor representado pela dureza e simplicidade de "Washington Is Next" ou da inspirada faixa-título. Espere para ouvir um Megadeth curto, seco, rasgado e funcional ao extremo, sem redondilhas, contra-indicado para ouvidos mais sensíveis. Mustaine pode não ser o melhor cantor do universo (lembrando muito mais uma espécie de Pato Donald embriagado), mas quem se importa? A voz dele é tão característica e se encaixa tão bem com as canções do Megadeth que não sobra espaço para reclamar. Ozzy Osbourne que o diga.
Sem dúvidas, um dos melhores discos que ouvi em 2007. Para calar a boca dos eternos defensores do Metallica, banda da qual Mustaine é egresso e que, perdoem-me os puristas pentelhos de Lars Ulrich e cia., deveria se envergonhar de um "St.Anger" (2003) depois de ouvir este "United Abominations" (sei que é muito clichê citar o Metallica sempre que se fala de Dave Mustaine, mas não dava para evitar aquela cutucadinha básica). A guitarra final de "Burnt Ice", a música de encerramento, já dá a dica: evolução não quer dizer uma homérica forçada de barra para se adaptar "aos novos tempos". Você só precisa continuar sendo você mesmo. O resto vem com o tempo.
Line-Up:
Dave Mustaine - Vocal e Guitarra
Glen Drover - Guitarra
James Lomenzo - Baixo
Shawn Drover - Bateria
Tracklist:
1. Sleepwalker
2. Washington Is Next!
3. Never Walk Alone...A Call To Arms
4. United Abominations
5. Gears of War
6. Blessed Are The Dead
7. Play For Blood
8. A Tout le Monde (Set Me Free)
9. Amerikhastan
10. You're Dead
11. Burnt Ice
Gravadora: Hellion
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