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Discos e Histórias: a raiva caótica e o quase fim do Metallica em St. Anger

Resenha - St. Anger - Metallica

Por Ricardo Seelig
Fonte: Collectors Room
Postado em 17 de fevereiro de 2020

Oitavo álbum do Metallica.

Lançado em 5 de junho de 2003.

Gravado entre abril de 2001 e abril de 2003 no Metallica Headquarter, em San Rafael, na California.

Produção de Bob Rock ao lado da banda.

Último disco do Metallica assinado por Bob Rock.

A chegada e a saída de Bob Rock foram marcantes. O primeiro, que foi o "Black Album" (1991), mudou de maneira profunda a sonoridade do grupo e transformou o Metallica em uma mega banda. E o último foi extremamente problemático e com uma produção pra lá de controversa.

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"St. Anger" foi o último disco do Metallica lançado pela gravadora Elektra, em uma parceria que começou em 1986 com "Master of Puppets" e durou 17 anos.

É o único álbum da banda a não contar com um baixista oficial.

Jason Newsted deixou a banda em janeiro de 2001 e o instrumento foi tocado pelo produtor, Bob Rock.

Robert Trujillo, seu substituto, só foi anunciado no final de fevereiro de 2003.

Existe uma edição dupla de "St. Anger" que vem com um DVD, onde Trujillo toca com a banda todas as músicas do álbum no formato de vídeo.

E é também o único álbum do Metallica a não contar com nenhum solo de guitarra, o que, aliado à sonoridade suja e crua, foi um dos pontos mais criticados do disco.

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Para a gravação a banda alugou um enorme e antigo quartel do exército norte-americano em uma área militar chamada de Presidio, em San Francisco, onde se instalou e começou a desenvolver as ideias do disco.

O longo tempo de gravação, dois anos entre abril de 2001 e abril de 2003, é explicado pela pausa necessária devido à entrada de James Hetfield na reabilitação para tratar do seu problema com álcool.

A gravação parou em julho de 2001 e James só retornou à banda quase nove meses depois, porém sua rotina pós-rehab só permitia que ele trabalhasse no álbum entre o meio-dia e às quatro da tarde, o que tornou tudo ainda mais lento.

Com o retorno de James, em maio de 2002 a banda mudou a gravação para um estúdio em San Rafael, também na California.

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A banda atravessava um dos seus períodos mais turbulentos com a saída de Jason e as constantes brigas entre James e Lars Ulrich. Lars ficou descontente com os novos horários de James e discutiu com ele em uma das cenas do documentário "Some Kind of Monster", lançado em 2004 e que mostra todo o processo de nascimento do disco.

Esse filme também tem outro momento marcante no surto que James dá uma surtada no estúdio, abandonando a banda e partindo para a reabilitação.

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Para tentar amenizar os ânimos a banda contratou o psicólogo Phil Towle, especialista em relações humanas, que passou a aconselhar os músicos.

Para entender melhor "St. Anger" é imprescindível assistir ao documentário "Some Kind of Monster", que foi gravado durante três anos e mostra todo o processo de composição e gravação do álbum. Nele ficam escancarados os problemas da banda e como o disco é uma colcha de retalhos montada, principalmente, por Bob Rock a partir de ideias soltas de James, Lars e Kirk Hammett.

Segundo James: "O disco foi escrito com muita paixão. Há dois anos de emoção condensada nas suas onze músicas. Passamos por muitas mudanças pessoais e lutas internas, é um trabalho bastante profundo tanto lírica quanto musicalmente. St. Anger foi o melhor que conseguimos produzir naquela época".

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A banda queria um som bruto e longe da sonoridade mais grandiosa e polida que marcou a sua música a partir de chegada de Bob Rock no "Black Album". Segundo Bob Rock: "Para mim, esse álbum soa como quatro caras em uma garagem se reunindo e escrevendo músicas de rock. Realmente não havia tempo para obter performances incríveis de James. Gostamos das performances cruas".

Kirk comentou sobre a polêmica falta de solos de guitarra: "Queríamos preservar o som de nós quatro em uma sala apenas tocando. Tentamos colocar solos de guitarra, mas não estava funcionando nas músicas. Prometemos a nós mesmos que manteríamos apenas as canções que tivessem integridade. Não queríamos encher o disco de overdubs, não era coerente com a abordagem que seguimos no álbum".

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O principal ponto de discussão de "St. Anger" é o som de bateria. Lars tirou as esteiras da caixa da bateria em busca de um som mais bruto. Segundo o baterista: "Um dia esqueci de instalar a esteira e acabei gostando do que estava ouvindo, tinha um ambiente diferente".

Além disso, Bob Rock comentou que ele e Lars falaram por apenas 15 minutos sobre como deveria ser o som da bateria. Isso vindo de um cara que passou seis meses para achar o som do seu instrumento no "Black Album" e contratou Bob Rock principalmente pelo som de bateria de "Dr. Feelgood", do Mötley Crüe, é algo bem estranho até hoje.

O disco desde então sofre críticas pela sua bateria, que, segundo diversos textos, parece tocada "em latas de tinta".

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A capa e o encarte foram criados por Brian "Pushead" Schroeder, ilustrador norte-americano que possui uma longa associação com as cenas metal e hardcore, e que já havia trabalhado com o Metallica criando camisetas, cartazes de shows e outros itens. Ele criou quatro variações de cores para a capa, e a escolhida acabou no disco.

Musicalmente, "St. Anger" desvia totalmente da sonoridade clássica do Metallica e dos caminhos seguidos a partir do "Black Album" e intensificados em "Load" e "Reload", trazendo elementos de metal alternativo, nu metal e groove metal, além de uns toque de speed metal aqui e ali. O caminho seguido, com riffs mais diretos e simples, não se encontra em nenhum outro álbum da banda.

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"Frantic" abre o disco falando sobre o vício, principalmente o alcoolismo de James e que o levou à reabilitação durante a gravação do álbum.

"St. Anger" traz uma letra que fala sobre como controlar a raiva e transformá-la em algo positivo.

"Some Kind of Monster" fala sobre os fardos, culpas e arrependimentos que todo ser humano carrega durante a vida.

"Dirty Window" fala sobre uma pessoa que se enxerga de maneira totalmente oposta ao modo como o mundo a vê.

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"Invisible Kid" fala sobre a dor que uma criança sente quando é renegada pelos pais.

"My World" conta a história de uma pessoa com esquizofrenia e com a mente perturbada.

"Shoot Me Again" traz uma letra sobre vingança e a luta para não se deixar contaminar por esse sentimento.

"Sweet Amber" traz James Hetfield cantando novamente sobre a sua luta contra o alcoolismo.

"The Unnamed Feeling" fala sobre o sentimento indescritível e inominável que um indivíduo sente quanto está próximo de perder o controle de sua vida.

"Purify" traz uma letra sobre seguir em frente e mais uma vez aborda o alcoolismo de James.

E "All Within My Hands" fala sobre como o amor obsessivo pode destruir um relacionamento.

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Das onze faixas do disco, apenas seis foram tocadas ao vivo: "Frantic", "St. Anger", "Dirty Window", "The Unnamed Feeling", "Some Kind of Monster" e "Sweet Amber". As demais nunca foram tocadas ao vivo.

E tanto "Frantic" quanto "St. Anger" são tocadas até hoje nos shows da banda, de maneira frequente.

"All Within My Hands" passou a ser executada de maneira acústica pela banda os últimos anos e dá nome à fundação que a banda criou e que ampara e dá apoio à educação e outras questões sociais.

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O disco dividiu a crítica.

Segundo o PopMatters, embora a percepção geral que o álbum transmite seja de uma bagunça, é também a primeira vez em anos que a banda toca com paixão a sua música.

Já o Blender disse que, após "St. Anger", pode ser tarde demais para reabilitar a imagem do Metallica.

A NME, ícone do jornalismo musical alternativo, adorou o disco e afirmou que a banda recomeçou do zero em "St. Anger", que o disco não tem nenhum espaço desperdiçado e não perde tempo com solos de guitarra ou truques mirabolantes de baixo, apenas um ataque concentrado de fúria implacável.

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O AllMusic elogiou o disco afirmando que o álbum leva o ouvinte para dentro do corpo ferido do Metallica, revelando os demônios que habitam no interior de James Hetfield.

A Rolling Stone elogiou "St. Anger" afirmando que o disco transparece autenticidade e fúria, sem nada da exigência comercial e influência do rock moderno presente nos álbuns anteriores.

E o Pitchfork detonou o disco dizendo que a banda estava tocando uma bateria composta por tambores de aço e com timbre de alumínio, e que as guitarras passaram por mais processamento do que comida para gato.

"St. Anger" estreou em primeiro lugar em 14 países, chegou ao número 1 da Billboard, vendeu mais de 2 milhões de cópias nos Estados Unidos e superou as 6 milhões de cópias em todo o mundo.

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O disco rendeu quatro singles: "St. Anger", "Frantic", "Some Kind of Monster" e "The Unnamed Feeling", e o clipe de "St. Anger" foi filmado na icônica prisão de St. Quentin, um dos mais violentos e famosos presídios dos Estados Unidos, localizado na California.

MINHA OPINIÃO

"St. Anger" é um disco difícil e incômodo. A abordagem das músicas é diferente, a performance da banda é problemática, há falhas em todos os cantos.

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A busca pela autenticidade que a banda queria acabou refletindo na produção. O problema não está apenas na bateria de Lars, que é o ponto mais crítico do disco certamente, mas também em outros aspectos. As guitarras tentem ser sujas e só conseguem soar anêmicas e sem força. O vocal de James não passou por um refinamento na pós-produção e, ao mesmo tempo em que é doído e verdadeiro, também traz escorregadas e desafinações durante todo o álbum.

O trabalho de composição, na maioria das músicas, nem foi bem um trabalho de composição, como mostra o documentário "Some Kind of Monster". O produtor conseguiu pegar pequenos trechos de músicos e ordená-los em músicas, e isso faz com que o álbum soe como uma grande colagem de ideias mal desenvolvidas.

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No entanto, "St. Anger" tem ao menos duas músicas fortes e que valem a pena, justamente as suas primeiras: "Frantic" e "St. Anger", sendo que a faixa título acabou ganhando uma dimensão ainda maior devido ao seu icônico clipe.

O restante soa como um disco ruim e inacabado de nu metal, com o Metallica buscando inspiração em bandas como KoRn, Slipknot e até mesmo nos primeiros trabalhos do Soulfly e na fase final do Sepultura com Max, mas falhando miseravelmente.

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Uma produção melhor consertaria alguns dos problemas do disco, mas de modo geral as músicas são fracas e pouco inspiradas.

É o ponto mais baixo da discografia da banda e reflete um dos momentos mais conturbados e problemáticos da carreira do Metallica, com James indo para a reabilitação, a saída de Jason e o quase fim do grupo.

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Sobre Ricardo Seelig

Ricardo Seelig é editor da Collectors Room e colabora com o Whiplash.Net desde 2004.
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