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Angra: dez anos do mais injustiçado álbum

Resenha - Aqua - Angra

Por Hugo Alves
Postado em 14 de agosto de 2020

Estamos em 2020, no meio de uma pandemia, confinados em uma quarentena que eu espero muito que acabe o mais breve possível – e que esse fim venha embasado pela disponibilização de uma vacina que imunize todos nós e torne a libertação segura no mundo inteiro. É manhã de um domingo no início de agosto e eu decidi colocar o "Aqua" do Angra pra escutar durante o banho. Fazia muito tempo que não o escutava de cabo a rabo e devo confessar que, mesmo nunca tendo sido um dos detratores deste álbum, acabei redescobrindo-o um pouco mais. Ainda que não seja um dos meus favoritos – ao contrário da banda, que é definitivamente a minha favorita no cenário nacional –, sempre gostei muito desta obra. Ela foi fundamental em minha vida pessoal, mas falarei disto mais para o final deste texto, que é um pouco uma resenha e um pouco um tributo ao que considero o disco mais injustiçado do Angra – inclusive por eles mesmos, mas também explicarei isso mais pra frente.

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Antes de tudo, um pouco de contexto: acredito que o período de 2007 a 2012 tenha sido o mais difícil já enfrentado pela banda. Ao fim da turnê que promoveu "Aurora Consurgens" (2006), um disco que teve a difícil (e não tão bem-sucedida, muito por culpa dos fãs da banda) missão de suceder uma obra do calibre de "Temple of Shadows" (2004) (este sim, considero a obra definitiva de toda a carreira do grupo), Aquiles Priester deixou a função de baterista do conjunto, encabeçando uma novela mexicana que conseguiu ser ainda mais complicada (mas não mais emblemática) que o primeiro racha da banda, na virada do milênio; uma batalha homérica entre o guitarrista e membro fundador Rafael Bittencourt e o então empresário Antônio Pirani envolvendo o nome da banda durou tempo suficiente para quase acabar de vez com a banda; neste meio tempo, os integrantes remanescentes se envolveram em seus projetos paralelos, com destaque para o Bittencourt Project do já citado guitarrista e o Almah de Edu Falaschi, então vocalista do Angra.

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Eis que em 2009 Falaschi, Bittencourt, Kiko Loureiro (que na época ainda era guitarrista do grupo) e Felipe Andreoli (baixista) anunciam o retorno de Ricardo Confessori (o baterista da primeira formação pós-primeiro disco) e uma turnê conjunta com o Sepultura – o outro nome gigante do Metal nacional – intitulada "Back to Life", expressão emprestada da canção "Nova Era", que foi a abertura de um outro momento de renascimento da banda, mais remoto que o abordado aqui. A turnê foi um sucesso, apesar de um cancelamento da perna europeia por falta de pagamento dos promotores, e deu o gás que a banda precisava para se isolar e compor o que viria a ser seu sétimos disco de estúdio.

E aqui passo a, efetivamente, falar de "Aqua", o álbum que foi lançado há dez anos (sim, estamos celebrando os 10 anos deste disco). Primeiramente, é louvável que os caras tenham decidio lançar um álbum cujo conceito seja um livro de William Shakespeare, um dos mais importantes escritores de toda a história, quase que imaculado e, justamente por isso, um vespeiro potencial. Somemos a isto, em segundo lugar, que os caras fugiram do que seria um lugar comum com "Romeu & Julieta" ou "Hamlet", que é pra onde quase todo mundo olha quando se fala em Shakespeare, e optaram por se valer de "A Tempestade", a última obra do autor que, se não me engano, foi publicada após sua morte. Não é tarefa para covardes e, muito embora como fã eu imagine como teria sido a história do Angra se algumas decisões tivessem sido diferentes – ou se nem tivessem existido –, devo dizer que essa banda nunca teve nenhum integrante covarde, ao menos até hoje.

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O disco inicia com "Viderunt te Aquae", que não é uma introdução instrumental tão grandiosa quanto uma "Unfinished Allegro" ou uma "In Excelsis", mas que cumpre perfeitamente seu papel diante da tarefa de dar o tom de uma história teatral e clássica, e induz perfeitamente a "Arising Thunder", uma das mais fortes composições de todo o catálogo do Angra, e aqui começo a defender minha tese de que esse disco é extremamente injustiçado, primeiramente pelos fãs e, então, pela própria banda: cadê um petardo como esse nas setlists mais recentes? Se me lembro bem, faz cinco anos que o Angra não toca nada desse disco e, pra mim, "Arising Thunder" é uma das coisas mais fortes que esse grupo já fez na carreira.

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A sequência vem com "Awake from Darkness", outra composição de extremo bom gosto, muito inteligente e um dos melhores trabalhos de Ricardo Confessori. Ela tem um quê abrasileirado, mas também tem algo meio oriental na levada da introdução de guitarra... Enfim, ela é muito diferente e mantém o alto nível de inovação dentro do já então vasto catálogo do Angra. Porém, todo este peso dá lugar à doçura, sentimentalismo e leveza de "Lease of Life", o segundo single do disco – que também rendeu um bom videoclipe na época – e uma das mais "falaschianas", visto que o antigo vocalista sempre foi adepto a lindas baladas e não fez feio nesta, onde cantou bem mais abaixo do que fez em discos anteriores, mostrando uma outra faceta, não tão operística, mas de um bom gosto inquestionável (é lindo ver músicos trabalhando em favor da música ao invés de simplesmente masturbar a técnica). Seria ótimo se esta também voltasse aos shows, Fabio Lione com certeza temperaria o que já é lindo com algo novo e muito interessante.

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Deixei um parágrafo somente para "The Rage of the Waters" por três motivos: 1) ela encerra a primeira e mais tragável metade do disco; 2) ela é a opus maximus que resume a força que esse disco tem; por mais que eu prefira uma "Arising Thunder" da vida, "Rage" eleva tudo a um outro nível, sendo facilmente o ponto mais alto – com larga vantagem – de todo o álbum, com destaque para a interpretação de Edu Falaschi que, a despeito dos muitos já conhecidos problemas que enfrentava com a saúde de sua voz, deu tudo de si e a interpretou de maneira emocionante, e 3) agora já é quarta-feira da mesma semana e eu vi no Instagram da banda que este disco está sendo remixado pelo produtor brasileiro (radicado em Los Angeles) Adair Daufembach, e eles começaram divulgando justamente por esta canção. É uma forma de a banda começar a celebrar os dez anos desta obra incrível e fazer jus a composições que... Bem, sobre a produção, melhor eu falar mais pra frente. Hahaha!

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A partir de então, o disco entra num já conhecido experimentalismo que nos leva a momentos que o fã mais raso infelizmente não é capaz de apreciar. Digo com experiência de quem já foi fã raso que só queria pedal duplo, baixo cavalado, guitarras gêmeas em 220bpm e vocais ultragudos. Ainda bem que ter deixado essa faceta imatura de lado me ajudou a poder apreciar peças musicais do mais alto padrão como "Spirit of the Air", outro momento inspiradíssimo do disco, com uma introdução dedilhada que lembra vagamente o clima mais soturno que nos deixou mal-acostumados em "The Shadow Hunter" ("Temple of Shadows", 2004), apimentado por sons que nos levam ao oriente médio num piscar de olhos. A veia mais progressiva do Angra tomava ainda mais forma a partir daqui. Em seguida, "Hollow", que começa com sons eletrônicos que foram bem comuns em pauladas dos anos 2000 equilibra o disco com um peso quase tribal que vem nos lembrar porque somos tão fãs desse estilo musical que é o Heavy Metal.

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Já "Monster in her Eyes" foi uma incógnita por anos pra mim. Sempre a ouvi como uma bela ideia inacabada. Eu tenho uma coisa esquisita com tonalidades de canções – sou daquelas pessoas que torcem o nariz quando uma banda baixa tons originais de canções, acho que perde-se um pouco da identidade que tal canção imprimiu ao ser composta e lançada naquela tonalidade, enfim, posso soar chato agora, mas é como sinto a música –, só que nessa eu pensava que ela não entregava tudo que podia, a começar pelo tom. Felizmente, quando Rafael Bittencourt fez sua versão acústica no "Angels Cry 20th Anniversary Tour", três anos após o lançamento de "Aqua", tive meu desejo suprido. Não é que a original seja ruim, mas faltou algo que, na versão posterior, se cumpriu, ao meu ver.

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Chegando ao fim do disco, "Weakness of a Man" tem uma levada e um clima bem mais otimistas (ao contrário do título), é uma delícia de canção, com um refrão fácil, pegajoso, e é outra que nunca foi tocada ao vivo, e seria hipnotizador ver a atual formação interpretar essa peça que, no disco, desemboca em "Ashes", um final dramático e emocional que, se não é tão forte a ponto de ser clássica, ao menos finaliza o disco e a releitura da história pela ótica do Angra com muita naturalidade e profissionalismo. Hoje em dia, chega a arrepiar que justamente o último verso da última canção do último disco gravado por Edu Falaschi com o Angra seja "and I’m gone". Sou do tipo de pessoa que pensa que nada acontece por acaso. Você pode chamar isso de Deus (como eu chamo), de Universo, de destino, do que quiser, só não chame de acaso.

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Agora sim, vou falar da produção deste disco, que sempre foi a maior polêmica. A própria banda se encarregou da produção, co-assinada por Brendan Duffey e Adriano Daga. Os fãs sempre reclamaram que o disco soa muito seco, com um som muito "pra dentro" (como se você botasse pra rodar num daqueles radinhos de pilha dos anos 1980 e 1990). Nem mesmo Ricardo Confessori gosta da produção deste disco (ele já falou isso numa entrevista para o canal Heavy Talk, no YouTube). Vejo esse disco meio que como os "A Real Live One" e "A Real Dead One" do Iron Maiden, quando Steve Harris quis por a mão na produção e saiu com dois discos ao vivo muito aquém da qualidade geral de sua banda. Pra mim, o "Aqua" é a maior prova de que sua banda pode ser incrível, ter os melhores músicos mas, se a produção do disco não for boa, então o disco pode sucumbir. Foi o que aconteceu com o "Aqua", que não sobreviveu tão bem à ação do tempo – em partes, porque os mesmos "fãs" imbecis que vão às redes sociais da banda, dos membros e de ex-membros requentar tretas antigas e tentar encontrar e/ ou plantar novas foram os que não conseguiram passar pelo "porém" da produção (que realmente não foi das melhores) e perceber a grandeza desse disco (aliás, queridos fãs, um apelo: todo mundo já sabe que, se o Angra não ficou ainda maior em sua história e no mundo, foi pelo excesso de tretas, porque qualidade, todos que foram ou estão na banda têm de sobra. Foco na música e deixa os bastidores pra quem tá trabalhando, pelo amor de Jesus Cristo!). Felizmente, como eu mencionei acima, a banda entregou a obra para o produtor Adair Daufembach refazer o trabalho e "The Rage of the Waters" chegou com os dois pés no peito, finalmente mostrando o verdadeiro poder de fogo que a banda tinha naqueles anos. Não sei dizer se o disco será relançado em formato físico com a nova produção (mas torço para que sim – o Rush fez isso com o "Vapor Trails" e a recepção dos fãs foi calorosa), mas dá pra ver que a banda não esqueceu tanto assim de "Aqua" – agora é esperar que ele diga "oi" nos shows também.

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Um pós-contexto: após a turnê deste disco, que finalizou de forma horrenda com um show tenebroso, mal sonorizado e pessimamente transmitido pela Multishow (que aconteceu no Rock in Rio de 2011 e que nem a participação de Tarja Turunen salvou), Edu Falaschi deixou a banda, que entrou num mini-hiato para depois renascer de novo ao celebrar os 20 anos do primeiro disco, já com Fabio Lione nos vocais, no que seria também a última turnê de Ricardo Confessori na banda (que cedeu o banquinho da bateria para Bruno Valverde, outro excelente baterista) e a penúltima com Kiko Loureiro (que foi para o Megadeth e liberou a vaga para Marcelo Barbosa, um dos melhores e mais carismáticos guitarristas a quem esse Brasil já deu vida). O resto é história que ainda está sendo contada.

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Finalmente: sou professor de Português e Inglês formado pela Universidade de Sorocaba, e meu trabalho de conclusão de curso (ou simplesmente o famigerado TCC) estudou a intertextualidade e a tradução intersemiótica entre o livro original de Shakespeare e o disco do Angra, justamente através da canção "Arising Thunder". Já pretendi analisar o disco todo mas, talvez por falta de tempo, talvez por falta de dinheiro, engavetei o projeto. De qualquer modo, estou disponibilizando o link que a própria universidade criou e onde hospedou meu trabalho.

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Infelizmente nunca realizei meu sonho de fanboy de ser cantor do Angra (e certamente não realizarei, hahaha), mas fico feliz por ter conhecido os caras em 2013 e ter entregado uma cópia ao Rafael. Sinto que fiz minha parte em ajudar a "desmarginalizar" o Heavy Metal, elevando-o ao status acadêmico e mostrando que nós, artistas ou fãs, somos inteligentes e temos muito com que contribuir positivamente com a cultura e a sociedade de forma geral. Ainda que timidamente, fiz parte de uma vírgula da história do Angra, assim como eles fazem da minha quase sempre, desde simplesmente ser trilha sonora da minha vida, passando pela minha formação como cantor e me ajudando a me formar no meu plano B que a vida fez ser plano A. Hahaha! Espero que gostem. Viva o Angra, viva os dez anos do "Aqua" com uma produção nova e infinitamente superior, viva o Metal nacional e que venham muito mais discos e turnês!

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Sobre Hugo Alves

Hugo Alves é formado em Letras (Português and Inglês) pela UNISO - Universidade de Sorocaba e futuro mestrando em Literatura ou Semiótica. Começou a escutar Rock aos 11 anos com "Bring Me to Life" do Evanescence, mas o que o tomou para sempre para o Rock and Roll foi "Fear of the Dark" (versão ao vivo no Rock in Rio), do Iron Maiden, banda que, ao lado de The Beatles, considera como favorita, amando quase que igualmente os sons de Viper, Angra, Shaman, Andre Matos, Rush, Black Sabbath, Metallica, etc. Foi vocalista das bandas Holygator e Bad Trip, iniciantes em Sorocaba/ SP, e também toca guitarra e baixo. Outra de suas paixões é a Literatura, pela qual desenvolveu o gosto pela escrita e comunicação.
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