O elogio do genro sueco que fez Humberto Gessinger refletir sobre traço do Brasil
Por Gustavo Maiato
Postado em 12 de outubro de 2025
Em entrevista ao canal Music es un Voyage, o cantor e compositor Humberto Gessinger compartilhou um momento curioso e sensível de sua vida pessoal que acabou se transformando em uma reflexão profunda sobre o Brasil, a arte e o modo como enxergamos o que está à nossa volta.
Durante o bate-papo, o ex-líder dos Engenheiros do Hawaii contou que seu genro, o músico sueco David Lidberg, marido de sua filha Clara, fez uma observação simples, mas que mexeu com ele. Ao visitar Porto Alegre pela primeira vez, Lidberg comentou sobre as árvores da cidade - um detalhe cotidiano que Gessinger, morando há anos no mesmo apartamento, nunca havia notado com atenção.


"Quando eu me lembro que a primeira vez que o David - o marido da Clara - foi pra cá, ele falou das árvores, assim, né? Eu disse: 'Caramba, eu vivo nesse apartamento há dez anos e nunca tinha visto essas árvores'. De fato, a gente enxerga assim... às vezes tu toma como uma coisa: 'Ah, isso aqui vai sempre existir'. Não, não vai sempre. A gente tem que ser grato a isso também."

A fala surgiu no meio de uma longa reflexão sobre o mundo contemporâneo, a indústria musical e a falta de "espaços vazios" - algo que, segundo Gessinger, empobrece a humanidade. Ele comparou as cidades modernas a um lugar onde já não há mais terrenos baldios, metáfora para a ausência de pausa e contemplação na vida urbana.
"Eu vejo o mundo hoje que nem uma cidade. A cidade antigamente tinha terrenos baldios, né? Tinha um prédio, aí tu pensava: 'O que será que tem ali?'. Não tem mais isso. Não tem pausa. É tudo quantificado e feito pra render. Ainda mais em países periféricos como o nosso."

O músico, que sempre usou metáforas urbanas em suas letras - de "Infinita Highway" a "O Papa é Pop" -, aproveitou o gancho para defender a importância de olhar com mais carinho para as pequenas riquezas brasileiras, tanto culturais quanto humanas.
"Quando eu tô aqui, eu sinto, [__] cara, a gente tem que cuidar pra não perder a humanidade. Porque a gente tem tanta coisa bonita, assim, riqueza, mais até do que países tão frios."
A crítica de Humberto Gessinger aos streamings
Antes dessa passagem pessoal, Gessinger havia feito uma crítica à forma como o streaming mudou a relação das pessoas com a música. Apesar de reconhecer as vantagens do acesso ilimitado, o cantor lamentou o impacto do modelo sobre a experiência de escuta e sobre o valor artístico da obra.

"Essa coisa do streamer é uma merda do ponto de vista da música, né, cara? Mas eu uso aquilo 34 horas por dia. Tenho acesso a coisas que nunca teria nos tempos analógicos. Mas do ponto de vista de negócio, é uma merda. Aliás, o que hoje não é uma merda do ponto de vista de negócio?"
O compositor lembrou da época em que discos saíam de catálogo e se tornavam raros, o que tornava a música algo mais valioso e menos efêmero. Hoje, tudo está disponível o tempo todo - algo que, paradoxalmente, diminui o encanto.
Na conversa, Gessinger também estendeu sua crítica à forma como as cidades são pensadas. Ele usou o exemplo de Estocolmo - cidade onde mora o genro - para comentar sobre a importância de planejar o espaço urbano como um todo, e não de forma individualista.

"Tem alguém pensando na cidade como um todo. Não pode ser cada um que comprou dois metros desse negócio aqui querer fazer o que quiser, entendeu? É que nem tu querer sair pelo lado que tu quiser da rua. Não dá. Essa rua só vai pra lá porque alguém parou, estudou, pensou no todo. Essa pequena liberdadezinha, na verdade, é uma escravidão maior."
O músico, conhecido por seu olhar filosófico e por letras que misturam poesia e urbanidade, encerrou o assunto com uma reflexão sobre a arte e seu poder de conexão. Para ele, a música continua sendo a forma mais direta de tocar o íntimo das pessoas, muito mais que o audiovisual.
"Tu te emociona com 16 segundos de Eleanor Rigby e tá chorando, velho. Isso é música. Acho que ela tem essa força por si só. A música cria conexões profundas com o que há de mais íntimo em nós."

Confira a entrevista completa abaixo.

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