Psicoantropologia: pessoas que colecionam discos são doentes?
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 14 de novembro de 2013
Todo mundo que coleciona discos o faz por razões diferentes – alguns por razão alguma. É uma compulsão com características de vício e difícil de explicar – ela pode transformar pessoas racionais e de raciocínio claro em saqueadores afoitos e obcecados; completistas vorazes com deficiência de vitamina D e com uma tara em acervos organizados alfabeticamente. Pelo menos é o que o estereótipo pinta.
Ao abordar o colecionismo de discos sob uma ótica sociológica, ou mesmo sob uma perspectiva antropológica em seu novo livro, "Contemporary Collecting: Objects, Practices and the Fate of Things", o professor estadunidense e colecionador de discos por toda sua vida KEVIN M. MOIST chega a uma conclusão um pouco diferente. Você pode até chamá-la de defesa. Você pode chamá-la de pregar para os já convertidos, ou talvez, mais pertinentemente, de uma negação coletiva dos amaldiçoados; como um psiquiatra dizendo a seu paciente. "não é você que é louco, são todos os outros". E mais importante, a despeito das conclusões, a análise de Moist vai muito além dos protestos ubíquos que clamam que ‘o vinil tem som melhor, ponto final’.
Tirado do capítulo "Record Collecting as Cultural Anthropology", o extrato traduzido abaixo faz a pergunta fundamental: por que colecionamos discos? Os argumentos que sustentam parte da resposta são galgados na sabedoria do crítico musical Simon Reynolds, assim como a de um amplo grupo de sociólogos, tenta dissecar o estranho barato de colecionar discos.
Há muitas razões para se colecionar música gravada, tanto por parte de pessoas físicas como por instituições, e várias situações nas quais tal colecionismo ocorre. O sociólogo Roy Shuker descreveu uma ampla gama delas em "Wax Trash and Vinyl Treasures: Record Collecting as a Social Practice", e eu não vou tentar listar todas aqui. Ele aponta para algo em comum entre elas: enquanto colecionar vários tipos de objetos envolve tirá-los de circulação e de uso regular, discos, por necessidade, "retém um forte elemento de valor de uso – as pessoas os tocam", porque essa é a única maneira de desfrutar de seus conteúdos.
Eu já ouvi histórias de colecionadores extremos cujas novas aquisições são imediatamente lacradas hermeticamente e escondidas em ambientes com luz e temperatura controladas; contudo, ninguém que eu conheça parece ter de fato conhecido um tipo desses. Colecionadores, digo por experiência própria, geralmente amam compartilhar seus achados, com amigos através de sessões de audição ou trocando seleções, ou mais publicamente como DJs ou jornalistas musicais. Eles concordariam com o músico Jeff Connolly, cuja única meta é "usar a música": "Não há graça nenhuma na propriedade", afirmou. "A graça vem quando você toca o disco". O crítico musical Simon Reynolds descreveu sua coleção como "material com valor de uso, seja para prazer ou pesquisa".
Em seu detalhado livro "The Recording Angel: Music, Records and Culture from Aristotle to Zappa", Evan Eisenberg escreveu sobre as motivações únicas por trás da coleão de "objetos culturais", tais como discos, citando cinco razões como particularmente significantes. A primeira relaciona-se com o tempo: "a necessidade de tornar beleza e prazer permanentes", baseado no medo de seu possível/provável desaparecimento, um motivo comum para esforços de preservação cultural de todos os tipos. A segunda razão citada por ele é relacionada à primeira: "a necessidade de se compreender a beleza", na qual o que é colecionado pode tornar-se "mais belo quanto mais for entendido… [e] certamente, possuir um livro ou um disco permite que alguém estude o trabalho repetidamente e à sua conveniência". Terceiro, ele discutiu a "necessidade de se autodistinguir enquanto consumidor", para tornar-se "consumidor heroico" que "gasta em uma escala heroica, talvez, ou com discriminação heroica", adquirindo os itens mais raros ou o set mais completo, ou que percorre os maiores percalços por uma compra. A quarta razão tem a ver com nostalgia, um sentimento de adequação sentido através de colecionar pedaços do passado; a coleção em si serve como ponte, e "cada objeto se conecta com seu dono em duas eras, a de sua criação e a de sua aquisição". A última razão gira em torno da procura por capital social em todas suas formas, "a necessidade de impressionar aos outros, ou a si mesmo."
Tal como sugerido pelo subtítulo do livro, Eisenberg é interessado no ato de colecionar discos sob um ponto de vista filosófico, na significância existencial, ontológica ou estética da música gravada. Tal iluminada perspectiva obviamente contrasta um pouco com as imagens mais populares do colecionismo de discos. Descrições de colecionadores de discos em tais histórias como a história em quadrinhos/filme "Aprendendo a Viver" e no livro/filme "Alta Fidelidade" tendem ao desequilibrado e antissocial, retratando colecionar discos como um sintoma de algum tipo de problema psicológico.
O jornalista musical Simon Reynolds sugeriu que a o colecionismo musical pode desembocar em comportamento destrutivo – obsessão, completismo, e fetichismo consumista – muitas vezes combinados com um nível "erudito cuzão" de acúmulo e dados. Ele a classifica como uma doença "particularmente masculina", relacionada ao impulso de "controlar, conter, dominar o que na verdade o domina, o violenta e desorganiza". Ou, diz ele, talvez colecionar discos devesse ser visto como "um consumismo perverso" que literalmente "devora sua vida".
Claro, os seres humanos tem se provado capazes de todo tipo de comportamento extremo, e os críticos sempre conseguem achar um exemplo que se encaixa em um estereótipo carregado. Mas o decano do colecionismo Russel Belk acredita que tais imagens negativas de colecionadores servem como um tipo de mecanismo de defesa social para todos os consumidores, uma "metáfora sem graça de nossos próprios medos ou materialismo desenfreado no mercado". Os estereótipos aqui desempenham o papel de bode expiatório: "Nós fugimos da culpa ao caricaturar o colecionador como sendo o consumidor bobo e irracional em comparação com nosso comportamento igualmente obsessivo, mas menos focado". De fato, a pesquisa de Belk indica que os colecionadores são mais cuidadosos com suas atividades de consumo do que os não-colecionadores, ajustando-se às limitações de tempo, dinheiro e esforço ao serem cientes e racionais em suas decisões de aquisição. [...]
"Contemporary Collecting: Objects, Practices and the Fate of Things", editado por Kevin M. Moist e David Banash foi publicado pela Scarecrow Press e já está nas livrarias online e físicas dos EUA. Informe-se mais sobre o livro clicando AQUI. [https://rowman.com/Scarecrow]
Fonte: site VYNIL FACTORY
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