Riverside: seguindo (maravilhosamente) em frente
Resenha - Wasteland - Riverside
Por Breno Rubim
Postado em 24 de outubro de 2018
Nota: 9
Após a repentina morte do guitarrista e co-fundador Piotr Grudziński, em 2016, o Riverside sofreu um forte baque, levando alguns fãs (este que vos escreve inclusive) a duvidar da continuação da banda. Todavia, embora a banda tenha sim continuado, para tanto o vocalista e baixista Mariusz Duda tomou uma decisão inusitada: decidiu seguir como um trio, o que me lembrou o Genesis lá pelos idos de 1978 após a saída de Steve Hackett.
De que forma isso se deu? Mariusz Duda passando também a gravar as linhas de guitarra base e as mais simples de guitarra solo em estúdio, contando com auxílio de guitarrista convidado apenas em solos mais complexos em estúdio, e com a guitarra completa ao vivo. Foi nesse cenário que concebeu o pós-apocalíptico "Wasteland".
Com a história focada na sobrevivência em meio a um mundo devastado, em ruínas, o álbum faz jus a essa atmosfera em duas vertentes: 1) suas músicas introspectivas, melancólicas, mas também belas; 2) o momento em que vive a banda, de tentar sobreviver e seguir em frente após a morte de um dos membros. Perfeita metáfora.
A bolacha abre com "The Day After", apenas com Mariusz cantando à capela os seguintes versos: "What if it's not / If it's not meant to be? / What if someone has made a mistake?" ("E se não era / E se não era pra ser assim? E se alguém tiver cometido um erro?"). Daí a melodia prossegue quase como uma canção de ninar. Só isso. Mas já faz o ouvinte imaginar um pai ou uma mãe cantando pro filho dormir em meio a ruínas de uma cidade devastada. Está aberto o clima do álbum.
O peso dá as caras com "Acid Rain", que abre com um riff seco e nervoso, e a partir daí derrama uma melodia tipicamente prog, com seus tempos quebrados. Aqui, o refrão entoa: "Living a distorted day / Distorted life / In an uncertain place without the sun / Where are we now?" ("Vivendo um dia distorcido / Vida distorcida / Num lugar incerto sem sol / Onde estamos agora?"). Até aqui, nada de muito marcante em termos melódicos. Mas, na segunda metade da música, o ritmo galopante de bateria/baixo permeada pelo "ô ô ô" é sensacional. Segunda metade da música que vale pela música inteira.
Mantendo o peso, se segue "Vale Of Tears", primeira música liberada para audição antes do lançamento do álbum. Riff seco novamente, vocal meio "new age", melodia cadenciada entre o peso e a calmaria. O ponto alto é também na segunda metade, quando surge outro riff, melhor e mais agressivo. Boa faixa, mantendo a característica progressiva e "dark" que permeia o álbum, mas longe de ser uma das melhores.
Quebrando o peso, surge a linda "balada" Guardian Angel, acústica, simples, introspectiva, com Mariusz cantando em tom grave, quase num sussurro. Quase um prenúncio para a faixa seguinte, "Lament", onde o clima cadenciado continua a ilustrar o mundo destruído - esta canção ganhou inclusive um videoclipe, onde os integrantes vagam por uma terra desolada.
"The Struggle For Survival" é a bolacha instrumental do disco. Sendo a de mais longa duração do álbum, começa com um ritmo nervoso de bateria e riffs de guitarra, com direito a solo de teclado. No entanto, nos minutos finais é que a canção mostra seu esplendor, quando o peso cede lugar ao violão meio folk, estilo Opeth, permeado por um "ah ah ah" e um mellotron ao fundo. Belíssima melodia. O único problema é que essa passagem é curta demais, tendo ficado "espremida" no finalzinho da música de quase 10 minutos de duração.
Fazendo questão de mostrar que o trabalho é muito ficado em violão, a banda nos apresenta "River Down Below", melancólica, leve, cadenciada, de ótimo refrão e estrutura simples. A melancolia se expressa não só na melodia, mas também na letra. Trechos como: "I’d like to tell you what I dream about / I’d like to say how much I miss you" ("Eu gostaria de te dizer o que eu sonho / Eu gostaria de dizer o quanto eu sinto sua falta" nos mostram isso. Mais uma clara associação com o amigo e colega de banda falecido. E passagens como "Sorry, I’m dying on the tree / With the world beneath my feet" ("Desculpe, estou morrendo na arvore / Com o mundo abaixo dos meus pés") denotam um eu-lírico cansado, desesperado, lutando pela sobrevivência.
A música seguinte é a faixa-título, "Wasteland", que em minha opinião é a melhor do álbum. Assim como a curta passagem final de "The Struggle For Survival", se inicia com um violão folk a la Opeth, e em seguida os vocais desaparecem para dar lugar a uma intrincada passagem de riffs de guitarra e andamentos incomuns. Num determinado momento, entra uma guitarra distorcida que nos remete ao clima de velho oeste americano. E nessas trocas entre trechos mais leves e mais pesados, a banda nos entrega passagens melódicas maravilhosas e diversificadas.
O play abre com "The Day After" ("O Dia Seguinte") e fecha com "The Night Before" ("A Noite Anterior"). Genial, não? E que melodia maravilhosa de piano temos aqui. Uma obra prima. Sua letra merece menção na íntegra:
"Close your eyes, don't be afraid
I'm with you, this place is safe
We found a camp, we have supplies
They will let us stay the night
Close your eyes, I'll tuck you in
Mum will sing to make you sleep
Don't mind the noise, there're just the bombs
A part of music for this song
When the night begins to fall
You and I in a safety zone
The former world shall not return
But we'll survive intact again"
Tradução em texto corrido: "feche seus olhos, não tenha medo. Estou contigo, esse lugar é seguro. Achamos um acampamento, temos mantimentos. Eles vão nos deixar passar a noite. Feche seus olhos, eu vou te embalar. Mamãe vai cantar pra te fazer dormir. Não liga pro barulho, são só as bombas, uma parte da música pra essa canção. Quando a noite começar a cair, você e eu numa zona segura, o mundo anterior não deverá voltar, mas nós vamos sobreviver intactos de novo".
Então, embora o contexto do álbum se passe num mundo devastado, desolador e desesperador, a mensagem final é de esperança. De que os protagonistas irão sobreviver. De que dias melhores virão. Na metáfora que envolve o triste momento da banda, é o testemunho de que irão sobreviver e continuar nos entregando essas músicas maravilhosas, como sempre fizeram.
Musicalmente falando, é um trabalho bastante diferente de tudo que o Riverside já fez. Alguns fãs dos primórdios da banda (tempo em que destilavam um som mais pesadão, beirando o prog metal) torcerão o nariz, mas se trata, sim, de um excelente trabalho, fruto de uma banda que busca se reinventar, e se encontra ainda profundamente influenciada pela consternação em torno da morte de um integrante. Vendo sob essa ótica, é inevitável concluir pela beleza e sensibilidade do que temos nesse lançamento.
Composições muitas vezes com acordes simples, estrutura linear, andamentos lentos, mas sem perder a beleza da complexidade do prog rock. Nada da característica "fritação" prog de solos intermináveis de guitarra e teclado. Ainda assim, músicas marcantes, que nos mostram que, às vezes, menos é mais. É aqui que reside a genialidade de Mariusz Duda.
Como ponto negativo, eu destacaria apenas o som da bateria, que não me agradou tanto quanto o dos álbuns anteriores. Mas, dados os tantos pontos positivos, isso acaba se tornando quase irrelevante.
Grande álbum! Continuando como um trio ou recrutando oficialmente outro guitarrista e voltando a ser um quarteto, não importa. Sigam em frente! Vida longa ao Riverside! Discografia de escuta obrigatória pelos fãs do prog metal moderno, e, acima de tudo, da boa música.
RIVERSIDE – "Wasteland" (2018)
Gravadora: Inside Out Music
1. The Day After
2. Acid Rain
3. Vale Of Tears
4. Guardian Angel
5. Lament
6. The Struggle For Survival
7. River Down Below
8. Wasteland
9. The Night Before
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