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Wicked Lester: o embrião do Kiss

Por Marco Pala
Postado em 24 de julho de 2018

Sobre a história do KISS, a maioria já conhece: dois jovens judeus do Queens (distrito de New York) juntaram forças para formar uma banda de rock com proposta visual extravagante e shows teatrais. Mas como tudo começou? Em quais circunstâncias eles se conheceram? O que os levou a moldar uma das bandas mais cultuadas da história da música?

Tudo tem início no final do ano de 1969. Cansado de tocar covers em uma banda de bar de New York (chamada Gas, Food and Lodging), o tecladista Brooke Ostrander decidiu que o negócio era se dedicar à música autoral. Seu então colega de banda, o guitarrista Larry DiMarzio, prometeu lhe apresentar a um amigo de infância que compunha material próprio, o baixista e vocalista Gene Klein (nascido Chain Witz, em Israel).

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A título de curiosidade: sim, Larry DiMarzio é ninguém menos que "o cara" dos captadores DiMarzio. Gene e Larry se conheceram na escola e sempre mantiveram contato. Além de músico amador, Larry trabalhava na Guitar Lab, uma oficina de luthieria de New York que também funcionava como uma loja de instrumentos usados. A loja era de propriedade de Charles LoBue, um dos pioneiros na fabricação de instrumentos (guitarras e baixos) sob encomenda, algo muito raro na época.

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Trabalhando com LoBue, DiMarzio e seu colega Bill Lawrence se especializaram em consertar captadores e não demorou para a dupla começar a mudar os conceitos de fabricação deste tipo de acessório. Nessas e outras, DiMarzio criou o captador Super Distortion, que o tornou famoso. Ele e Bill Lawrence são considerados os pioneiros em um nicho de mercado pouco explorado até os anos 70: vender captadores customizados para reposição, uma vez que era muito raro encontrar peças avulsas para venda. Charlie LoBue construiu instrumentos para Gene Simmons e Paul Stanley, usados no início da carreira do KISS, e a banda foi uma das primeiras divulgadoras do trabalho de DiMarzio (Ace Frehley é garoto propaganda da marca até hoje).

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Voltando às conexões musicais: em janeiro de 1970, um mês depois de DiMarzio ter apresentado Gene e Brooke, a dupla decidiu trabalhar em algumas canções do baixista, gravando demos caseiras, com Gene no baixo, guitarra e vocais, Brooke nos teclados, além de dois conhecidos deste último, o baterista Joe Davidson e o guitarrista Mitchell Eisenberg (que atuaram apenas como "quebra-galhos"). Passados alguns meses, Gene voltou a contatar Brooke, sugerindo que formassem uma banda de verdade. Sempre que alguém ouvia a demo, perguntava se podia assisti-los tocando ao vivo, mas não havia banda. Brooke convidou o baterista Joe Davidson e Gene trouxe um amigo de infância chamado Steve Coronel para a guitarra.

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Mais um parêntesis: foi neste período que antecedeu à formação desta nova banda que aconteceu o histórico encontro entre Gene Simmons e Paul Stanley. Gene Klein e Stanley Eisen foram apresentados por Steve Coronel em seu apartamento. Steve era amigo em comum dos dois, havia tocado com Gene na época de colégio, na banda The Long Island Sounds, e com Paul na banda Tree. A dupla, a princípio, não se simpatizou. Stan (como era conhecido na época) não gostou do jeitão arrogante de Gene. Já o baixista não gostou de saber que mais alguém além dele, Lennon e McCartney, também sabia compor canções. Porém, Gene ficou interessado em uma parceria por causa do repertório apresentado pelo rapaz. Mesmo assim, Stan não se interessou.

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Por sua vez, Steve Coronel insistia que a nova banda precisava de um elemento a mais e tinha certeza que Stan Eisen seria o cara ideal. Gene consentiu e ligou para seu então desafeto, que desta vez acabou aceitando a oferta. Estava formada a banda Rainbow: Gene Klein (baixo/voz), Stan Eisen (guitarra/voz), Steve Coronel (guitarra solo), Brooke Ostrander (teclado/flauta) e Joe Davidson (bateria), que dias depois acabou substituído por Tony Zarella.

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A sonoridade do grupo era de certa forma abrangente. Um pouco de rock, um pouco de pop, elementos folk e toques psicodélicos que davam à banda uma faceta hippie. Porém, a atuação do tecladista Brooke Ostrander (que também tocava flauta) deixava bem claro que a inspiração central do grupo era o Jethro Tull (eles até mesmo costumavam tocar um cover de "Locomotive Breath").

No início de 1971, o Rainbow fez seu primeiro (e único) show, num colégio em Staten Island, um bairro de New York. Na ocasião, Gene descobriu que havia várias bandas com o mesmo nome (lembrando que o Rainbow mais famoso, de Ritchie Blackmore, seria formado somente alguns anos mais tarde). Para evitar problemas com direitos autorais, Gene sugeriu rebatizar o grupo e Stan indicou o estranho nome "Wicked Lester", que acabou sendo escolhido.

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Em abril de 1971, acontece o primeiro show do grupo com o nome de Wicked Lester, no Rivoli Theater, em NY, seguido depois por um show beneficente. Estas foram as duas únicas apresentações públicas da banda com o novo nome. Dias depois, todo equipamento do grupo foi roubado do "loft" onde ensaiavam, forçando uma breve pausa. Neste meio-tempo, o então agente da banda, Lew Linet, conseguiu um contato com o produtor Ron Johnsen, que trabalhava como engenheiro de gravações no Electric Lady Studios. Ron concordou em gravar uma fita-demo do Wicked Lester e se tornou uma espécie de parceiro de Linet no agenciamento da banda, tentando conseguir um contrato com uma gravadora.

Com a fita-demo em mãos, Johnsen conseguiu agendar um "showcase" do Wicked Lester para executivos da gravadora Epic. O show não foi uma maravilha, mas chamou a atenção de um cara chamado Tom Werman, que acabou gostando do grupo e ofereceu um contrato de gravação: a Epic bancaria o estúdio Electric Lady e a banda seria chamada para gravar sempre quando sobrava um horário vago, geralmente de madrugada. No entanto, havia uma exigência: banda deveria se livrar de Steve Coronel e arrumar um guitarrista melhor. Ron Johnsen (que seria o produtor do álbum) foi quem deu a solução: usar um guitarrista de estúdio para as gravações. Ele próprio indicou o nome de Ron Leejack, que acabou assumindo o lugar de Steve Coronel oficialmente.

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As gravações (que aconteciam em dias esparsos e geralmente em horários bizarros, como 6 da manhã) tomaram o restante do ano de 1971 e adentraram em alguns meses de 1972. Foi durante as gravações que Gene e Stan decidiram adotar os nomes artísticos de Gene Simmons e Paul Stanley. Por volta de julho de 1972, o disco foi finalizado e entregue a Don Ellis, presidente da Epic. E veio o inesperado choque: o magnata achou tudo uma verdadeira porcaria e decidiu não lançar o material.

Com o "engavetamento" do projeto, as fitas originais ficaram sob poder da CBS (a Epic era subsidiária da CBS) até 1976, quando foram compradas pelo KISS e pela gravadora da banda na época (Casablanca Records) e guardadas a sete chaves. Por conta disso, esta fase embrionária do KISS ficou inédita e obscura por décadas. Foi só com o advento da internet que este repertório se tornou conhecido. Mesmo que por anos tenham circulado "bootlegs" (versões piratas) do material, ele ainda permaneceu por décadas cercado de mistérios e objeto de discussões entre os fãs, até se tornar item facilmente encontrado no YouTube, principalmente depois do KISS ter lançado o material em box-sets. Foi quando o público em geral pôde ouvir pela primeira vez as versões originais (e estranhas) de faixas como "She" e "Love Her All I Can" (lançadas pelo KISS no álbum "Dressed To Kill", em 1975), além de trechos de outras canções que foram aproveitados em clássicos da banda.

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A esta altura, Gene e Paul já haviam se tornado a força motriz por trás do Wicked Lester. Desafetos no início, os dois estabeleceram um forte elo de ligação, principalmente pela vontade de fazer a coisa dar certo (o que Stanley costuma chamar de "ética de trabalho").

Desde o início, a dupla tratava o negócio muito a sério, o que os levou à liderança em detrimento dos demais integrantes, retratados muitas vezes como não tão dedicados e até mesmo como músicos "meia-boca". Os dois se viam como diferenciados em relação aos demais colegas. E, obviamente, Gene e Paul não ficaram nada contentes com o desfecho do álbum do Wicked Lester. A qualidade da gravação não os agradou e eles logo concluíram que de fato não havia atrativos na banda a ponto de diferenciá-la de centenas de outras iguais, seja em termos de som ou visual. Era a época do "glitter rock", havia um grande interesse geral no aspecto visual e teatral, bandas como New York Dolls e Alice Cooper faziam sucesso nos EUA explorando um visual chocante com rock pesado, simples e direto, sem viagens existenciais ou solos de flauta. Mais uma cópia barata do Jethro Tull, com músicos semi-amadores que não sabiam se comportar num palco, não poderia mesmo despertar qualquer interesse.

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Era, então, a hora de se reinventar. A ideia de Gene e Paul (principalmente de Paul, já que musicalmente, Gene tinha um "background" mais ligado aos Beatles) era de investir numa sonoridade mais direta, crua e pesada, na linha de Zeppelin, Cream ou Hendrix Experience (influências de Paul). E nesta nova proposta não havia lugar para alguém que tocasse flauta, o que custou a posição do membro fundador Brooke Ostrander (que Paul não tecia lá muito apreço).

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E também havia a questão visual. O assunto "maquiagens" e "roupas extravagantes" já faziam parte das discussões a esta altura, principalmente pela influência do New York Dolls. O baterista Tony Zarella achou a ideia toda uma tremenda idiotice e acabou sacado do novo projeto. Ron Leejack, que originalmente seria o único a permanecer na nova empreitada, logo decidiu desertar, descrente que aquilo pudesse dar em alguma coisa.

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Reduzidos a uma dupla, Gene e Paul partem à procura de um baterista. Em agosto de 1972, eles encontram um anúncio na revista Rolling Stone: "Baterista de rock & roll procura grupo autoral para fazer música leve ou pesada". O nome do cidadão era pomposo: George Peter John Criscuola, um músico mais velho e já rodado, mas que na época trabalhava em um açougue e atendia pelo nome artístico de Peter Criss (a abreviação do sobrenome havia sido inspirada em Ringo Starr, ou Richard Starkey). O trio se encontrou pela primeira vez em frente ao Electric Lady Studios, em New York. Peter não era exatamente o tipo de baterista que Gene e Paul procuravam, mas chamou a atenção por usar umas roupas maneiras e principalmente por estar disposto a encarar qualquer coisa que poderia vir pela frente. Inclusive se vestir de "drag" (foi o que Gene lhe perguntou quando entrou em contato por telefone).

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O trio começou uma longa e exaustiva rotina de ensaios e tentativas de definir o novo visual. Em novembro de 1972 (já com maquiagens brancas), eles novamente se submeteram a um "showcase" para Don Ellis. O presidente da Epic de fato compareceu ao local, mas decidiu ir embora assim que eles começaram a tocar (diz a lenda que o irmão de Peter, Joey, cometeu a proeza de vomitar nos sapatos do executivo). Eles logo perceberam que faltavam mais peças neste quebra-cabeça; a banda ainda não estava pronta. E uma das peças, no caso, era um guitarrista solo dos bons.

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Paul Stanley publicou um anúncio no jornal Village Voice no início de dezembro de 1972: "Precisa-se de guitarrista solo que seja rápido e habilidoso. Um álbum está por vir em breve. Por favor, não nos faça perder tempo". Vários músicos locais responderam ao anúncio, entre eles John Segall (que adotaria o nome artístico de Jay Jay French dias depois, ao montar o Twisted Sister) e Bob Kulick. Mas foi justamente o último guitarrista a ser testado que chamou a atenção de todos: um rapaz magricela e esquisito, que usava um sapato de cada cor: Paul Daniel Frehley, que na ocasião já se apresentava com seu apelido de infância: Ace.

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Ace Frehley foi confirmado como o novo integrante no Natal de 1972. No início de janeiro de 1973 a banda enfim foi rebatizada, já que o nome Wicked Lester parecia desgastado e vinha dando um azar danado. E o resto é história.

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Sobre Marco Pala

Marco Pala, nascido em 1975 na cidade de Monte Alto-SP, é advogado, guitarrista da banda Roy Corroy nas horas vagas e um apreciador do bom e velho rock and roll desde a mais tenra idade.
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