O segredo do som do ABBA, que os Beatles usaram para salvar álbum que não deu certo
Por Bruce William
Postado em 01 de novembro de 2022
O mais recente projeto envolvendo os Beatles, a série "Get Back", mostrou de forma magistral os bastidores do que acabaria sendo o último álbum de estúdio lançado por eles, o "Let It Be".
Na prática, o último trabalho gravado por eles foi o "Abbey Road" que acabou saindo antes por causa da considerável demora para que o "Let It Be" chegasse às lojas, afinal as sessões de gravação já haviam sido realizadas no começo do ano anterior (com outras partes adicionais registradas depois, mas não vem ao caso aqui).
O produtor Glyn Johns ficou encarregado de produzir um álbum das gravações, mas os Beatles não gostaram do trabalho que ele apresentou. Com isso, no início de 1970, as fitas foram entregues ao produtor Phil Spector, responsável pelo single "Instant Karma" de John Lennon, que gostou do resultado e resolveu pedir para Phil ver se poderia "fazer alguma coisa" com aquelas fitas.
Phil havia conquistado reconhecimento pelo seu trabalho com girls groups nos anos sessenta como The Ronettes e The Crystals, e principalmente por ter desenvolvido uma técnica chamada "Wall of Sound" (em tradução literal, "Parede de som"), que consistia, a grosso modo, de criar um som denso, reverberado e com inúmeras camadas que resultava numa sonoridade onde os aparelhos de reprodução da época como rádios e jukebox pareciam emitir um som "cheio", que ocupava todos os espaços. Para isso os arranjos usavam vários músicos como se fossem uma orquestra, e muitas vezes a gravação ainda usava artifícios como câmera de eco para preencher ainda mais o som.
Não vamos entrar em detalhes, mas décadas mais tarde Phil, cujas histórias relatam ter sido uma pessoa com temperamento violento e abusivo, seria condenado por homicídio e viria a falecer de COVID, ainda cumprindo a sentença.
Phil mexeu em toda a mixagem, modificou músicas, recortou/inseriu trechos, acrescentou overdubs, instrumentos de cordas, coral e transformou todo aquele trabalho em um álbum sofisticado, bem diferente da intenção original dos Beatles que seria lançar um disco de rock'n'roll "de volta às raízes". Paul não gostou do resultado final, mas Lennon adorou e chegou a dizer em entrevista: "entregamos a ele uma quantidade absurda de porcarias de gravações muito ruins, que carregavam um sentimento muito feio, e ele conseguiu transformar aquilo em algo bom".
Os roqueiros não podiam assumir que gostavam do ABBA
Hoje em dia gostar de ABBA é muito comum e aceito por todos. Lemmy, que entendia das coisas, contou que adorava o lendário quarteto sueco, que já foi até tema de tributo de bandas de Metal, e num grupo de dez pessoas é muito difícil encontrar cinco que não abram um largo sorriso e se arrepiem à simples menção do nome da banda. Mas nem sempre foi assim, conforme relata um excelente documentário da DW Brasil chamado "O segredo do sucesso do ABBA", que pode ser conferido, na íntegra, no youtube.
"Diversas celebridades frequentavam os shows da banda. As músicas do Abba tinham algo que agradava até mesmo estrelas do rock", diz a narração. "Ninguém realmente viu o que aconteceu em 1978 no (show do) Estádio de Wembley em Londres", conta o jornalista musical Per Sinding-Larsen. "Nos bastidores estavam Joe Strummer do The Clash e Bruce Springsteen. Eles eram grandes admiradores do ABBA. Muita gente tinha consciência que era uma obra prima da música pop".
"Pessoas como Elvis Costello e outros compositores de música pop dizem: 'sempre respeitamos o ABBA'", conta o baterista e compositor Michael Blair. "Mas não podíamos dizer isso. Quando tínhamos vinte e dois anos, também a idade de Costello na época, não podíamos dizer à imprensa algo como 'ouça Super Trouper o dia todo'. Realmente não dava pra dizer isso. Mas todos ouviam", conta entre risos.
"Admitir isso hoje em dia não é problema para os músicos" relata a voz em off no vídeo, enquanto mostra imagens de Dave Grohl, que assume ser fã do ABBA. "Ele afirma que o Foo Fighters é uma mistura de banda punk rock e ABBA. Mas este status de 'banda cool' só ganhou força dez anos após o fim da banda (1982). De repente, as músicas do ABBA voltaram a ser tocadas".
Um pouco mais adiante, o documentário teoriza que aqueles motivos que faziam o ABBA ser criticado, de repente passaram a ser motivo para amar a banda, e muito disso tem a ver com a perfeição sonora: "O ABBA não faz nada pela metade. A banda trabalha com os melhores músicos e desde o início busca o melhor som para as composições com o lendário 'Wall of Sound': quatro guitarras, duas baterias, quase uma orquestra".
Após citar músicas como "Waterloo" e "Dancing Queen", a narração conta que o "Wall of Sound" não foi inventado pelo ABBA, mas a banda fazia uso da técnica de forma brilhante: "Você ouve estas produções e se pergunta: por que soa de forma tão nítida, mesmo sabendo que havia dois ou três teclados, uma marimba, um piano, e essa parede de vozes da Frida e da Agnetha. Por que soa tão nítido?", questiona Michael Blair. A resposta é simples: "Essa gama de sons, eles pensavam em tudo muito bem".
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