"Atom Heart Mother", o início de um novo Pink Floyd
Resenha - Atom Heart Mother - Pink Floyd
Por Pedro Bouzada de Carvalho
Postado em 14 de junho de 2024
Syd Barrett, cujo cérebro se encontrava irremediavelmente deteriorado pelo consumo abusivo de LSD, deixou o Pink Floyd em 1968, antes mesmo do segundo álbum, "A Saucerful of Secrets", ser completado. Com a saída do outrora principal compositor e vocalista, coube ao baixista Roger Waters assumir a maior parte das composições e ao recém-chegado guitarrista David Gilmour fornecer os vocais principais.
O som lisérgico tão característico de Barrett foi parcialmente mantido nos dois discos seguintes (ambos de 1969) do renovado quarteto: a boa trilha sonora do filme "More" e a insípida metade de "Ummagumma" gravada no estúdio. Foram apenas dois anos após sua partida que a banda decidiu, de fato, se reinventar completamente, abandonando o psicodelismo em prol de uma sonoridade ambiciosa e progressiva, livre de quaisquer limitações artísticas.
Se já haviam ensaiado uma grandiosa faixa-título instrumental em 1968, a de "Atom Heart Mother" (1970) é uma suíte escrita pelo Pink Floyd, em parceria com o compositor Ron Geesin, que ocupa todo o primeiro lado do LP. Com mais de 23 minutos, o épico é dividido em seis partes, a começar pelo tema central, "Father’s Shout", com sublime presença de metais. "Breast Milky" tem mais a ver com a proposta da banda, acompanhada por um belo solo de violoncelo, e a suave "Mother Fore" serve como uma ponte, vocalmente arquitetada, para "Funky Dung", onde a guitarra de Gilmour brilha sobre as bases dos demais integrantes, posteriormente acompanhados por um coro e levados à reprise do tema central. Para mim, o único deslize é o cansativo primeiro segmento de "Mind Your Throats Please" e seus inúmeros efeitos sonoros. Já o segundo é uma colagem de passagens anteriores que abre caminho para "Remergence", uma apoteótica releitura das duas primeiras partes, encerrando a peça musical com magnitude.

Bem mais tradicional, o segundo lado do bolachão começa com "If", uma delicada e meditativa canção folk de Waters, cujas contribuições de Gilmour e do tecladista Richard Wright, assim como o acompanhamento pontual da bateria de Nick Mason, a tornam ainda mais bela e atrativa. Poderia perfeitamente ter sido incluída na coletânea "Relics", do ano seguinte.
Entretanto, com todo o respeito ao imenso talento criativo de Waters, tão substancialmente escancarado nos trabalhos posteriores, as duas faixas seguintes são nada menos que espetaculares.
"Summer ‘68" é a contribuição solo de Wright sobre uma noitada alucinante com uma groupie. Mesmo nunca tendo sido tocada ao vivo pelo Pink Floyd, é a canção mais memorável do disco e chegou a ser tema da propaganda do Banco Nacional na época. O tecladista compôs um refrão bastante acessível e utilizou a mesma orquestra do épico de abertura para expandir a riqueza de sua música com metais muito bem encaixados. Não sei se foi sua intenção, mas Wright decerto roubou o álbum para si.
Em seguida, vem aquela que é minha canção preferida da banda. "Fat Old Sun", composta por Gilmour, é outra balada folk, mas com temática leve e um solo elegante no terço final. Com exceção às linhas de órgão de Wright, toda a faixa foi gravada pelo guitarrista. Contemplativa e quase onírica, é a representação abstrata de um abraço acolhedor; o que, na verdade, se aplica a todo o álbum, mas aqui a sensação é perfeitamente resumida em pouco mais de cinco minutos.
A faixa final, "Alan’s Psychedelic Breakfast", acompanha a jornada do personagem-título enquanto este prepara e consome seu café da manhã e divaga sobre comidas e seu trabalho como roadie do Pink Floyd. Originalmente concebida por Mason e Waters, a suíte de 13 minutos foi creditada aos quatro integrantes e possui três composições distintas. "Rise and Shine" é baseada nos pianos e teclados de Wright, enquanto Gilmour executa violões e guitarras em "Sunny Side Up". O disco encerra com "Morning Glory", uma jam envolvendo toda a banda. Finalizada a refeição, Alan deixa o recinto enquanto a torneira pinga incessantemente.
Amado no Brasil e em diversos outros países, "Atom Heart Mother", em especial a faixa-título, é severamente criticado pelos membros do Pink Floyd, o que jamais consegui entender. Não é mais meu álbum preferido deles, mas permanece sendo aquele pelo qual tenho o maior carinho e que me traz as melhores recordações. Ouvi-lo com as luzes apagadas até pegar no sono também é um dos pequenos prazeres da vida.
Aprecie sem moderação.
Outras resenhas de Atom Heart Mother - Pink Floyd
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps



O primeiro tecladista estrela do rock nacional: "A Gloria Pires ficou encantada"
Axl Rose ouviu pedido de faixa "esquecida" no show de Floripa e contou história no microfone
A banda desconhecida que influenciou o metal moderno e só lançou dois discos
A melhor música dos Beatles, segundo o Ultimate Classic Rock
O convite era só para Slash e Duff, mas virou uma homenagem do Guns N' Roses ao Sabbath e Ozzy
Nicko McBrain revela se vai tocar bateria no próximo álbum do Iron Maiden
Documentário de Paul McCartney, "Man on the Run" estreia no streaming em breve
Slash quebra silêncio sobre surto de Axl Rose em Buenos Aires e defende baterista
Regis Tadeu explica por que não vai ao show do AC/DC no Brasil: "Eu estou fora"
Janela de transferências do metal: A epopeia do Trivium em busca de um novo baterista
Organização confirma data do Monsters of Rock Brasil 2026
O único guitarrista que, para Lindsey Buckingham, "ninguém sequer chega perto"
Megadeth tem show confirmado em São Paulo para 2026
Os 11 melhores discos de rock progressivo dos anos 1970, segundo a Loudwire
O que realmente fez Bill Ward sair do Black Sabbath após "Heaven & Hell", segundo Dio

3 bandas clássicas que felizmente mudaram de nome antes de fazer sucesso
O álbum do Pink Floyd que David Gilmour acabou detestando por causa do Roger Waters
David Gilmour responde se voltará a trabalhar com Roger Waters no Pink Floyd
O famoso solo que David Gilmour jamais começa diferente; "Parece tolice não fazer isso!"
Os 11 álbuns prog preferidos de Geoff Downes, tecladista do Yes e Asia
O álbum do Pink Floyd que sempre deixou um gosto de arrependimento em David Gilmour
Os 12 dias em que o Pink Floyd foi um quinteto
Roger Waters sobre Nobel da Paz: poderia ter sido dado a Donald Trump, não seria menos absurdo
Pink Floyd: O álbum que revolucionou a música ocidental


