Rock: Afinal, o estilo está morto ou não?
Por Daniel Azevedo de Oliveira Maia
Fonte: Blog QMusical
Postado em 27 de maio de 2019
Não é de hoje que o rock é sentenciado à vala.
Desde o seu surgimento, em meados da década de 1950, o estilo vivencia profundas transformações, ramificando-se em gêneros e subgêneros, o que, para alguns, implicou no esfacelamento e pulverização de sua identidade.
"Não se faz mais rock como nos anos 70/80!": quem nunca ouviu/leu algo semelhante, que atire a primeira pedra.
A premissa, apesar de relativamente compreensível, é perigosa, falaciosa e traz uma dose letal de pessimismo.
Explico-lhes:
Que o rock esteve em alta nas duas citadas décadas, não há o que contestar. Os maiores e mais consagrados discos da história foram, de fato, produzidos durante este período. Não houve praticamente um ano em que um álbum de altíssimo gabarito não tivesse sido lançado.
No entanto, o rock nunca foi um estilo musical engessado. A sua configuração é de uma riqueza e plasticidade tamanhas que foi possível adaptar-se ao longo de toda a história sem necessariamente perder a sua essência. Admito: não se faz mais rock como faziam há 40 ou 50 anos.
Mas quem estabeleceu que precisamos repetir as mesmas fórmulas?
De onde concluímos que para ser rock, há que soar "Led Zeppelin", "Deep Purple" ou "Black Sabbath"?
Na minha concepção, esta forma de pensar é falha e cria obstáculos à sua própria evolução e desenvolvimento.
Com o advento das novas tecnologias, mais precisamente dos computadores modernos e dos seus softwares avançados, somando-se aos novos instrumentos tecnológicos da comunicação (o que facilitou a exportação da arte para os quatro cantos do mundo, num piscar de olhos), passamos a ter tudo em nossas mãos para dar um largo passo à frente.
A produção musical nunca esteve tão facilitada, pois mesmo aqueles que são leigos em teoria musical podem, sem maiores dificuldades, criar e manipular composições com o simples clique de um mouse, gerando um produto quase que perfeito, afinado e em altíssima qualidade, bastante superior àquele das décadas pretéritas, ressalte-se.
Infelizmente, muitos músicos e musicistas, talvez por medo de inovar e decepcionar o público, insistem em repetir aquilo que já foi feito, mesmo detendo um potencial criativo absurdo, pois sentem-se mais confortáveis em fazer o que possivelmente será um acerto do que criar um novo conteúdo e ter o risco de submeter-se a uma decepção. Advirto que esta opção, mais na frente, poderá custar caro. A ideia soa como um crime ambiental, na perspectiva musical: aniquila-se a possibilidade de plantar e frutificar, tornando o solo infértil para novos talentos.
Foi o ato de "ousar" que impulsionou o rock. Atitude. Rebeldia. Coragem. Subverter padrões e valores sempre foi sua substância, não o receio do que pensariam a respeito.
Penso que o verdadeiro rock não pretende se comercializar, ainda que isso às vezes se faça necessário para atingir um público maior, em uma comum jogada de estratégia empresarial. Talvez, por isso, tenha se mostrado de uma riqueza incalculável.
Não podemos sentenciar o rock à morte por não estarmos seguindo o "script setentista/oitentista". Mesmo naquela época, cada banda optava por manter sua própria identidade. Daí a explosão de gêneros durante o período: heavy metal, hard rock, glam rock, indie rock, dentre outros.
A regra era clara: não seguir a regra. E foi essa miscelânea criativa que recheou e marcou as décadas anteriores como a mais musicalmente producente dentro do estilo.
Se partirmos do pressuposto de que o rock é toda essa infinitude de ramificações, facilmente já exoneramos Elvis do cargo de "Rei do Rock".
Lamentavelmente, esta explosão perdeu força. Após superarmos os anos 1980, vivenciamos uma crise no mundo da música. Nos anos de 1990 em diante, quem tomava o protagonismo e não nos permitia perder as esperanças eram o Pearl Jam e Oasis, bem como outras bandas que, apesar de terem surgido na década passada, apenas chegaram ao apogeu nos anos 90: Nirvana, Alice in Chains, Soundgarden, Guns'n'Roses e mesmo o Sepultura, aqui no Brasil. Passados alguns anos, outras bandas foram tomando as rédeas: The Strokes, Coldplay, Linkin Park, Green Day, Evanescence e System of a Down. Algumas dessas bandas, a exemplo do Evanescence, apenas vieram a causar grandes repercussões nos anos 2000.
E a partir daí, bandas pontuais surgiram, porém, sem os grandes impactos e estrondos causados no passado.
Atualmente, prestes a darmos boas vindas aos anos 2020, não se tem notícia do surgimento de uma banda de rock de grande repercussão. Que seja claro: não estou afirmando que não há bandas de qualidade, pois é plenamente possível que algum músico, neste mundo, guarde um talento superior ao dos músicos que eram e continuam sendo reverenciados como verdadeiros deuses da música. O problema é que muitos desses artistas, lamentavelmente, não estão sob holofotes. Muitas vezes, sequer têm a oportunidade de ter o trabalho prestigiado ou reconhecido em um bar com 15 pessoas.
Então, voltamos ao título da publicação: "O rock está morto?".
Não. Arte não morre. Não vai `a falência. Pelo contrário: eterniza-se. Imortaliza-se. E o mais interessante: é atemporal.
Hoje, as pessoas ouvem bandas surgidas há quase 60 anos como se fossem atuais (vide "The Beatles"). Logo, penso que o rock não morreu. Está em constante processo de reinvenção. Na pior das hipóteses, está hibernando, na espreita de alguma banda que não esteja preocupada em agradar ao público consumidor.
Este mesmo rock que hiberna, também necessita que este mesmo público consumidor, em sua maioria, dê um voto de confiança para novos talentos e trabalhos autorais, seja escutando e compartilhando, seja frequentando casas de show que também foquem em trabalhos autorais.
O rock não morreu e nunca morrerá, mas precisa de ajuda! E cabe a nós este processo de resgate. Entretanto, precisamos mostrar confiança e otimismo. E, acima de tudo: atitude.
Texto publicado originalmente no blog QMUSICAL.
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