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Iron Maiden: Os indícios de uma virada em The X-Factor

Resenha - X-Factor - Iron Maiden

Por Rodrigo Contrera
Postado em 03 de dezembro de 2016

Era 1995, eu estava ainda amargando os dissabores da vida familiar, numa família em queda livre - se não abrupta -, quando surgia esta peça do Iron, com um novo vocalista, o Blaze Bayley. Eu não acompanhava muito o noticiário musical, acho, porque nem havia me dado realmente conta da saída espontânea do Bruce, nem reparara direito no novo cara que chegara. Hoje todos sabem que o Steve passava por problemas familiares, e ficou mais do que conhecido o dito de que este álbum representa um lado negro, obscuro, da banda - um momento que iria ficar representado por faixas fúnebres ou funestas.

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Mas gostaria de discordar um pouco, além de tentar ir além. Porque aqui eu, que conheço o Iron há muitos anos, identifico uma virada epistemológica (de conhecimento) nos álbuns deles todos, que passariam em retrospecto a passar a ter uma carga filosófica mais questionadora, mas não necessariamente fúnebre. Faço isso, claro, muitos anos após comprá-lo, e agora que a calma me permite dar mais atenção a aspectos que antes passavam batido ou aos quais não dava realmente importância. Talvez porque não escrevesse no Whiplash, não sei. Ou quem sabe porque envelheci e tudo com o tempo, com os anos, se passa para nós em parte em retrospecto. É o sabor da idade.

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Resenhas

Outras resenhas aqui no site (como por exemplo uma de 2011 que acabo de ler) destacam claramente os dissabores pelos quais a banda e o Steve mesmo passavam. Nos últimos meses, saiu inclusive uma matéria dizendo que o Steve teria admitido acabar com tudo, com a banda, naqueles idos. É interessante, claro, conectarmos a vida e a obra, e assumirmos que uma coisa naturalmente teria levado a outra. Mas essa é uma leitura muito acabada e simplista que deixa para trás, em grande parte, os méritos intrínsecos do que foi produzido, ou seja, da obra, e portanto uma leitura que fica rastejando tentando buscar explicações para coisas que talvez não estejam bem naquilo.

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Lembro-me, por exemplo, da impressão absurda que me causou a imagem que o CD apresenta em sua capa. Um Eddie sendo torturado e absolutamente massacrado diante da máquina. Pois o que me surpreende, mais do que o estado dele, hoje, é o fato de a máquina sobressair, de a tortura assumir um destaque, sendo que isso fica bastante patente na imagem interna, no encarte do CD, em que o X aparece enorme e a estrutura de tortura transparece sua força e sua majestade. Porque, mais do que o estado lastimável da figura, vemos o processo, o procedimento da tortura, e a incapacidade do personagem de escapar do seu destino. Não vemos, claro, o Eddie em certo porte majestoso, como no futuro, ou dominando os seres humanos ou em pleno estado de guerra. Vemos um ser indefeso, cortado ao meio, decepado por metais aqui e acolá. Não deixa de ser majestoso estarmos diante desse tipo de espetáculo.

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Hoje, claro, dizem que esse aspecto é um sinal evidente do clima sombrio do CD. Pode ser, claro. Mas pode ser também um sinal dos tempos, uma reverberação de temas que estavam sendo abordados mas que não haviam encontrado ainda uma forma ou formato adequado para virem à baila ou existência. Eu mesmo sinto que, apesar do clima sombrio, o CD atrai justamente por não ter peias ao abordar os assuntos, e ao retirar de dentro dos autores (no caso, principalmente Harris) uma inspiração mais profunda e, por que não, mais exaltadora dos valores em que acreditamos.

Steve Harris

Mas, antes de entrarmos nas músicas, um breve excurso sobre o dono do Iron, o ariano baixista Steve Harris. Por que falar sobre ele, aqui? Primeiro, porque se concebe que X Factor é como é por causa dele. Ocorre que o Steve sempre foi um cara discreto. Sempre um cara que colocou a banda na frente, os interesses do Iron por cima dos de todos os integrantes, inclusive dele mesmo, e que concebo bastante difícil que tenha deixado que o clima fosse diferente justo agora, quando sofreu o divórcio (sendo pai de quatro filhos com a ex-mulher) e numa fase transitória da banda.

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Eu sempre admirei o cara. Em primeiro lugar, como compositor e letrista. Não nego que sua ênfase em história, em filmes e tudo o mais foi sempre o que tanto me cativou na banda. Por outro lado, suas composições sempre foram bastante ágeis e rápidas, marcadas e com um jeito compassado parecendo marchas ou reacendendo a atração por elas. Por sua vez, sempre deu para notar que as grandes viagens estilísticas e temáticas do Iron eram devidas quase exclusivamente a ele. Porque não dava para imaginar que os outros integrantes tivessem tal grau de fixação em certos temas. E por outro lado o Steve sempre passou-me a impressão de ser um humanista. Um homem que, por mais focado nas guerras como sempre esteve, passava uma impressão de acreditar no ser humano e em ideais.

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Nesse sentido, parece-me realmente difícil que ele fizesse a banda se contaminar tanto por dramas exclusivamente pessoais. O que me parece, em X Factor, é que ele deve ter passado por provações e questionamentos imensos, e que isso fez com que ele passasse a se dedicar a temas que antes estavam mascarados por outros assuntos ou por filmes ou por outras pegadas menos, digamos, relevantes. É assim que eu vejo como ele aborda alguns temas aqui, neste CD. Como se ele estivesse repensando questões que para ele sempre foram importantes, mas que aqui se tornam patentes e claras. Como a questão da religião. Ou a questão da guerra. Ou a questão da falta de escrúpulos dos homens de terno. Ou seja, é como se aqui o Steve estivesse se defrontando cada vez mais consigo mesmo. E é aí que eu vejo parte da virada do CD na carreira do Iron, algo que foi contaminando os outros CDs seguintes, e que continuou assim.

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Sign of the Cross

Mas vamos às faixas. Um aspecto que sempre me surpreendeu nesta primeira do X Factor é a ênfase bastante aguçada que a banda dá aos cantos religiosos que vão bem no começo da faixa. Pois é como se, citando um O Nome da Rosa, a gente estivesse metido em um mosteiro, como se os pensamentos dos monges estivessem rondando o recinto, e como se o canto nos dissesse algo que tem a ver conosco mesmos - não sabemos em qual língua os cantos são recitados. E é assim que eu começava, quando comprei o CD, a curtir o clima de X Factor, pelo andar temeroso de um crente que parecia não acreditar, ou que era renitente em seu coração. Porque eu me lembro que nessa época considerava a grandiosidade da faixa algo atemorizante, e que chegava inclusive a VER uma cruz ao longe, altaneira, dominando a paisagem e caindo em mim, fazendo-me crer que estava sendo testado.

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Nesta faixa, por mais que falem mal do Bayley, sua voz bem mais grave que a do Bruce se sai maravilhosamente, embora sem uma segurança tamanha que nos faça crer que ele poderia aguentar ser frontman do Iron por muito tempo. Porque notamos como ele se esforça, e olha que está no estúdio. A letra, por outro lado, remete, claro, à busca da cruz, ou da Cruz, e como quer que chamemos nosso destino. E, se por um lado a afirma, ou seja, afirma a cruz e nosso destino, por outro lado remete a uma perdição no fim, como se não tivéssemos forças ou convicção suficiente para carregá-la. É uma faixa perigosa, porque se ficasse apenas na cruz, assim, desse jeito do começo, poderíamos acreditar que fosse uma faixa de crente, de um recém-convertido. Mas não é. É uma faixa em que ao final notamos a perdição bem à nossa frente, algo bastante humano, com que sempre temos que nos defrontar.

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Por outro lado, há toda uma dramatização na figura da pessoa que fala, e a pegada de marcha nos mostra bem a situação do sujeito. As primeiras estrofes são praticamente apenas mencionadas, ditas, e com a entrada da marcha a gente entende o drama. A letra comove quem já passou por isso, e faz crer que quem fala sabe do que está falando. Por sua vez, a menção aos Onze apóstolos (e não doze, porque Judas não conta), faz nos crer que a salvação está sendo oferecida por nós, mas que nós não conseguimos nos salvar. Ao final, interessante notar como o que impede o homem de se salvar não é a soberba nem nada, mas a luxúria, pura e simplesmente. Não me meto a entrar na ideia de que possa ter sido uma confissão, mas entendo que era preciso salientar contra que pecado o homem que narra estaria perdendo a batalha, e é a luxúria.

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A faixa se estende por mais de onze minutos, sendo que mal sentimos o tempo passar. Ao contrário, reparamos na integridade da mensagem que está sendo dita, e percebemos que é por alguém que sofre, realmente. Não se faz um libelo como esse impunemente. Comento outro detalhe, com respeito à arte do CD, no que se refere a esta faixa: há uma versão do Eddie sendo massacrado pela máquina com as vestes sacerdotais aparentemente de um papa. E isso é bastante forte, até por remeter a pintores como Bacon, ao grito que ele expressa em suas pinturas, e a muita coisa mais. Há também outras artes circulando por aí, em que Eddie aparece carregando um crucifixo embalado em sangue, e por aí vai. Mas não entremos nessa, que é bastante cabeluda. Nem sei aliás se essas imagens são autorizadas.

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Sign of the Cross, claro, utiliza um canto no começo e no fim que a maioria das resenhas identifica com o canto gregoriano. Eu mesmo tenho minhas dúvidas quanto a isso (basta pesquisar sobre canto gregoriano), mas de qualquer forma foram (os cantos) formas de trazer para dentro ainda mais a trama, e a energia.

Lord of the Flies

A tradução literal leva-nos ao romance de William Golding, Nobel de 1983, com este livro escrito na década de 60, e bastante pouco sucesso. O Senhor das Moscas. Claro, podemos ler o livro, que narra os acontecimentos de crianças presas numa ilha paradisíaca, cumprindo papéis alegóricos, que os verbes de wikipedia ajudam-nos a deslindar. Mas não precisaríamos ir tão longe, porque as mesmas fontes nos dizem, o epíteto serviria para chamar o próprio demônio, o Belzebu, como sendo o Deus das Moscas. Notamos em que registro estamos, bastante distanciado da ideia de bem ou de cristandade, na verdade distante 180o, como se pudéssemos de fato decidir sobre nós mesmos, e como se a dúvida cruel quanto a podermos tudo ou não estivesse resolvida. A letra da música passa bem isso, porque ao invés de se prender na trama do livro se coloca na pele de quem pode se entronizar como Belzebu, como o senhor das moscas.

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Pois o tempo todo parece haver uma dúvida: fazermos isso ou não, pagarmos o preço, sermos afinal quem todos temem? É curioso também que a música tenha feito tanto sucesso, alcançando até as paradas inglesas, pois ela não é uma música, cá entre nós, seja bonita ou agradável. Ao contrário, bebe da fonte do desgosto, e nos deixa meio que a meio caminho entre a felicidade e a intenção de consegui-la. Seja como for, uma faixa pela qual eu passava batido, tentando optar por faixas mais agitadas, menos reflexivas, até porque eu mal entendia inglês à época (embora devesse). Aqui então novamente parece que o conflito está introjetado, que nada é dado de antemão e que estamos às voltas, mais do que com certezas, com dúvidas cruéis.

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Man on the Edge

Esta aqui foi com certeza a faixa que mais me atraiu no CD tão logo eu o comprei. Não sabia que ela era uma composição do Bayley, que se originava do filme Um Dia de Fúria (Falling Down), com o Michael Douglas, que na época mesma eu vi, nem que tinha diversas versões de vídeos, que fui conferir depois (uma versão, digamos, fechada, feita em estúdio, com trabalhos de luzes e sombras, e outra feita numa locação externa, provavelmente em algum país do Oriente Médio). Na época, então, eu só tinha mesmo a faixa, que expressava a energia que eu queria, mas que também mostrava uma faceta mais soturna na rapidez do baixo e das guitarras.

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A ideia do homem no limite é clássica, ainda mais hoje, em que nos vemos cada vez mais dominados pelas circunstâncias. A faixa expressa bem essa faceta da contemporaneidade, e a traz de forma bastante esquizofrênica, em guitarras que parecem duelar consigo mesmas. Na época, eu lia a letra e entendia o clima, e compartilhava do momento. Hoje, claro, temos a faixa em versões diversas, com o Bayley, com o próprio Bruce, e andamentos levemente diferentes. Mas na época era sua energia que me cativava. Uma energia própria do Iron de sempre, embora eu começasse a me acostumar, em X Factor, com andamentos mais lentos e mais soturnos. Isso, claro, levou muito tempo para acontecer, e ainda acontece.

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A maior novidade, a meu ver, deve ser que a faixa, apesar do andamento rápido, não era de autoria do Steve, e portanto não partia dos mesmos pressupostos, nem tinha a mesma ambição. Pois eu já me acostumara com a pegada do Steve numa ambição livresca e em melodia que ia para além. Esta faixa, não, ela era mais comedida, tinha uma pegada nervosa que salientava outra vontade, e portanto não pretendia ir além. Uma faixa bastante interessante, claro, que virou single e que mantinha a dúvida do homem diante de questões que pareciam ultrapassá-lo. Nem comento o filme, que na época causou-me uma impressão bastante forte, e que depois vim quase reviver em questões pessoais. Porque são poucos os que realmente conseguem passar pela vida sem enfrentar seus limites.

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Fortunes of War

Um sinal do ensimesmamento do Steve (e das músicas) está, a meu ver, a partir de certo momento na carreira do Iron nas introduções que o Steve começa a fazer com o baixo em solo, numa pegada que assume tinturas similares diversas vezes em faixas a partir de X Factor. Esta faixa, "Fortunes of War", vai nessa direção específica. E mais: de duas formas, pois embora a faixa comece com esse baixo solitário, quando em 2 min mais ou menos a pegada muda ela também assume as mesmas características. Vemos também como o próprio Steve abusa de baixos acústicos em shows, e como diversas vezes faz uso de novas sonoridades, a partir do baixo, para criar novos efeitos.

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Aqui, neste caso, estamos na mente de um militar após os combates, não conseguindo lidar muito bem com os restos que a guerra deixou dentro de si. Um tema clássico para quem acompanha a filmografia a respeito, abordado por diversos diretores em direções também bastante diversas. Claro, deve ser difícil lidar com a loucura em situações pós-traumáticas, e ainda mais difícil interpretar isso em linguagem de ser humano. Pois é a isso que ele, o autor, se dedica aqui, tentando avançar nesse campo minado. É uma faixa bastante sutil, que a partir de certo momento assume a tonalidade característica do Iron sem deixar de assumir um lugar bastante especial em nossa sensibilidade. A música não avança, porém, apenas atribuindo um caráter marcial àquilo que ocorre na mente do coitado que narra, mas aos poucos, aos saltos, com uma voz bastante hesitante do Bayley, que deixa aqui bastante claro seu limite vocal. A marcha assumida, depois caímos na pegada mais forte de um Iron que já deixa claro que não veio aqui apenas para nos interiorizar no drama. Afinal, é uma banda de rock, e de heavy metal. Uma tentativa de coro vai encerrando a faixa, que termina suavemente.

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Look for the Truth

Aqui não adianta procurar fontes. A música, aqui, parece realmente ser ela mesma. Uma música que começa calma e que assume um caráter quase fantasmagórico até o momento em que o refrão domina, assim como um ooooohoh que para alguns deve assumir um caráter bastante básico e chato. Mas esta música, quase mais do que qualquer outra do CD, representa isso que quero afirmar: aqui a navegação é interna em mares bravios, e pouco importa o que fica para fora, importa é a dúvida que o narrador inculca para seu interior. Neste caso, essa dúvida cai numa busca, a busca pela verdade, mas mesmo assim a música é tão doída porque sentimos que é sincera. Doída, claro, me refiro especialmente ao começo, em que Bayley finalmente dá umas levadas de voz mais potentes e expressivas.

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Confesso-lhes, contudo, que esta faixa eu mal ouvia antes, eu mal reparava nela quando comprara o CD, e bem depois, porque não era esse Iron ao qual eu estava na época acostumado. Eu sentia um lamento excessivo, e nunca fui um sujeito para se lamentar muito (hoje mudou, porque as fontes do lamento são concretas e escapam à minha vontade). Eu sentia algo muito pessoal, que era, mas não sentia - como expresso hoje - o quanto esse clima de dúvida poderia contaminar o trabalho criativo da banda, ali e para depois. Notem, por exemplo, que os grandes hits dos 80 em que vemos um sujeito perdido não sentimos tanto da dor que corresponde a essa perdição toda. Por exemplo, em Hallowed Be Thy Name, ou em Rime (até porque ele se encontra depois). Vemos uma trama sendo narrada, ao invés do sofrimento encalacrado de um sujeito que por vezes se sente sem solução. Aqui, vemos a perdição total, e uma busca. Sem haver motivo algum para isso, pelo menos um motivo literário, ou uma fonte outra (como filme). Tudo, aqui, é bastante tosco e original. Um clima que iria, de alguma maneira, ficar.

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The Aftermath

Há quem diga (não conferimos ainda) que este CD tem quatro músicas sobre a guerra. Bom, esta seria apenas a segunda. Uma música com letra bastante pouco inspirada, mas com referências diversas a guerras que ocorreram em outros continentes. Referências suficientes para qualquer aficionado se esbaldar. Mas uma faixa em geral lenta (menos ao final, em que o Iron finalmente dá uma palhinha de sua capacidade) com um tom de questionamento e lamento que parece ir pra além da guerra, da batalha ou do conflito em si. Isso porque podemos questionar se Stalingrado teria sido realmente necessária, se o afundamento do Yamato era uma fatalidade inevitável, mas não conseguimos questionar a guerra em si. Aqui, é como se o narrador se questionasse quanto a isso. Claro, lamentar as guerras qualquer um de nós pode lamentar. E questionar por que tanta violência. Mas tudo a história, se não explica, ao menos justifica. O resto são cadáveres.

Judgement of Heaven

Como sou doente (esquizofrenia paranoica, controlada), e sujeito a períodos de depressão profunda, creio estar sabendo muito bem o que é passar por períodos de descrença atroz, de desespero, e de tentativas de suicídio. Meus últimos meses têm se dado em meio a idas ao acompanhamento psicológico e psiquiátrico, para pegar remédios, para ser atendido com bastante dificuldade pelo SUS, e em meio a crises de depressão que me pegam sem que eu consiga controlá-las na hora - só depois aparece, mas MUITO AOS POUCOS, uma pequena luz. Calhou também que nos últimos meses eu tivesse passado por uma reconversão religiosa radical, ao catolicismo, que tem me proporcionado alguns prazeres no compartilhamento espiritual em missas e outros eventos. Tudo isso faz com que eu entenda e sinta esta música em toda sua integridade. É como se ele, o autor, estivesse traçando minha própria trajetória, como se estivesse abrindo o livro de minha vida, e compartilhando-a com todos. Até porque a questão do julgamento final entra também em questão durante as crises, seja de forma doutrinária, seja de forma efetiva. Afinal, os suicidas não podem ser tratados com tanto carinho quanto as pessoas comuns, que não se matam - o que acho uma injustiça, como é claro.

A música em si é algo mais esperançosa que as outras, e leva a outros rincões de nossa alma. Pois, embora ela também seja bastante depressiva, ela abre um espaço para alguma saída, essa do julgamento celestial, do céu. E realmente é o que nos salva - na música. Quanto a se o ouvinte capta a mensagem e o drama, é com ele. Eu aprecio muito, e me leva a bons lugares em minha própria sensibilidade. Aqui também não temos uma desculpa (livro, filme) a basear o que se sente: tudo aparece claro, cru, chapado até, como se fosse dado, como se estivesse dado há muito, muito tempo. Uma trama bastante religiosa, e gostosa de se lidar.

Blood on the World's Hands

Já comentei que, por volta deste X Factor, é que o baixo passou a ser mais amplamente usado em pequenos solos introdutórios, que dão uma energia bem mais baixa à cena mostrada. Pois aqui isso fica bem claro, numa série de piruetas em solo do Steve com seu baixo (imagino que com as cordas lisas dele mesmo). Vemos ali uma ampla utilização dos harmônicos em efeitos que nos causam uma estranheza mas que não por isso estão dentre os melhores solos de baixo que eu conheço. Não estou metendo o pau. Simplesmente o efeito é algo limitado, mas, como alguns comentam nos grupos de fãs, aqui e do exterior, plenamente justificado e até necessário. Isso porque a faixa entra em seguida bastante forte e porque realmente parece precisar de uma introdução mais, digamos, "elevada".

É então esta a terceira faixa em que o Steve se decide a tocar o tema da guerra, já sob um ponto de vista mais humanista. Novamente o foco do narrador é ele mesmo, seus questionamentos, e a guerra é tratada sob um ponto de vista mais abrangente, menos focada na batalha em si, também menos no trauma, e mais no contexto social e cultural, Como se o mundo pudesse se ver contrariamente à guerra e à sua ocorrência.

A faixa é uma das minhas preferidas no CD, pela pegada menos roqueira que as outras, com um andamento mais ponderado e forte, e pela qualidade da gravação. Lembro-me que com ela eu curtia bastante na época do lançamento, e que não questionava sua letra, nem nada que pudesse dela advir. Uma faixa ironiana típica, com muitos admiradores mas que, apesar do tema e do seu andar, não joga a energia tão lá para baixo quanto outros insistem em dizer. Ao contrário, é uma faixa bastante comedida, mas sempre à la Iron Maiden.

The Edge of Darkness

Tem gente que acha que a faixa deveria ter se chamado The Heart of Darkness, dadas suas referências ao livro de Joseph Conrad, Coração das Trevas, assim como a sua origem relacionada ao filme Apocalipse Now. Tem gente até que acha que o nome não utiliza heart por questão relativa a direitos autorais. Seja como for, as origens para esta faixa são nobres. E quanta nobreza. Um dos maiores livros de todos os tempos e outro dos maiores filmes de todos os tempos (seja qual for a sua versão). Peças de arte que fazem com que reflitamos sobre nossa condição humana, mais do que qualquer tratado de filosofia ou relato em primeira mão. Aqui, a peça de ficção se torna um contraponto a nós mesmos na realidade, tenhamos enfrentado ou não uma guerra, uma batalha ou alguma coisa similar.

Assim como para alguns fãs que comentam a faixa, Edge não abriu espaço em mim no começo, quando ouvi o CD pela primeira vez. Parecia uma faixa sobre guerra, e eu já assistira Apocalipse Now, mas, sem a devida contextualização, não me meti a tentar conectar uma coisa com a outra. Preciso dizer que o filme de Coppola é a meu ver, sim, um dos maiores sobre o tema da guerra e da humanidade (ou da desumanidade), mas não está dentre aqueles que formataram minha cabeça desde cedo - quem sabe porque eu mesmo vi um golpe de Estado, quanto tinha apenas 6 anos de idade, no Chile. Na verdade, considero que muito do que se descreve sobre guerra deixa a dever a reflexões que façam jus ao seu nome, até porque depois de nos mudarmos para o Brasil fui repórter de geral e policial durante um tempo. Isso, claro, formatou a minha mente e a crueza de meu espírito. Então, pouco realmente passou a me surpreender desde então.

Mas estamos falando de obras de arte, não da vida nua e crua. Diversos fãs, em diversos grupos, comentam como a faixa lhes aparece na mente tão longo pensam sobre o filme, e vice-versa, e considero isso de um pedigree sem tamanho - até porque não consigo vislumbrar um Duna sem o background de To Tame a Land. Não consigo mesmo. É algo inapreensível por quem não tem a sensibilidade ironiana, eu acho. Só sei que comigo é assim, e creio que com muitos ainda seja também assim. É um efeito realmente que surpreende. E que aqui se repete, talvez pelo andamento lento do começo dela, que rememora os helicópteros sobrevoando a selva, bem no começo do filme, ou porque aos poucos somos conduzidos por isso. Para logo em seguida sermos jogados no meio da guerra. É bastante surpreendente como conseguimos conectar as coisas, como tudo leva em seguida em outra direção. E como não saímos do filme, ao ouvirmos a música, e vice-versa.

2 A.M.

Mas é tão curioso esse final do X Factor. Porque esta música, de tão simples (na letra), parece retirada de um manual punk ou mesmo de um pedido para um receituário de autoajuda. O cara chega à noite, cansado, do trabalho, e não vê razão para a sua vida. É isso. O resto, só lamento. É uma espécie de apanágio irônico daquilo que muitos de nós devemos enfrentar. Ou uma tiração de sarro. Ou um real lamento pelas coisas, como elas se desenrolam. Quase parecemos VER o Steve Harris sozinho em sua bela casa sem nada para fazer, sem os filhos, ou podendo vê-los somente em determinado momento do dia, ou dia determinado. Um vazio. É interessante também que a coisa esteja assim, neste momento, porque deixa bem claro: o narrador, aqui como em várias outras faixas, não sabe mais. Ele não sabe mais o que está acontecendo. Pega-se surpreso pelas calamidades em sua vida, e não tem o que fazer.

The Unbeliever

E aqui, a comprovação do que digo. Um solilóquio maluco de um sujeito consigo mesmo, questionando todo seu comportamento passado e mesmo o que sente e vê em seu interior. Um sujeito unbeliever (incrédulo, diferente de descrente) que se vê sozinho no mundo, sentindo tudo ficar fechado, encerrado, nele mesmo. Ele questiona que sempre fugiu, que nunca conseguiu enfrentar o mundo, que sempre tentou se esconder. Claro, pode até tudo isso remeter a um filme (quem sabe, este não procurei), mas é uma remissão a uma incredulidade que contagia (porque a música é boa para caramba). Uma pegada pesada para fechar com chave de ouro este elenco de músicas sobre as quais tentei explanar minha tese: de que em termos de Iron Maiden, há um momento X em que as coisas começam diferente, e que um diálogo interno mais sofrido, sem certezas, parece dominar boa parte das tramas futuras. Claro, porém, que isto aqui não é uma tese verdadeiramente: foi uma forma de curtir ainda mais este CD que me agrada tanto, e que vejo meio jogado para trás, como se não valesse a pena.

Uma injustiça, claro.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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