Procuramos Independência!
Por Anderson Nascimento
Postado em 24 de dezembro de 2003
Quando atualmente falamos em pop/rock nacional, logo nos vem à mente nomes como "Chalie Brown Jr", "Detonautas", "Jota Quest", "CPM22", "O Rappa", "Capital Inicial", "Engenheiros do Hawaii", mas você certamente estranharia se alguém respondesse "Noitibó", "Cactus Cream", "The Feitos", "Fernando Pennafort", "Relespública" e outros nomes até agora incomuns para o grande público. Bom, para quem quer saber, existe sim, vida por trás do grande escalão de gravadoras e artistas que a mídia despeja por aí, em muitas vezes de qualidade duvidosa.
A ascensão da Internet como meio de comunicação e o barateamento de equipamentos para gravação e afins, fez crescer ainda mais o mundo independente na música brasileira. Isso, de fato, tem ajudado na proliferação destas bandas. O que acaba acontecendo é que uma pessoa vê uma banda legal tocar e atingir uma certa fama no underground e acaba querendo montar a sua própria banda, tocando o tipo de som que mais lhe agrada. Muitas delas seguem e permanecem por muito tempo no circuito alternativo, até que uma grande gravadora resolva contratá-la.
É o caso da banda de Curitiba "Relespública", que após oito anos de estrada, conseguiu enfim ser contratada pela Universal, onde lançaram o excelente "O circo está armado". Em alguns casos, o vislumbramento de estar em uma grande gravadora dura pouco. No caso da Reles, eles voltaram a ser independentes e provaram que pode-se lançar um belo disco longe dos domínios de uma grande gravadora. A banda acaba de soltar o álbum "As histórias são iguais", que está sendo distribuído pela Monstro Discos.
Segundo Marcelo Teófilo, diretor da gravadora Ettorerock, as bandas que estão lutando por um espaço precisam batalhar muito a fim de criar um público que goste e que acompanhe o trabalho, "É um fato que qualquer artista tem que possuir público formado para justificar o interesse e o investimento por parte das empresas do setor. Artista sem público é o mesmo que um produto sem consumidor, ou seja nada. Os selos, como as gravadoras, vivem de resultados e não de sonhos", afirma.
Mas até chegarem ao ponto de construir um público fiel, a luta é muito grande, o processo é moroso e delicado. Os ensaios, além de tudo, são uma boa oportunidade para começar a criar este público. As pessoas começam a acompanhar o crescimento da banda desde sua gestação, e acabam tendo um comprometimento até mesmo com o sucesso da mesma no bairro, na cidade e posteriormente no estado de origem. Essas pessoas que são mais próximas acabam sentido-se parte da banda, e são muito importantes para o desenvolvimento da mesma. A partir daí, o público em volta da banda começa a crescer, os que conhecem o grupo divulgam para os seus amigos e por aí vai. "Até que você passa na rua e ouve algum desconhecido cantando sua música, aí é emocionante", é o que diz Paulinho, baixista da banda "Projeto:Paradoxo", que está em estúdio gravando o primeiro cd-single. Quando então os shows ficam mais frequentes, aí é que o trabalho começa a atingir um número maior de pessoas, principalmente no caso de shows de abertura para bandas maiores e de festivais. E para cativar este público, cada banda tem a sua forma de fazê-lo. Para Paulo Metello, vocalista, guitarrista e compositor da banda "Cactus Cream", o fundamental para a conquista de um público fiel, é ter muita verdade e entrega nos shows e nas composições da banda, "o que realmente vale é fazer a música que você acredita, e isso sempre acaba sendo transmitido ao público", completa.
Alex Luiz, da banda Noitibó, que está lançando seu primeiro cd pela Ettorerock, diz que na verdade não existe uma fórmula pronta para se conquistar o público, "o problema é que o público não é uma coisa só, esse lance da cultura de massa nos impede de ver a individualidade por trás da platéia, por isso acho que o mais importante é seguir aquele eterno chavão de tentar ser o mais próximo de si mesmo porque é muito mais difícil você sustentar uma coisa, só pra agradar as pessoas como se você soubesse tudo o que eles gostam, quando isso é irremediavelmente impossível". Neste ponto, parece que todas as bandas concordam, quando se está no palco, não adianta tentar enganar o público mostrando ser o que ou quem você não é, pois a identificação público-banda é um fator decisivo para que este seja fiel à banda, é tudo uma questão de ideologia.
Por falar em apresentações, o perfil dos artistas independentes vêm mudando já há algum tempo. A questão da personificação da obra tem sido um fator padrão na preparação de um show. Enquanto víamos há um tempo atrás, bandas recheando suas apresentações com cover de outras bandas (no Rock In Rio 3 eu lembro de pelo menos duas bandas que fizeram isso), perdendo a oportunidade de divulgar mais o seu trabalho, hoje os artistas com trabalhos independentes, não têm visto isso com bons olhos e concordam que é possível fazer apresentações tocando apenas músicas autorais.
Daniel Sollero, vocalista da banda Moebius, criada em 1997, afirma que sua banda até tem covers na manga, mas que dificilmente as toca em seus shows. Mesmo assim Daniel vê um ponto importante na execução de músicas de outros artistas, "por outro lado, fazer um cover ajuda o público a entender a orientação e o som da banda". O músico carioca Fernando Pennafort, que também está lançando um disco pela Ettorerock ainda este ano, acrescenta que o artista deve estar em um espaço físico apropriado para a execução de músicas autorais, além disso, no seu caso, ele acha que não prolongar muito o show também ajuda no quesito aceitação.
Bom, mas se a banda não toca músicas conhecidas do grande público, de onde vem o interesse em estar ali ouvindo um monte de músicas novas? De acordo com o vocal Alex Luiz da "Noitibó", a mentalidade do público é o que fala mais alto, pois o público que vai às apresentações da banda, já sabe que não ouvirão hits do "Nirvana" ou "Metallica" e sim um trabalho independente, "isso inclui um risco que na verdade é o mais interessante", completa. Paulo Metello, do Cactus Cream, entende que o cover tocado na hora certa e na medida certa, pode ser uma grande jogada para ganhar o público. Por outro lado, tocar apenas músicas próprias, com certeza não te ajuda a conseguir mais shows. Conforme explica Felipe, vocalista da banda Projeto:Paradoxo, a realidade de bandas iniciantes é muito cruel, "aqui na baixada ficamos meio que como ‘macaquinhos de realejo’, te pagam ou cedem espaço apenas para atrair público, e não para que a banda lance algo novo ou divulgue seu trabalho, por isso fica difícil não tocar cover por aqui".
O problema neste caso é a banda viciar o público em covers e perder a sua identidade, na hora de vender o cd, por exemplo, o produto que você vai vender futuramente é um trabalho contendo suas músicas. Um fator que Luiz Velhinho, vocalista e baixista da banda "The Feitos", acha que está a favor das bandas que estão iniciando, é a necessidade que o público tem por uma renovação musical, "o público está sempre pronto para ouvir coisas novas, a resposta de quem está assistindo aos shows é sempre animadora, eles se empolgam junto conosco ".
Neste caso é sempre bom já ter algum material para divulgação da banda, e para a mesma angariar um dinheirinho também. Camisetas, bonés, adesivos, e principalmente, CD. Pode ser CD demo, CD promo, cd "cheio", esse tipo de mídia é uma excelente forma de divulgação, já que quando a gente gosta de algum som, normalmente mostramos para mais alguém e por aí vai. E não há melhor lugar para vendê-lo do que durante ou após os shows, é ali que a adrenalina sobe e quem está gostando da apresentação, certamente vai querer ouvir o som também em casa com mais calma.
O público varia muito de acordo com o local onde a banda está tocando, segundo Daniel Sollero, do Moebius. Nos subúrbios e cidades do interior, a procura por CDs é muito maior. Em outros lugares, as pessoas preferem comprar bebida do que CD. De acordo com Felipe, do Projeto Paradoxo, as pessoas imediatamente querem levar a música que ela gostou para casa, "os caras acabam se identificando com uma ou duas letras", completa. Luiz Velhinho, já acha que muitas pessoas optam por conseguir um meio mais barato de ter o CD da banda, o que diz ser bastante natural, mas outras pessoas já preferem aquele demo caprichado, com capinha, selo, "cuidamos da parte gráfica com esmero, quem compra gosta do CD como um todo, com a arte legal, encarte". Como o CD-demo normalmente tem de três a seis músicas, o que acontece é que depois de ouvir bastante aquele material, as pessoas ficam ávidas por novas músicas, o que de fato acaba incentivando a banda a criar e gravar novos materiais.
Contudo a trajetória de uma banda em início de carreira é muito difícil, tem ralar mesmo se você quer chegar a algum lugar. As dificuldades são incomensuráveis, os problemas muitas vezes começam na formação da própria banda, problemas com atrasos e egos são muito comuns no começo. "Alguns componentes não tem o comprometimento esperado, e o empenho em conseguir shows, horário em estúdio, muitas vezes fica sendo responsabilidade (ou acaba sobrando) para os cabeças da banda", define Felipe. Mas isso é só o começo. Daí vem a necessidade de equipamentos melhores, investimento na gravação das músicas, registro de direitos autorais, falta de lugares para tocar e tudo fica dependendo daquele famoso sujeito, o dinheiro. Mas se a banda não faz muitos shows, de onde ele sai? Cada componente, na verdade, ajuda um pouco, grana a curto prazo é utopia. "Eu ainda só pago pra fazer música, e não penso em retorno nem mesmo a médio prazo", diz um realista Fernando Pennafort. "Dá para contar no dedo os eventos que dão alguma renda, e quando dão, esse dinheiro é reinvestido na própria banda", completa Daniel Sollero.
Manter-se financeiramente sem um patrocinador é quase impossível. Os componentes devem se dedicar à banda, e se essa dedicação exige uma presença full time em torno da mesma. Como é que os músicos vão poder trabalhar para ganhar grana para investir na banda? Por esse motivo, algumas bandas, como o "Projeto:Paradoxo", atuam somente aos fim-de-semana, já que seus componentes se matam durante a semana para poder bancar os custos da mesma.
Para se manter só de música, o vocalista da Noitibó Alex Luiz tem a fórmula, "você tem que ter muitos contatos, um trevo de quatro folhas, um pé-de-coelho e uma ferradura pra aguentar o tranco", brinca.
Mas ainda assim é muito compensador e satisfatório manter esses projetos. "Além de ser a única alternativa viável para quem está começando, temos a vantagem de ser o nosso próprio patrão", diz Alex. Segundo Luiz Velhinho, "saber que o seu trabalho rende por esforço próprio, pelas suas próprias mãos, é ótimo". Paulo Metello também acha outros bons motivos de se ter uma banda, "quando você percebe que as pessoas vêem a sua música como algo relevante e que pode mudar o estado de espírito delas, você sabe que atingiu o sucesso".
Talvez o mais legal destas bandas que estão iniciando é o fato de que o som que as mesmas fazem flui de forma espontânea, não precisando obedecer a nenhuma tendência musical ou exigência de gravadora. E como este movimento nunca deixou de existir, e parece ganhar mais força agora, somos agraciados com uma infinidade de estilos e sons bacanas.
Recentemente a gravadora Ettorerock lançou uma coletânea chamada "Os novos rumos do Rock carioca" com 20 novas bandas, e o que se vê (ouve) são bandas com garra, vontade, e, o mais importante, diversidade, talento e criatividade. O mesmo fez a gravadora paulista Star Music, que também soltou uma bela coletânea chamada "Start me up Rock collection", incluindo encarte com as letras das 25 músicas e informações sobre as dez bandas presentes na obra.
E, a partir daí, cabe a cada um acompanhar e aproveitar estes belos trabalhos que tem sido feito no underground. Escolher uma banda de sua preferência é fácil, já que o leque de opções é muito variado, tem som pra todo o tipo de ouvido. E para quem já está enjoado da meia dúzia de bandas que tocam no rádio: Procuramos Independência!.
Long Live Rock
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