Genesis: As Histórias para Não Dormir de "Nursery Cryme"
Resenha - Nursery Cryme - Genesis
Por Roberto Rillo Bíscaro
Postado em 04 de maio de 2015
Nota: 9
Com John Mayehw e Anthony Phillips fora da banda, o GENESIS colocou um anúncio na influente Melody Maker para recrutar os músicos faltantes. Postar nos classificados da publicação era comum na cena inglesa.
Quem também publicara um foi o guitarrista STEVE HACKETT, recém-saído da banda Quiet World. Com influências clássicas, operísticas e roqueiras, o músico procurava um grupo que fosse além das "atuais formas estagnadas de música". Quase a mesma coisa que dizia o anúncio genesiano. Gabriel contatou-o e Hackett foi aceito. Sem muita experiência de palco, Steve incorporou persona bastante incomum para um guitarrista de rock. Tocava sentado. Contraponto interessante para a postura de Gabriel, cada vez mais teatral e extravagante, com a adição de máscaras e fantasias. Durante anos, um dos diferencias do GENESIS foi o elaborado repertório cênico do vocalista; antes que isso começasse a gerar fricções internas, por conta dos outros músicos acharem que a atenção do público recaia mais na teatralidade do que na música.
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Dentre os diversos bateristas que responderam ao chamado da Melody Maker, estava PHIL COLLINS. Ator e músico, Collins intimidou-se um pouco com a opulência da residência dos Gabriel. A casa tinha até piscina! Impressionante para um garoto oriundo da apertada classe média-baixa londrina. Sem conhecer direito o trabalho do GENESIS, Collins memorizou os trechos das canções enquanto nadava e ouvia os demais candidatos. Ao fim de sua audição foi aceito; uma das carreiras mais bem sucedidas da história da música pop dava passo fundamental.
Com a inclusão dos novatos, o GENESIS entrava no período que alguns fãs e críticos denominam de formação clássica: Peter Gabriel (vocais, flauta), Tony Banks (teclados), Mike Rutherford (baixo), Steve Hackett (guitarra) e Phil Collins (percussão). Retiraram-se novamente para uma casa no campo e começaram a trabalhar no material pro terceiro álbum.
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Lançado em novembro de 1971, Nursery Cryme é trocadilho com nursery rhyme, termo que designa canções infantis tradicionais. Ainda que padeça de produção por vezes pantanosa, o álbum é um passo adiante em relação a Trespass (resenhado aqui no whiplash.net, veja link abaixo da matéria). Deixando os tons pastorais e folk na retaguarda, Nursery Cryme soa mais agressivo, dramático e operístico.
Gabriel lançou mão do artifício de contar histórias cantadas a partir de múltiplos pontos de vista, sempre com tons sombrios, embora algumas melodias pareçam bem-humoradas. É o caso de Harold The Barrel – com sua influência marcadamente BEATLES – que brejeiramente e com o típico humor negro britânico versa sobre um dono de restaurante acusado de cortar os dedos dos pés e servi-los. Acuado pela multidão, Harold encontra-se prestes a pular da janela dum edifício, enquanto sua mãe se preocupa por sua camisa estar suja e haver um repórter da BBC lá embaixo. E como termina? No fim ele pula. Nursery Cryme definitivamente não é para crianças... Mas, essa é uma canção menor no repertório genesiano; o álbum contém pelo menos 2 clássicos da banda e do rock progressivo em geral.
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The Musical Box épica e operisticamente abre Nursery Cryme com seus 10 minutos recheados de variações rítmico-tonais. No encarte do álbum somos introduzidos à história da canção (contada por Gabriel nos shows, antes de começar a cantá-la). Enquanto jogavam cróquete, Cynthia Jane De Blaise-William (9 anos) "graciosamente" arranca a cabeça do amiguinho Henry Hamilton-Smythe, (8 anos) com o taco. Os longos sobrenomes e os hífens indicam a classe social dos infantes... 2 semanas após o incidente, Cynthia encontra a caixa de música de Henry. Ao abri-la, a nursery rhyme Old King Cole começa a tocar e Henry materializa-se em frente à garota. Só que o menino começa a envelhecer mal reaparece. Despertada pelo barulho, a babá entra no quarto e arremessa a caixa de música contra o ancião-criança, destruindo-o. Apavorante? E quem disse que Chapeuzinho Vermelho também não o é? Pensem na história... A parte cantada de The Musical Box é a fala de Henry. Preciosismo técnico e diversidade de tempos e atmosferas – que vão do medievalismo flautoso à urgência guitarreira e baterística – fazem da canção uma das definidoras da vertente sinfônica do prog rock. E o que dizer do teclado de Tony Banks, que, ao longo do álbum mimetiza até som de violino? Isso em 1971, com um Mellotron 2, rudimentar para os padrões atuais.
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Outro momento sublime é The Return of the Giant Hogweed, porrada com mais de 8 minutos de duração. Gabriel lera no jornal sobre uma planta nociva que se alastrava pela Inglaterra e inspirou-se para a letra sobre exploradores vitorianos que trazem da Rússia uma nova espécie vegetal pra Inglaterra e plantam-na nos Kew Gardens. A espécie começa a espalhar-se descontroladamente, ameaçando a espécie humana, vencendo-a num dos finais mais grandiosos do movimento progressivo. Memorável o diálogo da poderosa bateria de Collins com a plangência agressiva da guitarra de Hackett e o teclado de Banks, que se alastra como as plantas. Em seguida, Gabriel com voz manipulada gritando que as hogweeds venceram. "Mighty Hogweed is avenged/human bodies soon will know our anger/kill them with your Hogweed hairs/ Heracleum Mantegazziani/GIANT HOGWEED LIVES!" Segue o clímax chupado de finais de ópera.
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Nursery Cryme fecha com os quase 8 minutos de The Fountain of Salmacis, faixa frequentemente desdenhada pela crítica e por alguns fãs por ser pretensiosa em demasia. A letra mergulha na mitologia grega, contando a história da náiade Salmacis, que estupra o semideus Hermafrodito. Como castigo, os corpos de ambos se fundem em um só. Steve Hackett e Tony Banks, com seu Mellotron (comprado do pessoal do KING CRIMSON), conferem uma sonoridade delirante à canção, que remete a ondulações aquáticas. Não me importa o que digam, é uma de minhas canções prediletas do GENESIS.
Digna de destaque no quesito curiosidade é a microscópica For Absent Friends, com seus pouco mais de 90 segundos. O estreante Phil Collins assume os vocais dessa doce canção folk, que fotografa 2 viúvas rezando em uma igreja por seus companheiros ausentes e recordando dias em que eram "quatro ao invés de duas". A semelhança com a voz de Gabriel – acentuada nas harmonias vocais do resto do disco – seria um trunfo pro GENESIS em anos vindouros.
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Nursery Cryme não fez sucesso na Inglaterra, onde a posição mais alta nas paradas foi alcançada em 1974, quando, por uma semana o álbum ocupou a posição 39. Na Itália, porém, o álbum chegou ao quarto lugar após o lançamento e impactou sobremaneira o movimento prog do país, que produziu diversos clones. Há, inclusive, uma banda-tributo italiana chamada The Musical Box.
Abaixo, as canções de Nursery Cryme, incluindo Happy The Man, lançada apenas como single, em maio de 1972 (o lado B era Seven Stones).
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Tracklist
1. The Musical Box (10:24)
2. For Absent Friends (1:44)
3. The Return of the Giant Hogweed (8:10)
4. Seven Stones (5:10)
5. Harold the Barrel (2:55)
6. Harlequin (2:52)
7. The Fountain of Salmacis (7:54)
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