Alice in Chains: a atemporalidade de Facelift e Dirt
Por Paulo Severo da Costa
Postado em 20 de outubro de 2016
"Somos uma elite racial a parte / maconheiros, viciados e anormais"
Layne Stanley em Junkhead
"Em 1990, o rock n´roll passava por uma fase de transição equivalente ao abismo entre as grandes navegações e o Iluminismo - um hiato, profundo, obscuro e inóspito que limitava o glam festeiro e inconsequente dos anos 80 e o mundo pós-muro da década seguinte. O assalto do grunge e o fim das plumas e paetês simbolizavam a retomada da sonora do desolamento; da aridez sonora em contraste com a pálida felicidade dos anos preliminares ao novo milênio". Há quatro anos eu iniciava com uma resenha sobre esse recorte: a notoriedade de uma linha imaginária (porém incontestável) entre o fim de uma reciclagem do lado pueril do início dos anos sessenta para o vórtice ameaçador do começo dos anos 70- Vietnã, ditaduras, crises econômicas e drogas cada vez mais pesadas, transmutadas em uma crise de identidade juvenil que se apegava mais a lápide fria de Seattle do que à claridade praiana da Califórnia, vinte anos depois.
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"Há uma sinceridade brutal, mas preocupantemente honesta nas letras... como uma forma de cortar o próprio corpo e deixar que os ouvintes olhem dentro dele"- a conclusão da Spin Magazine sobre Dirt (1992), segundo full do ALICE IN CHAINS poderia matar o PMRC do coração diante da análise de versos como "Quero experimentar a picada suja da pistola / em minha boca / e minha língua"(trecho da faixa homônima do álbum). "Essas músicas vem de um lugar real. Não são canções escritas para consumo comercial. São escritas completamente por alguém eu se arrastou por dois quilômetros sobre navalhas enferrujadas. E isso transparece na música- a ansiedade, a tortura, a angústia física mental", afirmou o produtor DAVE JERDEN. As guitarras em Drop-D de JERRY CANTRELL e a decadência desesperadora de LAYNE STALEY não politizavam, não doutrinavam, tampouco eram mera recreação- funcionavam mais como uma expiação da morte precoce de ANDREW WOOD, a antevisão da morte precoce de KURT COBAIN e de um rótulo que se implodiria em pouquíssimo tempo. O "grunge" nunca se auto sustentou como algo que agregava bandas tão distintas como PEARL JAM, MUDHONEY ou SOUNDGARDEN; antes eram retratos de melancolia de um dos últimos resquícios (até aqueles tempos) de uma juventude que estava de saco cheio da venda de um futuro promissor em meio a uma realidade que mais se assemelhava ao celeiro fedorento do clipe de "Man In The Box".
"Facelift" (1990), o antecessor de "Dirt" foi descrito pela ALLMUSIC como "sinistro, sufocante e nada hedonista". Ainda prévio a dependência que ceifaria STALEY e o baixista MIKE STARR anos depois, já se arrastava com seu mix alternativo/sludge/hard de "Sea of Sorrow" e do pré epitáfio de "We Die Young": "Outra viagem ao beco / Bala procura o lugar para te derrubar / Então você é acertado / E você deveria saber melhor / Mais rápido nós corremos / E nós morremos jovens". A dinâmica de "FACE", apesar de claramente mais límpida que de seu sucessor, carregava (propositalmente) a falta de acordes e encaixes melódicos como em "Alive" do PEARL JAM: se assemelhavam mais a um afogamento do que à uma trilha comercialmente "viável".Os solos de CANTRELL lembram uma furadeira dentro do crânio, enquanto STALEY berrava "Eu sou o homem na caixa!"- uma referência a censura, mas que poderia muito bem simbolizar a doença que é tentar ser o homem comum. Como disse certa vez: "Meus maus hábitos não são a minha maior características. Meu ponto forte é meu talento"- uma tentativa desesperada de recriar-se num ambiente externo a si quando percebeu que o ambiente era irrecriável.
Vinte e poucos anos depois, o cenário musical (midiático), é cômodo, asséptico, certinho. De canções passamos para fórmulas, de obras completas passamos à peças promocionais, de admiradores da música e parceiros passamos a haters escondidos sob o anonimato da rede, de artistas passamos a celebridades. Essas palavras são minhas. Mas poderiam estar em um desses discos. O próprio STALEY já colocava as coisas na vala comum quando afirmou: "Ser eu não é diferente de ser ninguém".
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