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Resenha - Criaturas da Noite - O Terço

Por Raul Branco
Postado em 06 de agosto de 2002

Após uma carreira que passara do total anonimato para a categoria de expoente do rock nacional, ao lado dos Mutantes, o Terço entrou no estúdio Vice-Versa, após colaborarem no primeiro trabalho de Sá e Guarabyra sem Zé Rodrix, o álbum "Nunca", para gravar um disco ansiosamente aguardado pelo seus fãs. Era novembro de 1974 e o disco que resultou desse trabalho, "Criaturas da Noite", seria considerado o ponto alto da trajetória do grupo do guitarrista Sérgio Hinds.

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Sua banda, em que começara como baixista, já havia gravado dois Lps e compactos, e na qual haviam atuado músicos como Jorge Amiden, Vinícius Cantuária e Cézar de Mercês, alcançara algum reconhecimento do grande público pela balada "Tributo ao Sorriso", apresentado num Festival Internacional da Canção, e respeito da comunidade rock pelo álbum "Terço", que trazia boas músicas como "Deus", "Estrada Vazia" e "Lagoa das Lontras".

Sérgio, além de Cézar de Mercês fazendo guitarra base, era agora acompanhado em shows de uma nova cozinha, que antes acompanhara o trio Sá, Rodrix & Guarabyra: Sérgio Magrão no baixo e Luiz Moreno (recentemente falecido, em 2002), na bateria. Para completar o time, um tecladista, violonista e cantor que anos mais tarde faria carreira solo de sucesso, Flávio Venturini, na época usando o nome artístico de Flávio Alterosas. A saída de Cézar oficializou a formação do quarteto e foi assim, com Hinds, Magrão, Flávio e Moreno, que saíram os créditos do disco, embora a presença de Cézar seja presente não só pela percussão em duas faixas mas, principalmente, pela quantidade de músicas em que ele é o autor ou parceiro. As excelentes apresentações da nova fase do Terço geraram uma expectativa muito grande pelo disco que estava sendo gravado e, o resultado em vinil, lançado em 1975 pelo selo Underground, da gravadora Copacabana, não decepcionou nem um pouco.

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Ao maior sucesso da carreira do Terço coube a honra de abrir o disco. "Hey Amigo" (Cézar de Mercês) tornou-se, bem antes do lançamento de "Criaturas da Noite" presença obrigatória nos shows da banda. A conhecidíssima introdução de baixo, a que se somam o órgão, a bateria e que explode com a guitarra Gibson SG de Hinds já faziam – e fazem até hoje –a audiência sacudir os ossos e pular. Com uma letra simples, meio tola e fácil de memorizar, convidando a todos para se unirem como um só através desse rock, "Hey Amigo" tem uma melodia e um arranjo empolgantes. Nela uma velha característica do Terço está presente, que é a guitarra e o baixo dobrando os riffs, mas agora acrescentada pela cama proporcionada pelo órgão e os vocais mais elaborado, com várias vozes, recurso que viria a ser aplicado no 14 Bis, para onde Magrão e Flávio se bandeariam mais tarde.

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O lado acústico da banda brilha em "Queimada" (Flávio Venturini - Cézar de Mercês). O som das violas, baixo elétrico, percussão e os vocais são a pitadinha de folk que faltava na mistura que gerou a banda. Uma música sem grandes pretensões que, cedo, tornou-se uma das favoritas do álbum.

"Pano de Fundo" (Sérgio Magrão - Cézar de Mercês), é mais uma retomada ao estilo de rock característico do Terço. Merece destaque a criatividade de Moreno no trabalho percussivo, tanto na introdução quanto no fim, o baixo de Magrão e o solo, com jeito de Santana, de Sérgio Hinds.

A versatilidade dos componentes fica clara com a próxima faixa, "Ponto Final" (Luiz Moreno), um tema instrumental do baterista, onde a vocalização funciona como outro instrumento, talvez substituindo as cordas, e com dois momentos bem definidos e distintos entre si. Na primeira parte um tema de piano que em alguns momentos lembra o Gismonti de "Parque Laje" e o sintetizador solando leve, aéreo como o Azymuth, até receber o reforço pelo peso da guitarra e, mais uma vez suavizar com o piano. Este mesmo piano puxa a segunda metade da música, um tema que vai se repetindo, com a percussão bem sinfônica, cheia de pratos, com destaque a cada momento para cada um. Para um ouvinte mais atento, as pequenas semelhanças com "Amanhecer Total", do álbum anterior, cessam na maturidade musical dos instrumentistas dessa formação e na qualidade de gravação, infinitamente superior.

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Sérgio Hinds compôs "Volte na Próxima Semana" e o público dos shows tornou esta mais uma música obrigatória no setlist. Rock mesmo, lembrando as músicas do disco anterior, tem na guitarra a principal arma do arranjo, com o baixo dobrando novamente. O bom trabalho de Moreno, que não foge da tentação de suingar a batida em todos os momentos é uma das boas coisas da faixa, mas os vocais, mais parecidos com a fase Vinícius Cantuária, são os mais fracos do disco.

Para o início do Lado B, a música que dá nome ao disco, "Criaturas da Noite" (Flávio Venturini - Luiz Carlos Sá), com a abertura feita pelo piano de Flávio e os vocais da banda, apoiados por um naipe de cordas, tem um gosto de Sá, Rodrix & Guarabyra inconfundível, deixando bem claro o quanto um grupo influenciou o outro, inclusive pela parceria. O vocal solo é de Flávio e a guitarra solando com os violinos completa o clima onírico sugerido pela letra.

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"Jogo das Pedras", que retoma o clima de "Queimada" com um pouco mais de peso pela inclusão de bateria, teclado e solo de guitarra, entrou pela tangente em "Criaturas da Noite". O disco já estava pronto e uma das músicas gravadas, "Raposa Azul", foi substituída por ela em cima do laço. Se a decisão foi acertada ou não, são outros quinhentos. O que importa é que a inclusão de "Jogo das Pedras" reforçou essa ligação com o rock rural e deu oportunidade ao Terço de enveredar por novos caminhos musicais. Apesar de "Raposa Azul" ter um clima mais progressivo e uma introdução marcante, seria apenas mais uma música.

A peça que encerra este excelente disco é, para dizer o óbvio, grande: pelos seus longos 12min26s de duração, pela grandiosidade da composição e pelo nível de execução dos músicos. "1974" (Flávio Venturini) é, sem sombra de dúvida, uma das melhores coisas do progressivo brasileiro daquela época. Com o clima suave criado pelo piano que é paulatinamente sendo interrompido pela intromissão do baixo, prato de condução e guitarra dobrada e distorcida, a banda nos coloca numa atmosfera frenética como o de uma Cidade Grande, de qualquer parte do planeta. O ouvinte pode se imaginar, por exemplo, andando apressado numa rua movimentada de Sampa, Nova Iorque ou Tóquio e, de repente, encontrando um espaço no caos para deixar o pensamento fluir livre, até ser arrastado a contragosto para a turbulência novamente.

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As vocalizações com resposta e depois o instrumental, onde a guitarra de Hinds tem o seu melhor momento em todo o álbum, nos mantém nesse nível de intercessões contínuas de euforia/relaxamento até que, em determinado momento, parece que tudo morre, menos o teclado, arrastado e melancólico, com a voz de Flávio e a guitarra de Sérgio Hinds induzindo um lamento à mente do ouvinte. Perda da inocência: o baixo vai buscar nossa alma e trazê-la de volta à dura realidade dos tempos modernos, com o resto da banda. Mas a guitarra volta para reclamar uma brecha e, finalmente, o piano e o vocal nos devolvem a paz e a esperança em tempos mais amenos. Agora, todo o peso da banda não consegue mais do que reforçar essa idéia e, a medida que a música se aproxima do fim, a felicidade vai inundando a alma e o coração do ouvinte até que este explode num sintetizador que vai desaparecendo, insistindo em se manter no rodamoinho de seu próprio som. Uma viagem.

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Mesmo com alguns problemas técnicos, que qualquer demo de hoje passa por cima, "Criaturas da Noite" foi um marco para o rock nacional e colocou a banda, para sempre, na história.

Ficha Técnica:

Criaturas da Noite (Underground - 1975)

Músicas:

Hey Amigo (Cézar de Mercês)
Queimada (Flávio Venturini - Cézar de Mercês)
Pano de Fundo (Sérgio Magrão - Cézar de Mercês)
Ponto Final (Luiz Moreno)
Volte na Próxima Semana (Sérgio Hinds)
Criaturas da Noite (Flávio Venturini - Luiz Carlos Sá)
Jogo das Pedras (Flávio Venturini - Cézar de Mercês)
1974 (Flávio Venturini)

Produção Musical: O Terço
Direção Artística: Paulo Rocco
Arranjos Orquestrais: Rogério Duprat

Participações Especiais:
Cezar de Mercês (percussão); Marisa Fossa (vocal).

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