Rock Nacional: a música de hoje é um lixo?
Por Fernando Moraes
Postado em 24 de agosto de 2015
Estava zapeando na TV e eis que paro num filme de 1985, exibido pelo Canal Brasil: Rock Estrela. O filme conta a história de um cara que estuda música clássica e vai morar com um primo roqueiro, interpretado por Leo Jaime. Como pano de fundo, o filme mostra bandas proeminentes do Rock nacional da primeira metade dos anos 80. Clássico! Depois de ver o filme, como de costume, fui buscar aquelas bandas no Youtube para relembrar alguns sucessos daquela época. E nos comentários – ah, que delícia – a maioria dos que opinaram deixava aquelas velhas frases que provocam pânico em todos aqueles que trabalham com música autoral: "hoje a música é um lixo", "nunca mais vai aparecer alguém melhor que eles", ou "não se faz mais música como antigamente".
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Passava os olhos até que vi a seguinte opinião de um tal João. Vocês falam isso porque não conhecem o que acontece na cena independente, tem muita gente com qualidade igual ou superior que estes aí. Aí a porra ficou séria e o papo ficou quente. Vocês já imaginam a enxurrada de críticas que o cara levou: "Você não sabe nada", "você não conhece música de verdade". Parecia um corintiano defendendo seu time na torcida do Palmeiras ou do São Paulo.
Pois bem, a briga foi esquentando até que o tal João, educadamente, explicou que muitas bandas dos anos 80 só faziam sucesso porque os empresários pagavam "jabás" pra que as rádios tocassem sem parar as músicas de seus artistas. E ele ainda deixou claro que não estava questionando a qualidade daqueles grupos (eu mesmo fui ouvir no Youtube apenas para lembrar músicas das quais gostava muito).
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Trazendo para os dias atuais, acabo de escutar pela 5ª vez seguida a coletânea "A Cena Vive SP", o primeiro volume que traz 20 artistas independentes, idealizada pelo grupo que leva o mesmo nome. No encarte, muito bem bolado, vários grupos com muita qualidade, entre eles NDK (que encabeçou a empreitada), 5prastantas, Mercúrio Cromo, Jamirulus e outras mais. Sem medo de errar, digo que algumas bandas presentes nesta coletânea poderiam ter sido sucesso estrondoso nos anos 80, se as condições fossem as mesmas, se a indústria fosse a mesma, se a grana investida fosse a mesma. Imagino quantas boas bandas, por falta de padrinhos, não ficaram às margens do sucesso.
Também penso o quanto estas mesmas bandas boas oitentistas poderiam estar penando e na mesma luta que a gente, caso vivessem em nossa época em que a indústria está com os sertanejos universitários Brasil afora. E, mais além, penso em todas as bandas dos anos 70 com extrema qualidade que nunca fizeram sucesso nacional, simplesmente porque o sistema ainda não estava pronto para o Rock e eram épocas de reinados de outros reis.
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"Tudo muda o tempo todo no mundo", pra ficar numa frase de um Rock clássico dos anos 80. Provavelmente o mesmo Lulu Santos que embalou multidões naquela época estaria, com todo seu talento, tocando "Telegrama" em barzinhos, sendo vítima de casas "traga seu público e toque ou pague para tocar", ou pelejando para obter a atenção de seus pais e amigos. Se dependesse do talento, jamais iria à "Califórnia viver a vida sobre as ondas". Fatalmente, seu talento, como o do pessoal da Ultraje a Rigor, seria "Inútil".
Mas não adianta chorar. Não vivemos nos anos 80 há três décadas. Não temos a indústria do nosso lado. Não sabemos mais nem qual é a da tal indústria e se ela tem este poder todo (acho que não). O que temos? Temos é uma vontade incontrolável de fazer música e chamar atenção para nosso trabalho, além de muita disposição em cooperar um com os outros. E, principalmente, temos também a ousadia de pessoas como este tal João, que, educadamente, desafia o senso comum e apresentam, mesmo àqueles que não têm muita disposição para conhecer, artistas que mostram que sim, há qualidade na música feita hoje no Brasil, independentemente se toca em alguma FM ou não.
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Enquanto a fama não vem – só para terminar com trocadilhos infames (risos)-, "raspas e restos nos interessam".
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