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Iron Maiden: "Two Minutes to Midnight", a guerra sob a perspectiva do Fim

Por Rodrigo Contrera
Postado em 07 de março de 2017

Continuando minha saga pelas músicas de nossa paixão em comum (o Iron Maiden), pego para mim o caso daquela que era a segunda música de Powerslave mais promovida naquela distante metade da década de 80 (que foi quando eu conheci o Iron): Two Minutes to Midnight. Lembro-me bem de como, nos programas de música da época, a música era promovida em sucessão a Aces High (que já comentei aqui). Ela aparecia quando Aces não era a atração. Lembro-me da impressão que ela me causava, assim como do vídeo que era divulgado (e que hoje é considerado raridade, só porque depois foi feito um vídeo especial a respeito). Não tínhamos internet na época, claro. Muito menos o YouTube, para cotejarmos variações de vídeos. Tínhamos apenas a TV e as revistas das bancas (que ainda possuo). Nem vídeo tínhamos.

Iron Maiden - Mais Novidades

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Guerra Fria

Two Minutes discorre sobre a guerra. Como muitas outras faixas, principalmente posteriores, do Iron. Mas, se discorre, o faz de uma forma enviesada, não direta. Sua letra é complexa (na época eu achava confusa), sua forma de comunicar uma mensagem, estranha. Mesmo o vídeo feito posteriormente para a faixa deixa tudo meio nebuloso.

A guerra aparece como um medo. Como um estado de coisas. Porque estávamos na Guerra Fria. Mas a música não aborda o assunto diretamente. A Guerra Fria aparece como uma espécie de ameaça velada ou clara que apesar disso é mencionada, já de cara, no título. Dois minutos para a meia-noite. O momento em que as bombas estarão a postos para serem jogadas, de um e de outro lado do Atlântico (ou do Pacífico).

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Há vários artigos na web sobre o Doomsday Clock (o relógio que marcaria o momento em que o conflito iria efetivamente começar) (doomsday é literalmente dia do juízo final). Esse relógio vira, com o Iron, o mote para falar sobre a guerra de forma geral. E sobre o impulso de destruição em que as sociedades se veem envolvidas. Aqui, claro, o relógio, e o momento de dois minutos para a meia-noite, é apenas o mote. Mas para entendermos realmente o drama daquilo a que tudo remete é preciso ir mais longe. Bem mais longe. Tanto que por vezes a ideia da história me escapa, sendo que os detalhes parecem tornar tudo mais claro e ao mesmo tempo mais obscuro. Precisamos ir até a Segunda Guerra Mundial, num momento em que nada parecia definido.

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Status quo pós-Segunda Guerra

Vamos até a invasão da França pela Alemanha. Naquele momento, Hitler parecia dar as cartas. A suposta resistência francesa viraria pó. Por sua vez, Churchill, preocupado com a discrepância de forças nas frotas navais (a França era a segunda, após apenas da Inglaterra), não confiaria na posição do comandante francês e bombardearia os próprios franceses, que estavam, há poucas semanas, ao seu lado. Hitler não teve saída a não ser tentar invadir a Inglaterra pelo ar, mas não conseguiu (Aces High fala algo disso).

Os Estados Unidos, até então relutantes em entrar na guerra, invadem então a Europa, em conjunto com os europeus aliados, e desenvolvem, em segredo, a bomba atômica. Jogam-na no Japão, e o mundo agora sabe como destruir o outro e se autodestruir. Hitler tenta, em sua loucura conquistadora, acabar com a União Soviética, mas não consegue. O destino do mundo está traçado de alguma forma, mas também em suspenso. Hitler seria anulado. Uma nova arma, fatal, teria sido inventada. Os cientistas dos outros países se dedicam na corrida nuclear. A Alemanha não consegue fazer sua parte.

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Com a guerra definida, os grandes se reúnem, para ver o que restou. Para tentar entender que mundo agora temos. Tentam se entender, mas não conseguem, e a Guerra Fria acabaria se dando como efetiva. Stálin continuaria em sua sanha interna para acabar com qualquer oposição em suas fronteiras. Os Estados Unidos iriam se dedicar no esforço para reconstruir a Europa e o Japão. A URSS não desistiria de sua área de influência, e com o passar do tempo iria estabelecer claramente onde ela mandava.

A Alemanha iria ser dividida em dois. A Tchecoslováquia iria ser invadida. Em linhas bastante gerais, passa a haver uma divisão do mundo em dois, e um clima de tensão parece ocupar qualquer pequeno movimento geopolítico que ocorre, em qualquer parte do mundo. Os comunistas dizem temer o capitalismo. Os capitalistas dizem temer os comunistas. Os países passam a se dividir, no contexto mundial, em função da área de influência predominante. Nessa tensão, surge a possibilidade da destruição do mundo pelo cataclisma atômico. Nesse momento, surge o medo. E o ser humano se torna cada vez mais cônscio de sua intenção de morte, de matar, de destruir.

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Pós-Guerra Fria

Ou seja, vemos aqui uma situação criada aos poucos. Após uma tecnologia - a nuclear - ter se tornado uma possibilidade concreta - a hecatombe atômica -, e após um caso concreto - a derrota do Japão pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki. Vemos um cenário de terror e uma cena - o relógio - que nos afeta intimamente, por dizer respeito a algo que pode ter a ver com nossas próprias vidas. Claro que o mundo passou por diversos momentos em que o relógio quase bateu "dois minutos para a meia-noite". Esses momentos não são, porém, abordados na letra da música, que explicarei a seguir. Por exemplo, a crise dos mísseis em Cuba. Quem viveu aquela época sabe que realmente naqueles momentos de 1963 o mundo quase virou pó. Que houve heróis que se intrometeram e dificultaram que isso acontecesse. Que houve momentos de tensão, em que ambos os lados estavam com os respectivos dedos nos botões vermelhos.

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A crise dos mísseis de Cuba

"Treze dias que abalaram o mundo", filme dublado sobre a crise dos mísseis

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Mas a história passou e a gente finge que esquece. Quando a música foi lançada, o mundo ainda se dividia em pró-EUA e pró-URSS. Muito havia acontecido, é certo, mas o medo da hecatombe referia-se ao mundo pós-Segunda Grande Guerra, ainda. Havia guerras em diversos países, claro. Havia a intromissão dos exércitos norte-americano e russo em diversas partes do mundo. Mas o contexto ainda era o da Guerra Fria. Hoje, claro, o mundo é diferente. Com a derrocada da URSS, e criação da Rússia, assim como a independência de diversas províncias da então URSS, muita coisa mudou.

Ocorre que o medo permaneceu, e ele só diminuiu - um pouco, haja o caso da Coreia do Norte - por causa mesmo da capitulação da União Soviética e o desaparecimento (ao menos apenas formal) da Guerra Fria. Temos de entender, porém, que boa parte dos arsenais está ainda ativo. Que as potências continuaram desenvolvendo armas, inclusive balísticas de caráter nuclear - como o recente Satan 2, da Rússia, por exemplo. Que a luta pela tecnologia nuclear continua - como mostra o caso do tranquilizado Irã (para alguns, ainda sob suspeita).

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Mas precisamos voltar ao contexto da criação da música. Das referências que ela elenca. Dos medos que ela transparece. E do olhar crítico que a letra estabelece. Porque há, na letra de Two Minutes, toda uma forma crítica de ver o assunto todo. Toda uma forma bastante clara, embora restrita a imagens, de questionar esse medo da hecatombe nuclear. O que atrai mais, nesse esforço crítico, é a decifração da letra, como não haveria deixar de ser. Mas há também aspectos relativos à música, à melodia, aos riffs utilizados, e tudo mais.

Aqui, eu já aviso. Não sou especialista, como muitos aqui, nas referências que fizeram do Iron aquilo que ele é. Não sou especialista, e nem quero ser. Meus vôos por meio destes textos são de ordem contextual, e tô cagando e andando se por acaso "esqueci" de algum detalhe com respeito à história da banda para fazer este artigo. Tô cagando e andando, e desde já digo que, se você sentiu que algo faltou, o problema é exclusivamente seu. Meu contexto é outro. Minha intenção é falar do Iron, sim, mas em sua relação com a história que ele comenta, com materiais em vídeo interessantes que podemos captar por aí, por momentos da história, e especialmente por referências históricas e literárias. Esse é o meu foco.

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A música - o riff

Muito já foi falado e publicado sobre o riff de Two Minutes to Midnight. Desde o fato de que ele poderia ser um plágio (de Midnight Chaser, do White Spirit) até o fato de ele se assemelhar demais a outros riffs, tão ou mais famosos. Eu posto aqui o áudio da música do White Spirit, que o Adrian teria ouvido antes de compor Two Minutes, e também um vídeo com diversos riffs semelhantes que podem reacender ao de Two Minutes. Posto também um artigo do Whiplash em que se fala do primeiro assunto. Seja como for, o riff de Two Minutes é contagiante. E, mais que contagiante, ele embala uma energia que é, em si mesma, em grande parte responsável pelo porte da música.

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Post sobre o riff

O riff do White Spirit

O riff mais popular de todos os tempos

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Ocorre que, quando eu me deparava com esta música nos idos dos 80, eu não gostava propriamente dela. Achava a música legal, de forma geral, mas também um pouco lenta demais (ao menos no começo). E não entendia quase nada da letra, para falar a verdade. Two Minutes tem outros pontos positivos, porém. Ela aproveita muito bem a voz do Bruce. Ela lhe permite extravasar em termos cênicos, pulando, dançando e se entrosando com os outros membros da banda, no palco. A gente pode perceber isso pelos vídeos originais, em que a câmera está quase toda focada no Bruce, em sua ênfase expressiva, e em seus movimentos com os outros membros da banda. O Bruce já mandava ver aqui, e mostrava por que a forma física era grande parte de sua atração. Por sua vez, a música permite concentrar o foco, de forma variável, nos guitarristas, no vocalista, no baixista e no baterista. Tem espaço ali para todo mundo.

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A música em si

Mas vamos a Two Minutes to Midnight. Para falar sobre a música, irei me concentrar mais na letra. Mas irei me remeter, de forma variável, também, aos dois vídeos que existem dela, um, divulgado naqueles idos de 1984, e outro, um pouco mais tardio, em que existe toda uma trama (uma história, um enredo) acompanhando a música e as imagens capturadas do primeiro vídeo. A letra da música já permite avançarmos bastante em achados. Mas é o jogo com os vídeos que nos permite mesmo curtir isso que nós tanto conhecemos (e com que nos acostumamos), essa que se tornou uma das músicas mais conhecidas do Iron Maiden.

Two Minutes to Midnight (1984) (Versão original - rara)

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Pois então. O vídeo original (e hoje raro) começa com um pequeno relógio, prestes a cumprir dois minutos para a meia-noite, ao que parece simplesmente colocado no meio de uma parede - ou de um pedaço de papelão. É curioso, porque, ao menos na época em que eu via aquele vídeo nos programas de música de metade dos 80, essa clara improvisação não vinha à minha mente. Passava literalmente batida. Hoje, em que podemos reparar em maiores detalhes, isso é estranho. Por sua vez, o clima de dar as horas, ou seja, de se aproximar dos dois minutos era algo que fascinava. Repare-se também na pirâmide com o símbolo do olho que aparece no lugar do relógio. Quer coisa mais tosca do que aquela? Pois é. Mas para a gente, que queria um heavy metal interessante, isso não fazia a menor diferença. Era tosco, bem mal-feito, mas a gente não ligava.

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O momento a seguir, no vídeo original, era a figura, em sombra, do Adrian Smith, tocando o riff que caracterizava Two Minutes. Uma figura distante, como se num show, que também nos fascinava, aos fãs daquela época. A gente reparava logo ali que a figura era mesmo do Adrian, com sua guitarra Lado (aparentemente, pois procurei em diversos sites e não encontrei a certeza da marca dessa guitarra preta), fazendo sombra e conduzindo a banda (na época, ele usava guitarras Lado, como no disco anterior). Na sequência, claro, o volume era elevado (em um captador branco que aparecia em foco), e a banda era apresentada. Adrian bem na nossa frente, o Steve fazendo o contraponto em seguida, com a bateria forte, e o palco, naqueles que foram os vídeos da Donzela que mais marcaram minha trajetória de fã. Lembro-me bem do jeito de show desse palco, de como ele foi usado tanto para Aces High quanto para Two Minutes, dos collants que eles usavam, bastante coloridos, e do jeito livre e solto do Bruce no palco. Algo diferente de como ele aparecia nos vídeos de The Number of the Beast e de Run to the Hills, com pulseiras com tachinhas, e com um jeito mais selvagem (ele também estava mais forte ou gordo quando entrou na banda).

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Aqui é interessante, também, o fato de que o vídeo é gravado nisso que parece ser o palco da banda em shows, mas sem a presença do Eddie (reparem que atrás da bateria ele não está). As imagens que aparecem atrás dos músicos traduzem o universo de Powerslave, claro. E as cores delas, puxando para o amarelo, por um lado, e para o cinza, por outro, também fazem crer que isso seja bastante importante. A iluminação do palco também puxa para o amarelo, e os spots fazem crer que estamos num show, num verdadeiro show da Donzela. Nos levam lá para dentro, como se fôssemos fãs a curtir mais uma música de um show marcado para nós. A não-presença do Eddie é, contudo, relevante. Não temos seu imaginário, e parecemos meio deslocados nos assuntos do álbum, embora não inteiramente. Esse buraco, o vídeo com filmagem vai preencher. Esse vídeo foi lançado depois, se não me engano, mas não foi o primeiro a aparecer nestas bandas.

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Vídeo com filmagem

Vídeo original

No vídeo em que ocorre uma filmagem, o clima é parcialmente diverso, sendo que em diversas ocasiões, enquanto ele ocorre, são trazidas imagens para o vídeo original, este atualmente raro, em que o show da Donzela aparece em primeiro plano. Neste outro vídeo, existem personagens, e de diversos tipos. Mas não irei aqui me aprofundar neles. Irei falar algo sobre o clima que perpassa o vídeo como um todo, na medida em que ele conta uma história, sim, mas, mais que isso, passa uma impressão a respeito dessa história. E não estamos vendo um vídeo de primeiro nível, diga-se de passagem. Vemos um vídeo de divulgação de rock, e um vídeo que, embora tenha um tema e uma mensagem, não tem como objetivo se elencar como referência para todo o sempre. Pois nenhum vídeo da Donzela é assim. Todos são vídeos de passagem, de divulgação, para que possamos curtir melhor a música, para que possamos eventualmente comprar algum DVD, mas não vídeos que pretendem se manter na história. Como tudo na Donzela, sem frescura.

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O vídeo feito para a música começa com uma imagem de manchete de jornal, afirmando que mísseis teriam sido roubados. O vídeo é claramente filmado em Londres (ele até me reacende imagens de The Fletcher Memorial Home, do Pink Floyd). As imagens que aparecem utilizam diversos recursos interessantes, como lugares fechados, com luzes somente ao fundo. Ou mesas com muitos monitores de tv, fazendo as vezes - de forma artesanal - de muitas formas de monitoramento de lugares públicos. Como câmeras no meio da rua, dando uma ideia ainda mais próxima de monitoramento. Vemos também uma série de sujeitos, jovens, vestidos com uniformes militares, meio que comemorando alguma coisa (o roubo dos mísseis, é o que parece, ou o recebimento da grana, em momentos posteriores). Tudo - e imagens de jovens gritando, aparentemente descontrolados - fazem-nos crer no domínio ou no aparecimento da loucura.

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Enquanto isso acontece, aparecem homens mais velhos (um, que parece o chefe, e outro, que parece um traidor) olhando fixamente os monitores, como se estivessem no controle - ou quisessem estar no controle. Vemos imagens de pessoas carregando armas, fazendo crer que elas estejam no comando real da situação. E vemos o símbolo do olho, remetendo a Powerslave. Vemos que o aparecimento do olho conduz o enredo, faz com que as pessoas se mexam, e com que a história avance. Curioso é que o homem idoso que acompanha os vídeos de vez em quando vê o próprio vídeo da Donzela, e que homens de terno e gravata possuam um olho em suas camisas, mais propriamente em suas mangas.

Há negociação, há troca de maletas, há mulheres em roupas mínimas, há jovens comemorando, em chuveiros ou aparentemente drogados, há muito mais no vídeo da música. Vemos também documentos antigos, com hieróglifos, naturalmente conduzindo nossa mente a Powerslave, e tudo mais. No final, vemos os jovens, militares, pegando em armas e invadindo o local (inclusive pela janela). Uma figura em forma de bode controla tudo, ou parece controlar (uma figura que aparece inclusive como imagem de bandeira).

Roubo de mísseis

Muito já se falou sobre o roubo de mísseis tradicionais e nucleares. Eu mesmo, nas décadas de 80 e 90, lia muito sobre serviços secretos, máfias e outras tramas que poderiam estar envolvidas com roubos de armas, tráficos, abastecimento de ditaduras, etc. Mas sobre armas especificamente nucleares eu nunca li algo de mais aprofundado. Li muito sobre o Mossad, o serviço secreto israelense, e sobre a ligação das ditaduras latino-americanas das décadas de 60 até 90 com regimes ditatoriais diversos, assim como com fabricantes de armas como os russos, os norte-americanos, e mesmo os israelenses (ainda são comentadas no Chile a ligação do regime de Pinochet com fabricantes de armas de origem israelense, em especial para oprimir manifestações contrárias ao governo chileno).

Aqui, no vídeo, contudo, não podemos saber se tudo se refere a armas convencionais ou nucleares. Sabemos que são ex-militares em questão (os jovens que roubam as armas vestem roupas militares). Sabemos que são pessoas de origem ou formação duvidosa, que buscam mexer com essas armas na medida em que elas detêm o controle delas (ou apenas o uso). Seja como for, é como se o vídeo prenunciasse a ausência de controle por armas que podem fazer com que tudo descambe num conflito de maiores proporções. Ou seja, tratamos de mercenários.

A música - e a letra

E é nessa chave de mercenários que a letra começa. "Matar pelo lucro ou atirar para mutilar / Mas nós não precisamos de uma razão". Lembro-me claramente de quando eu repetia esse refrão, vendo o Bruce gritá-lo no começo da letra de Two Minutes. Lembro-me também de que naquela época eu lia sobre estratégia, e que iria fazer Filosofia e Ciência Política posteriormente. Estava fazendo cursinho, e logo iria passar em Jornalismo. Tudo isso que dizia respeito a guerras era algo que me atraía. Mas eu não entendia bem a letra. Ela parecia dizer algo que ainda não fazia parte de meu universo. Claro, eu iria fazer cursos e entender o peso dos mercenários em tudo isso que diz respeito a geopolítica (Clausevitz e Sun Tzu, dentre muitos, falam sobre eles). Iria entender o que é a geopolítica. Iria ler livros clássicos sobre o assunto. Iria ler bastante mais sobre armas. Mas aqui eu era defrontado com uma música agressiva que falava de mercenários.

"O Ganso de Ouro está solto / E nunca fora de estação". Aqui, uma explicação. A tradução literal da letra é Ganso de Ouro, sim, mas ela remete à fábula de Esopo, que se referia à galinha dos ovos de ouro. Seja como for, é uma referência a algo, uma vantagem financeira, um ganho expressivo, que estaria sempre sob o olhar de quem visa levar vantagem. Aqui estamos no registro ainda dos mercenários, que tentam a toda hora tirar vantagem da situação. "O orgulho negro segue queimando / Por entre esta casca de traição sangrenta". Aqui tudo se refere claramente a ex-militares, que se sentem traídos, e que sentem o orgulho queimando neles mesmos. Ou seja, visam tirar vantagem de uma situação porque consideram-se, enquanto profissionais, e homens, ou militares, jogados para o lado, para trás ou para fora do jogo. "Eis aqui minha arma para um pouco de diversão / Pelo amor dos mortos vivos". Aqui fica claro o que o ex-militar está fazendo: trazendo o que ele sabe fazer, matar, as armas, para tirar vantagem e para se divertir com elas. Ou seja, a letra, que antes me parecia bastante estranha, aqui tem um sentido claro. E que tem bastante a ver com o vídeo feito para a música.

Refrão

Eis que surge o refrão. Um dos mais conhecidos da banda. "The killer's breed or the demon's seed"... Quem é que ainda não cantou esse verdadeiro hino de Powerslave (existem outros)? Todo mundo, não é? Pois então. Aqui, não irei me ater tanto ao significado do que está sendo dito (sobre o que já falarei). Ao contrário, irei me ater a algo mais sutil, que diz respeito à música em si, ao jeito dela no atual momento, e ao clima que deixa passar ao ouvinte. Porque vemos o baixo conduzindo, num refrão, uma música que depois irá se acelerar, mas que aqui assume um clima quase melancólico. Como se estivéssemos tentando imaginar a situação desses ex-militares, ao se verem diante da situação de venderem armas ou privilégios para que outros possam colocar o mundo todo em risco. Essa melancolia tem a ver com uma situação de traição, em que a política estaria traindo o âmbito militar, e também em que o mundo se vê diante de uma situação que ele mesmo, o mundo, criou (e que fica clara na segunda parte do refrão, que naquela época não me agradava muito). Mas é uma melancolia que pode abranger os militares, sim, mas que também pode dizer respeito à sociedade como um todo, ou mesmo a uma forma mais existencial de encarar o assunto.

Mas vamos ao refrão. "A cria do assassino / Ou a semente do demônio". Claro, estamos falando de guerra, estamos falando de assassinos, estamos falando do mal. "O glamour, a fortune, o sofrimento (ou a dor)". Nada mais costumeiro em quem trabalha com guerra, morte e conquista. Haverá algo de glamouroso naqueles militares que vão lá para longe, jogar suas vidas em questões nas quais nem confiam? Bom, os filmes mostram que sim. Filmes de guerra, jogos de guerra, imaginários de guerra, estão e sempre estarão dentre os que mais vendem em todos os lugares. Basta vocês procurarem no Google Trends para se convencerem disso. Por sua vez, filósofos, cientistas políticos, politicólogos, e nós mesmos, seres humanos, sabemos o quanto a guerra nos atrai. Por sua vez, a guerra atrai dor e da maior imaginada. Nada mais natural. Há quem considere que a vida é uma guerra. Bom, cada um com sua própria filosofia. "Vá para a guerra de novo / O sangue é a mancha da liberdade / Nunca mais reze pela minha alma". Estamos então no ambiente de guerra, em que o sofrimento passa a assumir um caráter positivo (liberdade), mas em que não somos mais passíveis de reza. Daí vem o refrão principal.

"Two Minutes to Midnight / As mãos que amedrontam a condenação". O refrão principal se atém ao imaginário dos dois minutos para a meia-noite, do relógio, e mostra seu significado humano. No caso, as mãos que amedrontam a condenação deve dizer respeito ao chega para lá fornecido pela decisão (mãos) de criar uma guerra, independente de qualquer condenação humana que lhe seja devida. Ou seja, o cara que resolve entrar em guerra, nos dois minutos para acabar com tudo, está literalmente não dando a menor bola para qualquer juízo, ou para qualquer juízo final (embora o Doomsday seja o chamado juízo final). "Two minutes to midnight / Para mater o não nascido no útero". Aqui tudo é também bastante claro. Uma guerra que irá matar aquilo que ainda não nasceu. Ou seja, matar toda a humanidade que está por vir. Aqui é interessante eu me lembrar do filme Os Imperdoáveis, do Clint Eastwood, em que um homem comenta que ao matar outro mata-se o que foi, o que é e qualquer coisa que poderia vir a ser. Mata-se o futuro. A guerra como uma espécie de aborto não espontâneo.

Uma ideia mais viva do que foi o napalm

"Os cegos gritam, deixam as criaturas saírem / Nós mostraremos aos descrentes // Os gritos de napalm de tochas humanas / Num banquete de primeira ao estilo Belsen // Enquanto (surgirem) os motivos para a matança / Cortem suas carnes e lambam o molho // Nós lubrificamos as mandíbulas da máquina de guerra / E a alimentamos com nossos bebês". Toda essa transcrição é perfeita para falarmos de diversos aspectos da guerra e de guerras que já se foram. No caso, os cegos que gritam não sabem o que acontece, os atingidos pela guerra não conseguem entender (são as criaturas), e os descrentes não conseguem acreditar. No quê? Na pura lógica da guerra, claro. Essa lógica é ditada por atos selvagens, como com napalm (que os Estados Unidos jogaram inescrupulosamente no Vietnã), ou nos campos de concentração, que os alemães não inauguraram, mas que tornaram um estado da arte (os campos de Belsen foram apenas alguns deles). A arte da morte. Lembremos dos laboratórios que os alemães conduziam com os judeus e outros povos que torturavam, prendiam ou levavam até a morte. Há motivos para tanta matança? Não importa, os motivos podem até surgir, mas a guerra transcorre, muitos morrem, alguns fazem a carne de muitos mero churrasco, e há quem aproveite (lamber o molho). Enquanto isso, as máquinas de guerra são aprimoradas, lubrificadas suas mandíbulas e alimentadas com os bebês de quem simplesmente sofre, que sofre o efeito da guerra. Como eu e minha irmã quando os aviões no Chile caíam, jogando as bombas.

Wikipedia sobre Berger-Belsen:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bergen-Belsen

Um pequeno relatório da época sobre Berger-Belsen

Nesse ponto, a música dá uma esmaecida, uma parada, e entra o solo do Adrian, com a banda por trás, acompanhando. Este trecho é interessante por criar uma expectativa e por permitir um solo que mantém-se em suspenso para a força da banda vir à tona depois. Essa expectativa também dá um ar diferenciado à música como um todo, que chega rasgando depois de uma espera que parece remeter aos dois minutos para a meia-noite da música. As guitarras aparecem de forma bastante sutil, especialmente o acompanhamento do Dave ao solo do Adrian. Tudo então volta ao que era antes, com o mesmo riff inicial, e com uma letra que acrescenta mais camadas à porrada.

Mais letra e música

Australia (Flight 666)

Mas a música e a letra avançam. E curioso, porque avançam no sentido de se tornarem mais agressivas, e mais historicamente localizadas. "Os sacos de corpos e pedaços de crianças partidas ao meio". Claro, o Bruce volta à toda, então sua postura agressiva funciona favoravelmente. É difícil não entrar em seu ânimo de metaleiro. Aqui, claro, a guerra é referenciada pelos seus efeitos, pelos sacos de corpos que restam após a guerra, e com as crianças - o ser mais indefeso - transformado em pedaço de carne. A gente tende a se sentir enojado com as imagens, mas elas realmente estão aqui para chocar, o que se torna patente nos versos a seguir. "E os cérebros pastosos dos que sobraram / Para apontar o dedo para você". Sim, porque aqui os que sobraram apontam os dedos para os responsáveis pelas guerras. E esses são os militares, sim, mas também os políticos. Apontam o dedo culpando, sem vocês não haveria guerra. Ok, pode ser. Mas também todos nós estamos envolvidos nelas. Como qualquer um que chegou perto de uma guerra civil - como eu - sabe muito bem. Por outro lado, os dedos apontados para quem está a fim de uma guerra por intuito vingativo - os ex-militares - é algo interessante. A gente sente-se de fora da linha de tiro. Seja como for, todos estão envolvidos nos dois minutos para a meia-noite.

Rock in Rio 2001 (com letras)

"Enquanto os loucos brincam com palavras / E nos fazem dançar a sua música". Quem seriam esses loucos? Quem faz uso da palavra com o intuito de obrigarem os outros a seguirem seus destinos? Os políticos, claro. E os políticos não estão de fora da linha de tiro desta música, que também os acusa. "Na melodia de milhões de famintos / Para fazer um tipo melhor de arma". Aqui os versos conectam-se aos anteriores, e dizem respeito ao contexto segundo o qual os políticos nos obrigam a seguir seus desígnios. Essa melodia de milhões de famintos é a situação de incerteza, de pobreza, da qual os políticos fazem uso e na qual pegam carona. Por outro lado, resta um tipo melhor de arma? Que arma seria essa? A arma da fome, claro, da escassez, que torna o contexto mais favorável para criar novas armas - como na atual Coréia do Norte, por exemplo. Não sobra muito para ninguém. Todos são colocados em questão, os militares tornam-se passíveis de entronização, por um lado, mas também de crítica, por outro, na medida em que eles querem a guerra. E os políticos também se aproveitam.

A música está chegando ao fim. Ela avança rapidamente, o ritmo se acelera, o refrão principal diz "two minutes to midnight / It's all
night", ou seja, que dura a noite inteira. Uma meia-noite que dura pela noite adentro. Talvez porque continue enquanto medo, enquanto algo que precisamos esperar, e pelo que temos de lamentar. As câmeras envolvem toda a banda, de vez em quando fazem algum zoom em algum instrumentista, mas terminam de repente. E a figura do Bruce "sobe" o palco (num efeito hoje risível), sem antes deixar de encarar os espectadores. A música não é curta, tem mais de 6 minutos, mas não percebemos. Ela tem recursos mais do que suficientes para nos seduzir e deixar ir até o fim.

Hit

Não foi à toa que Two Minutes to Midnight tornou-se um épico na carreira do Iron Maiden. Surgiu no momento certo, foi bem divulgada, tem um enredo muito rico e interessante, e puxa para outras músicas, que vieram depois, também sobre guerra. Foi a primeira incursão definitiva da banda no universo das guerras, que se estenderam durante a década de 80, 90, 2000 e até hoje. Cada uma abordada de uma forma. Aqui, esse medo da Guerra Fria, do Holocausto nuclear, está bem posto e bem servido. Os fãs se espalharam pelo mundo cantando a música, sendo o riff copiado ou não. Pouco importa.

Bom, paro por aqui. Curti bastante fazer esse texto, em especial colocar alguns links de maior contextualização do assunto. Sugiro que os vejam para que tirem ainda mais do trabalho. E, claro, da música!

Up the Irons! Até a próxima!

Comente: O Iron Maiden sabe abordar a guerra nas suas letras?

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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