Fla Mingo contou com a galera para quebrar o gelo em filmagem de clipe
Resenha - Fla Mingo (Red Star Studios, São Paulo, 07/07/2023)
Por André Garcia
Postado em 14 de julho de 2023
O biênio 1972-73 está eternizado na história da cultura pop como a era de ouro do glam rock na Inglaterra — reinada por David Bowie e Marc Bolan em todos os seus excessos e excentricidades. Meio século se passou desde então, e muita coisa mudou. É necessário em 2023 que alguém mantenha acesa a chama de 72? Para Fla Mingo, sim.
Em 7 de julho, sexta-feira de temperatura amena, a banda foi até o Red Star Studios para as filmagens do clipe de "Homem do Espaço", uma homenagem a David Bowie. Com uma pontualidade de arrancar sorriso de um inglês, cheguei às 20h. Lá encontrei o vocalista Flaviano terminando uma filmagem sozinho enquanto os instrumentistas se descontraíam molhando a garganta na porta ao lado, o Bomber Pub, entre a passagem de som e o começo das filmagens para eles.
No interior do estúdio, cores saturadas e tons que um daltônico não ousaria descrever. Luzes, um raio ao centro, franjas na bateria, e aquela coisa de plumas que não sei o nome no pedestal.
Tenso aquecimento
Os instrumentistas começaram a tocar sem público às 20h30, para registrar planos mais próximos. A banda foi instruída a acompanhar a gravação da música, condição que me pareceu ter atrapalhado seu jogo. Como um time de futebol jogando futsal (ou vice-versa). Era como um time habituado ao toque de bola errando passes de 3 metros no aquecimento. Pode parecer simples, mas para um músico dividir sua audição entre a gravação e o que ele está tocando é complicado.
Após alguns takes, o vocalista Flaviano entrou no decorrer da música com o que me pareceu um choque térmico: uma energia de palco que se chocou em outra atmosfera. Ele começou dublando o vocal, pouco convincentemente. No segundo take o baixista já o disse para cantar de verdade por cima da gravação: "Como se fosse o Raça Negra no Domingo Legal".
Vendo da telinha da câmera, achei a fotografia bem Top of The Pops nos anos 80, de apresentações de nomes como The Cure e The Smiths. Ficou melhor na telinha, ou seja, um bom trabalho. Deve ter sido muito bom para a direção o fato de os guitarristas estarem usando instrumentos visualmente idênticos. Eu pensei que tivesse algum motivo por trás da escolha, uma referência a Stanley Kubrick ou algo assim, mas ao perguntar me pareceu que não.
Após alguns takes, a banda completa já estava na mesma sintonia e mais habituada à guia, mas ainda não tinha emplacado um certinho. O tempo urge, entretanto, e às 21 horas foi a última tomada antes da entrada da galera. Com uma breve homenagem ao recentemente falecido Zé Celso, começou o show.
Sobre limões e limonadas
Pareceu para eles um alívio não ter mais a guia, como se pudessem agora se mover livremente. Uma das primeiras músicas foi "Homem do Espaço", que saiu em uma versão melhor do que as anteriores. Parecia haver uma tensão entre os músicos, apesar disso, talvez fosse o fato de estarem sendo filmados.
Lá pela quarta música a corda lá do baixo não aguentou a emoção e arrebentou. A troca do instrumento de improviso foi uma adversidade, mas acabou sendo interessante. O baixo de Rafael Plaza tem um timbre mais pulsante, mais Motown; o substituto que ele arrumou na hora tinha um único captador enorme, próximo à ponte, com uma sonoridade menos orgânica, mas maior e mais definida.
Me pareceu que o instrumento era apropriado para ser tocado de forma mais sutil, mas a intensidade extra empregada por Rafael por força do hábito deu ao seu som um ar estrondoso, tipo Gene Simmons e John Entwistle.
Os guitarristas Pedro Zanchetta e Alexandre Lopes jogam mais pelo time do que pelo destaque individual, geralmente tocando coisas diferentes e complementares (como magistralmente feito pelo Television). O volume adicional potencializou no baixista seu papel de ditar o ritmo o anunciar as curvas e viradas à frente. E ainda se aventurou pontualmente a sair jogando com riffs mais projetados ao primeiro plano.
Em toda a apresentação, o clima foi de confraternização entre os músicos e o público, no clima de show na garagem do apartamento (no melhor sentido da expressão). A típica apresentação afetuosa que parece uma festa de aniversário onde a banda é a aniversariante. O público era diverso como não poderia deixar de ser. Gente de toda cor, gênero, sexualidade, estilo e cor de cabelo. Todas ali reunidas e conectadas por sua relação com o Fla Mingo (que cada pessoa deve ter uma diferente).
É importante que, embora tenha como meta manter a aceso o espírito de 1972, eles não se limitam musicalmente a imitar ou reproduzir os sons da época. É mais como um novo drink para refrescar uma velha sede. Entre suas referências estão muito presentes a soul music, new wave e rock alternativo.
Super-Tra quebra o gelo
Na segunda parte do set list, Flaviano trocou de figurino para uma versão mais minimalista do outro (em termos de pele coberta). A seguir veio a parte mais caliente do show, puxada pela minha música preferida, "A Super-Tra" — dividindo o vocal com Louis Vidal, da banda A Olívia. Aliás, pude constatar que "A Super-Tra" é um hit entre os fãs. Tanto que ali foi o ponto alto em termos de energia da plateia, e a dose extra de ânimo parece ter virado a chave do quinteto.
A partir dali, eles parecem ter aquecido, engrenado — parecem ter abstraído, gravação, câmera, clipe e tudo mais; tocar como se só estivessem eles e os amigos ali. Os passes de 3 metros que erravam no aquecimento, não erraram mais nenhum.
O show acabou 22h30, e Flaviano vestiu de volta o figurino para aquele das filmagens para mais uns takes. A banda voltou a tocar com a gravação como guia, mas, como em um enredo de redenção, dessa vez eles tocaram certinho. Pareciam ter conseguido finalmente tocar como queriam no começo. Parecem terem deixado de tentar acompanhar a gravação para fluir com ela.
Os quase 50 presentes viram uma banda com uma ideia clara na cabeça, mas sem uma fórmula, um mapa. Se descobrindo no caminho, Fla Mingo é uma obra em construção — como um camaleão caminhando sobre diferentes terrenos para experimentar suas cores. É como uma dessas peças de teatro que vão sendo construídas no palco conforme são apresentadas.
Acredito que no futuro a banda mudará de faces como máscaras (assim como David Bowie), então vale conhecer sua atual fase (e face) enquanto ela é o presente. Para novidades sobre o lançamento do clipe acompanhe o Instagram.
Setlist:
Último Trem
Homem do Espaço
Não Somos Santos
Você Bem Sabe
Corra Baby Corra
Dragão Cósmico
Darling Cha Cha Cha
Dissabor
Dor, Amor!
A Super-Tra
Pensar é Perigoso
Abro a Porta Nua
Los Amigos
I Will Survive
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