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Motorhead: Assistir a banda é, antes de qualquer coisa, um privilégio

Resenha - Motorhead (Via Funchal, São Paulo, 18/04/2009)

Por Glauco Silva
Postado em 25 de abril de 2009

Quantos sexagenários você conhece que sobem em um palco, tocam com os amps no talo, bebem e fumam como condenados, e ainda levam à loucura milhares de fãs ensandecidos? Posto isso, assistir de novo a uma apresentação do Motörhead não é apenas divertido, insano e energético: trata-se, antes de qualquer coisa, de um verdadeiro privilégio.

Fotos: Alexandre Cardoso

Apesar de retornarem com uma mais que saudável freqüência à terra brasilis, ainda é impressionante ver como Lemmy, Phil e Mikkey sempre arrastam gigantescas hordas de seguidores encantados com a música e atitude do longevo trio britânico. No Via Funchal cheio (e arredores) dava pra ver de tudo: headbangers, punks, casais, crianças, coroas, bêbados, caretas… todos em harmonia e esperando ansiosamente - e com surpreendente paciência - para terem seus tímpanos impiedosamente estourados.

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Explicando a questão paciência: o show da atração principal foi adiado em cerca de uma hora, devido ao atraso na liberação alfandegária do equipamento que veio de Recife (onde se apresentaram na noite anterior)… a mim, particularmente, veio a calhar pois infelizmente não consegui chegar à capital a tempo de ver o Baranga - que, faço questão de registrar, teve um desempenho correto e bem elogiado segundo testemunhos que colhi, com destaque ao guitarrista.

Às 23h30min as luzes se apagam, e a lendária trupe inglesa adentra o palco: Mikkey primeiro, Phil e finalmente mestre Ian Kilmister, a quem muitos chamam de "deus" - e este escriba se inclui entre os que crêem fielmente. O arrepio é inevitável quando, empunhando seu Rickenbacker, Lemmy se aproxima do microfone ao alto e anuncia, com aquela voz inconfundível: "We are Motörhead… and we play rock 'n' roll!" - mesmo já tendo presenciado essa cena mais de uma vez ao vivo. Já começam quebrando tudo com a clássica "Iron Fist" e, como era de se esperar, uma gigantesca roda se abre no meio do povo. Sem tempo pra respirar, já mandam outra favorita de seu arsenal de hinos: "Stay Clean", perfeita e já dando pra sacar algo que rolou durante toda a apresentação: a mudança no andamento, um pouco mais lenta que nas gravações originais.

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Seria demérito ou truque para mascarar a inabilidade/cansaço da banda? De forma alguma: ao contrário de muitos que abusam deste expediente (não convém citar nomes, o leitor atento saberá identificar um bom punhado), o Motör conseguiu através dessa sacada tornar sua música AINDA MAIS pesada, chegando a ser quase claustrofóbico algumas vezes. Após "Be My Baby" e mister Campbell dar um belo grau em seus Marshalls (o som ainda não estava no volume ensurdecedor que sempre caracterizou sua carreira), mostram na nova "Rock Out" que fazem rocks de primeiríssima: afinal, o que são 34 anos de estrada sem dar o menor sinal de cansaço ou estagnação? Impressionante, pra dizer o mínimo.

Aí mandaram a deliciosa "Metropolis" pra fervura subir novamente na platéia, e desenterraram a pequena pérola "Another Perfect Day", do álbum homônimo de 83, que só de uns tempos pra cá tem tido seu devido reconhecimento. Lemmy já mostrava não estar lá muito satisfeito com a sonorização, e o motivo de sua irritação ficou evidente após uma falha técnica que sabotou o início de "Over The Top". O frontman contornou de boa conversando com o povo, e rapidamente o som foi normalizado para a seqüência com "One Night Stand", "You Better Run" e a contagiante "I Got Mine".

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Aí veio o primeiro solo da noite, e o Phil mandou ver com algo meio em falta no mercado: feeling puro. A última vez que assisti os caras foi no Monsters de 96, e então senti mesmo a falta do contraste com o alucinado Würzel na segunda guitarra - mas isso agora se tornou uma vaga reminiscência. Pra quem acha que tocar muito guitarra é fritar em milhares de notas por minuto, a lição de classe, segurança e precisão do titular das seis cordas há 25 anos foi memorável - e emendada na bela "The Thousand Names of God", que fecha o mais recente álbum do grupo.

Outro clássico recente, a grande "In The Name Of Tragedy", precede um solo fenomenal do Mikkey Dee: ainda é impressionante o quanto o sueco desce o braço em sua Sonor, e desde seus dias com o King Diamond! Não pára um segundo de agitar durante o show, brinca com o público, faz chover baquetas, esbanja e força e agilidade tal qual um garoto… quaaase dá pra esquecer que um dia o grande Philty 'Animal' Taylor já se sentou naquele glorioso trono de pratos e peles no fundo do palco.

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Falando nos velhos tempos, mandaram então a surpresa de "Just 'Cos You Got The Power" do EP 'Eat The Rich', que trouxe saborosas memórias sobre o primeiro show de Metal que assisti na vida, deles mesmo, no Ginásio do Ibirapuera no já longínquo 1989 (show que, aliás, só foi completado uma semana depois, no Projeto SP, pois os geradores não agüentaram!). A desaceleração que mencionei no início desta resenha atingiu seu ápice nesse belo cutucão aos políticos, fazendo com que a longa canção atingisse uma proporção quase épica - até pelo inspiradíssimo solo do Phil… que peso monolítico, pra mim foi disparado o destaque do repertório.

Se o Lemmy já gostou de conversar/provocar o pessoal na intro da última, o deleite foi ainda maior na seqüência-apelação que seguiu: "Going To Brazil" (escrita quando voltavam da primeira excursão à nossa terra), "Killed By Death" e a locomotiva "Bomber"… ufa! Pausa pra respirar pro encore final, que começou bem light com a deliciosa "Whorehouse Blues" apresentando Mikkey e Phil no violão, Lemmy só cantando e ainda mandando uma respeitável canja na gaita. Aí veio o tiro de misericórdia, trazendo a casa abaixo com seu hino mais esperado: "Ace Of Spades". Clássico atemporal, que não perdeu sequer uma centelha de sua capacidade em incendiar platéias.

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Como era de se esperar, o coice "Overkill" encerrou o massacre com o pique lá em cima: lágrimas, hematomas (de quem fica nas rodas como eu) e enormes sorrisos estampados em cada uma das faces que populavam a casa paulistana. Um show magnífico, preciso, esgotante, liderado por mister Kilmister, nada menos que um exemplo de vida: bem-sucedido, saudável, com longevidade e integridade inquestionável em mais de três ininterruptas décadas de história nos anais do Heavy Metal. Obrigado… e amém, Lemmy!

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Sobre Glauco Silva

36 anos, solteiro, estudou Linguística e Engenharia de Alimentos na UNICAMP. Tem sua sobrevivência (CDs, cigarro e cerveja) garantida no trabalho em uma multinacional. Iniciado no Metal em 1988, é baixista/vocal do LACONIST (Death Metal) e acredita fielmente que o SARCÓFAGO é a melhor banda do universo.
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