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W.A.S.P.: Uma obra-prima chamada "The Crimson Idol"

Resenha - Crimson Idol - W.A.S.P.

Por Ronaldo Celoto
Postado em 25 de dezembro de 2013

"O amor é o sentimento dos seres imperfeitos, posto que a função do amor é levar o ser humano à perfeição" (JOSHUA COOKE). Mas, como poderíamos explicar, nas diferentes vidas mundanas e suas tantas tragédias, um amor que nunca foi oferecido, para alguém que queria apenas, a alegria de ser chamado de filho, e, ver-se abraçado por sua mãe, e, elevado a condição de amigo, por seu pai? Como explicar os milhões de herdeiros das tragédias anônimas que enchem as ruas das cidades, deixados aos becos e à sorte de cada esquina?

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I – Introdução

Não, o amor não é apenas um sentimento dos seres imperfeitos, como define a frase acima. O amor é a mais pura das manifestações, e, a mais pura das imperfeições, e, em muitos casos, ele é responsável por tirar (e não oferecer) a vida dos que dele sonham ser abastecidos.

Começa aqui, a história de JONATHAN AARON STEEL, ou, simplesmente, "The Crimson Idol".

II – Uma Pequena Resenha Inicial – Antes do Mergulho no Universo da Glória, Horror e Morte Através da Música.

JONATHAN AARON STEEL é um jovem com uma infância conturbada, desprezado pelos pais, particularmente por seu pai WILLIAN, que prefere investir seus olhos e seu carinho no outro filho, MICHAEL, enquanto JONATHAN segue no universo da rejeição e abandono. Com a morte de MICHAEL, JOHNATHAN adquire uma guitarra cor de carmim (que é o vermelho vivo ou ¨rubro¨, como preferirem), e, refugia-se em um mundo particular dentro de si, por meio do rock’n’roll, para tentar viver. Mais tarde, já na condição de rockstar, ele mergulha em todos os excessos de que a fama lhe traz, e, a partir deles, relata sua ascensão e sua queda, com a diferença de que esta jornada pela galáxia da música e suas estranhezas e luzes, é contada e cantada de forma autobiográfica pelo próprio BLACKIE LAWLESS, em um dos álbuns mais fantásticos já produzidos nos anos 90: "The Crimson Idol", uma das melhores criações desta banda que, entre muitas características, trazia consigo a fúria teatral e a influência sonora dos eternos: ALICE COOPER, KISS, SWEET, NEW YORK DOLLS (onde BLACKIE tocou guitarra no ano de 1975), SISTER (banda que durou de 1976 a 1978 e tinha BLACKIR e NIKKI SIXX juntos), além de letras que pareciam uma mistura de PETE TOWNSHEND (THE WHO), FRED ¨SONIC¨ SMITH (MC5), JAMES ¨IGGY¨ OSTERBERG (STOOGES) com os poemas condenados de BAUDELAIRE e RIMBAUD (ou seja, poesia crítica a toda uma geração, combinada com sexualidade lasciva e voraz), e, que foi ao lado do MOTLEY CRUE, o melhor expoente da sonoridade de Los Angeles. Estamos a falar, obviamente, do W.A.S.P. – We Are Sexual Perverts.

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Conheceremos agora, a saga deste antológico trabalho.

III – The Titanic Overture

"Eu olho no espelho... E não compreendo... Não sinto-me como um menino, e, ele não está mais desobstruído... Mas eu não me sinto em momento algum como um homem".

A solidão por detrás de toda dualidade. Um homem que reflete no espelho suas ilusões, sua tristeza por ser rejeitado pelo pai. Sua agonia por querer gritar ao mundo todos os seus sonhos. E, enquanto lágrimas fundem-se a uma galáxia escondida por detrás daquele rosto refletido no espelho, uma instrumental fabulosa abre as cortinas do teatro da ilusão, e, um riff – que surgiria novamente em outras canções, também em forma de refrão – se apossa daquele galáctico instante. Não há mais ilusões. Em suas veias, a lisergia do rock começa a se manifestar, e, é novamente antecedida pelo lirismo último. E, de repente, em meio ao epitáfio inicial, ele se vê, uma vez mais: um adolescente de dezessete anos, e, percebe que continua a ser ignorado por seu próprio pai, que jamais saberá quem ele é, e, jamais poderá compartilhar dos seus sonhos.

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"Eu tenho dezessete anos... sou um filho de alguém... Mas meu pai sequer sabe onde eu estou. Pois, quando ele me olha, ele detesta simplesmente o que vê. Ele não sabe quem eu realmente sou".

Agonia, tragédia mais do que shakespeariana. Temos aqui a essência de um ¨Dorian Gray¨ (OSCAR WILDE) cujo pacto não foi psicografado com o diabo, mas sim, com sua própria dor. Um herói natimorto, que, mesmo ciente do seu destino, resolveu abraça-lo, para, ao menos, saber através dos aplausos e sorrisos externos, que poderia ser alguém. E a epopeia atinge, enfim, seu primeiro momento de ópera-rock, de forma sublime.

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Começam então, a ser contadas em tom retrospectivo, alguns anos antes do desfecho, as memórias de um ídolo com status de herói urbano de todos os dias, todas as casas, todas as tristezas.

IV – The Invisible Boy

Não, "O Menino Invisível" não é o nome de um pequeno super-herói. Na verdade, é a primeira narrativa da história de JONATHAN, o indesejado, o invisível perante os seus familiares, o menino que eles nunca amaram.

"Eu era o garoto indesejado... um prisioneiro...(...)... Meu irmão era o único...(...) e, eu estava lá, falecendo sob a sua sombra".

E então, o seu pai (chamado por ele de RED) lhe aplica uma voraz surra, enquanto ele, incógnito e totalmente indefeso, na condição de uma simples criança, apenas pergunta a ele o porque de tudo aquilo, o porque ele é o filho tão indesejado por todos.

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"Sinto a cinta a atravessar as minhas costas... Sim, eu sou o ‘novo garoto chicoteado’. Quem sou eu - O filho órfão de quem você nunca precisou? Quem sou eu? Porque eu sou o garoto que apenas o espelho vê...Quem sou eu? O escravo a quem você deu apenas o ar que eu respiro? Quem sou eu? Porque eu sou o garoto que apenas o espelho consegue enxergar".

Dor... dor e uma sensação de injustiça tremenda invadem a sala e o coração de JONATHAN, e, dos ouvintes que, a partir de agora, desejam inteirar-se, cada vez mais, no universo recém-inaugurado por "The Crimson Idol". E a avalanche sonora começa a tomar a forma da sempre cortante musicalidade do W.A.S.P.

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E então o espelho volta-se para JONATHAN, na tentativa de acalmar-lhe, mas também, enlouquece-lo: "É um confissão novamente? Venha conversar comigo... eu vejo em seus olhos a miséria de um Titanic, aquela que está viva em você... Eu sou a face que você enxerga, quando a sua face não reflete... Eu sou o espelho, meu menino".

Alucinação? Megalomania invertida em forma de depressão? Rancor e impossibilidade de voar? Qual dos enigmas poderia oferecer-lhe o espelho? Onde estaria o amor para lhe proteger? Seria o amor a única fonte para a liberdade?

E novamente, repete-se a famosa questão enigmática que percorre o disco: "Is there no love to shelter me?" (mais tarde, transformada em "Where is the love... to shelter me?"). E a cortina se fecha para o segundo ato.

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V – Arena Of Pleasure

Mas as perdas de JONATHAN estão apenas a começar. Em sua pré-adolescência (por volta de 14 anos), ele perde o irmão a quem tanto amava, morto por um motorista desleixado e bêbado. Existe sensação mais assustadora em saber que, a partir de agora, além de não ter ao seu lado alguém para se confortar e admirar, saber que todos os olhos da discórdia e da sensação de raiva pela perda do filho, ao invés de serem convertidos em amor, seriam transformados em ódio e atirados sobre si?

Sim, esta era a sensação de JONATHAN, que, fraco e impossibilitado até mesmo de ir ao funeral de MICHAEL (o irmão), fugia de si mesmo, em meio ao mundo particular que ele erguia, tijolo por tijolo, dentro de sua alma.

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Neste momento, a realidade mescla-se a uma sonoridade forte, a magnífica sonoridade ¨W.A.S.P.¨ (com seus refrões e riffs matadores), que agora, domina os olhos, ouvidos e espírito de quem ouve esta obra-prima.

Passam-se os anos de sofrimento, e, JONATHAN decide então fugir de casa, para dirigir-se à chamada "arena do prazer", onde são realizados os concertos das grandes bandas.

"Eu fugi de casa na noite passada, para sempre... Eu corria em nome da minha vida. E então, eu ouvi as palavras sobre quem eu poderia ser... Viver, trabalhar, morrer... Eu sou o órfão da noite... Derrubem-me!!! Eu estou voltando para casa... a estrada para as ruínas, dentro da cúpula prazer... Derrubem-me!!! Eu estou voltando para casa... a arena dos prazeres... onde eu pertenço".

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Agora JONATHAN já tinha dezesseis anos, ele corria em direção a si mesmo, descobria-se, empunhava sua guitarra e sonhava em tornar-se um discípulo da "arena do prazer", que, para ele, era a "terra prometida". E JONATHAN movia-se mais rápido do que um furacão.

"Eu estou no olho de minha raiva, onde nenhum furacão morre", gritava ele, jurando não mais desperdiçar nenhuma lágrima por todos os anos sofridos. E, enquanto encarava a nova realidade, JONATHAN conclamava: "Eles são cobras venenosas em línguas duplas... Homens surdos e vermes cegos...(...)... Eles são um governo com um parlamento de prostitutas... E você pode ouvir os gritos da máquina da fama, debaixo do necrotério de Charlie Motosserra?".

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Sim, a realidade mescla-se à fantasia, para anunciar o surgimento de um novo personagem: "Chainsaw Charlie", uma metáfora para a figura do empresário ganancioso/dono das gravadoras de discos, que promete milhões aos novos ídolos, e, os engana, rouba e os transforma em verdadeiros "cordeiros rumo ao abatedouro".

VI – Chainsaw Charlie

Chegamos então, à cruel realidade dos managers e dos donos de gravadoras, os sanguessugas que roubam os astros e, em muitos casos, os condenam ao esquecimento. Eis que um deles (aparentemente o presidente de uma gravadora – que mais tarde o próprio BLACKIE disse ser uma alusão ao dono da Capitol Records) se depara com o intrépido e sedento JONATHAN. E, com palavras sedutoras, semelhantes ao diabo que tenta o filho de Deus, ele sussurra:

"Aqui está o seu contrato... você irá apostar com a sua vida? Assine sobre a linha pontilhada... a única pela qual você esperou por toda a sua existência".

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Eis aqui, uma das maiores canções da história do W.A.S.P., sem sombra de dúvidas. Crítica, voraz, dotada de um sarcasmo lírico e uma melodia lúgubre, tem lugar cativo na biografia de seus melhores feitos. As variações rítmicas e os trabalhos de BLACKIE como compositor assombram, chocam e causam louvor e admiração.

O novo necrotério agora, não é mais digno dos estripadores e serial killers, mas sim, do dono da gravadora, elevado à condição de assassino. Basta ver a foto da capa do single, abaixo.

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Na segunda virada da canção, o personagem ¨Charlie¨ é ainda mais impiedoso.

"Bem-vindo ao meu necrotério, garoto....(...).... Eu vou cortar sua garganta, apenas para permanecer vivo...(...)... Se você confiar em mim, filho, você certamente não durará muito tempo. Eu sou o presidente do showbiz... meu nome é Charlie. Aqui, da torre da minha Hollywood própria, eu dito as regras... eu sou um filho da mãe mentiroso...e a motoserra é a minha ferramenta. O novo necrotério é a nossa fábrica (de discos), a graxa são as nossas mentiras. Nossa máquina está faminta... ela precisa de sua vida".

Qualquer semelhança com as idas e vindas do menino ¨Tommy¨ (THE WHO), neste momento, é uma coincidência, evidentemente, pois estamos a falar de duas óperas-rock com presságios sobre ascensão e queda de mitos. Mas as lembranças logo desaparecem, em meio a uma sonoridade fantasmagoricamente única, produzida por BLACKIE e sua trupe. E todos estão indiscutivelmente bem neste álbum: BOB KULICK (guitarra solo), FRANKIE BANALI e STET HOWLAND (bateria), e, obviamente, o intrépido gênio BLACKIE LAWLESS (baixo, voz, teclado, guitarra base e solo em alguns momentos). Épica é uma palavra pequena para descrever esta música.

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E então, em meio aos empurrões e explorações de sua imagem perante as gravadoras, JONATHAN começa a transformar-se no novo ídolo de todos, e, certa noite, ao caminhar sobre as ruas do éden recém-descoberto para ele, encontra-se com uma cigana, que se prontifica a ler seu futuro por meio das cartas.

VII – The Gipsy Meets The Boy

Aqui, já temos uma homenagem mais do que justa à personagem protagonizada na ópera-rock ¨Tommy¨ (THE WHO): a cigana. Evidentemente, a inserção não foi coincidência. Mas, guardadas as comparações, e, dando continuidade à saga sem qualquer interrupção (pois estamos mergulhados em um álbum conceitual maravilhoso deste supergrupo chamado W.A.S.P.), JONATHAN ouve da boca da cigana a seguinte frase: "A face da morte usa a máscara do rei da misericórdia".

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Neste instante, misticismo, astrologia, fantasia e surrealismo se misturam na famosa epopéia dos sonhos, onde, vez em quando, o próprio personagem mitológico SANDMAN mergulhava e alertava: "Cuidado com o que tu desejas... poderá tornar-se realidade".

Como certificar qual o desejo de um jovem ignorado e espancado pelos pais, que vê o irmão ser morto, e, em meio aos delírios pessoais, deseja também não mais existir? Ou seria a fama o desejo de JONATHAN, quando, já decidido a partir de casa e abraçar sua causa empunhando uma guitarra, mergulhou na já mencionada "arena dos prazeres"? A qual dos desejos referia-se aquela mulher?

E, enquanto a resposta não chegava para JONATHAN, a carta da cigana era virada sob os seus olhos, e, a partir daquele momento, esta imagem o perseguiria por muitas e muitas lembranças, assim como a certeza, em forma de confissão, a dizer: ¨Então a ilusão era real, um ídolo rubro eu vi... Mas quanto mais alto ele tiver voado, mais alto ele terá caído".

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Belíssimo trabalho melódico e impactante entrada de baterias e guitarras. Bela canção, aliás, como todo o disco. E, ao final, mesmo ciente do perigo de desejar e ver o seu destino cumprido a custas penas, JONATHAN ainda clama: "Eu só quero ser... o ídolo rubro entre milhões de olhares".

VIII – Doctor Rockter

E então, como todo ídolo recém-embriagado no sucesso, JONATHAN torna-se um viciado em drogas, e, eis que sirge a figura do traficante, conhecido como "Doctor Rockter". Não é preciso rebuscar as páginas da Los Angeles dos anos 80 para lembrar-se de NIKKI SIXX (MOTLEY CRUE), MICHAEL MONROE (HANOI ROCKS), AXL ROSE, SLASH e DUFF (GUNS N’ ROSES), ROBBIN CROSBY (RATT), e, tantos e tantos personagens que mergulharam pesadamente no mundo das drogas. Há diários pessoais de cada um deles, entrevistas inúmeras e relatos de amigos que atestam o quanto eles sofreram nas mãos dos "amigos mensageiros", os traficantes que somente lhes procuravam quando eles tinham muito, muito dinheiro para gastar, e, estranhamente (previsivelmente, na verdade), desapareciam nos períodos difíceis. Aliás, na primeira overdose de NIKKI, SLASH era quem o acompanhava, em uma das intrépidas noites da cidade dos sonhos. Mas, estas informações devem ser deixadas de lado e lidas pelos fãs em biografias próprias.

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A música é pulsante, um rock’n’roll ao velho estilo de canções como "Wild Child", "Animal", entre tantas que o W.A.S.P. destilou maravilhosamente em meio a muitos goles de JACK DANIELS da melhor safra. Grande refrão, grande pegada. Um petardo, com letras dignas de uma confissão entre quatro paredes.

JONATHAN confessa: "Ele é o rei da picada, o Senhor Morfina, o meu amigo. O Tio Sam, o curandeiro; e eu sou um viciado com o porte de um grande King Kong, rastejando para cima e para baixo as minhas costas".

E, imediatamente, Doctor Rockter responde-lhe: "Oh, eu irei ajuda-lo neste momento, meu amigo. Mas você precisa comprar. Afinal, eu sou o seu médico".

E o rock’n’roll prossegue de forma brilhante, em meio aos delírios e vícios de um ser humano que, de repente, tinha vontade de proclamar ao mundo todo: "I Am One!!!" Eu sou único!!! Eu sou o escolhido!!!

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IX – I Am One

O ídolo JONATHAN já conhece o mundo. Ele é o maior de todos, dentro de sua visão e diante de seus fãs, que mais parecem súditos. Mergulhado no ego de seus excessos e na cegueira de seu vício, ele transforma-se numa ode a si mesmo.

"Hello, New York City! Hello, Dallas! Hello Los Angeles, California! Tokyo! Rio de Janeiro!", e, tantas outras cidades, são anunciadas por ele, no introduzir da canção, para erguer suas mãos aos céus e proclamar: "Vida longa, vida longa ao rei da misericórdia!!!...(...) Eu sou único!!! Eu não tenho nada a perder!!!"

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Já com 18 anos, e, totalmente entorpecido, JONATHAN carrega os anos como se fossem rosas sangrentas, como ele mesmo diz: ¨18 rosas sangrentas, cada um destes anos sangrou minha alma¨. E, em meio aos seus delírios pessoais, ele sempre recorda a imagem da mãe, enquanto diz, vorazmente: "Mamãe, olhe o que me tornei... Será que ele me levará para baixo da forca? E matará o menino dentro do homem?".

E, uma vez mais, surge a questão impiedosa, que marca, como já dito, todo o disco: "Is there no love shelter me? Only love, love set me free"...

... Esta canção é poderosíssima. Foi transformada em single (foto abaixo) por BLACKIE, justamente por denunciar o ídolo no auge de seus excessos, como se ele quisesse exorcizar o demônio presente dentro de si mesmo, e, ao mesmo tempo, abraçá-lo.

Magnífico momento!!! Uma música absolutamente brilhante, que causa admiração, comoção e lágrimas a quem a ouve!!!

E então, o ídolo inquieto e uivante, começa a elevar-se rumo ao luar dos deuses, e, de repente, mergulhar novamente, para o seu íntimo altar de magnitude.

X – The Idol

Chegamos ao maior momento do álbum, e, também, da autobiografia. JONATHAN, em sua casa, em meio aos sanguessugas (managers, colegas de banda, mulheres), vasculha uma fresta dentro de seu coração e percorre uma autoanálise do seu estrelato. Enquanto todos se despedem e saem de sua casa (expulsos por ALEX RODMAN, seu empresário, também um sanguessuga), ele recita, de forma majestosa, a sua melancolia, nua das maiores músicas compostas em toda a década de 90. A meu ver, uma das maiores canções da história, já que tenho o W.A.S.P. como entre as dez melhores bandas de minha vida. Mas, esta é uma resenha para abrilhantar o álbum, por si só.

"Estarei eu sozinho esta manhã?
Precisarei de meus amigos?
Alguma coisa para aliviar a minha dor...
...Ninguém percebe a solidão por detrás de minha face
Eu sou apenas um prisioneiro da minha fama...
...Se eu pudesse somente permanecer
E olhar para dentro do espelho
O que eu poderia ver?
Um herói sucumbido com uma face igual a minha
E seu gritasse alto, alguém me ouviria?
E se eu rompesse o silêncio, você veria o que a fama
Fez comigo...
...Beije ao longe a dor...e, deixe-me só
Eu nunca saberei se o amor é uma mentira
Ser insano em meio ao paraíso é fácil
Você vê os prisioneiros por entre meus olhos?
Onde está o amor pra abrigar-me?
Dê-me amor, amor deixa-me ser livre!
Onde está o amor para abrigar-me?
Somente o amor, me deixa ser livre!"

Não há palavras para explicar este momento. Apenas lágrimas. De repente, todos nós mergulharmos juntos, no oceano onde a nudez desagua, e, respira levemente suas dores, na melodia da escuridão. Todos nós somos anjos e demônios, enquanto esta magnífica poesia é executada!!!

E enfim, a pergunta que permeou todo o álbum, é transformada em uma peça toda!!! E os versos avançam a dizer: "Where is the love... to shelter me? Only love, love, love set me free!!!"

"The Idol" também tornou-se single (foto) para divulgar esta epopeia criada por BLACKIE LAWLESS.

Após a maior de todas as suas confissões, JONATHAN busca conforto em seu próprio coração, e, em meio ao próximo palco onde coloca seus pés, ele tenta, ainda que espiritualmente, em meio a tantos que o amam e o idolatram, pedir em silêncio, que toda a sua dor se esvaia, assim como o vento. Nasce então, a bela "Hold On To My Heart" (música seguinte).

XI – Hold On To My Heart

A voz solitária, triste, mas ciente de que precisa continuar, precisa tocar, ainda que seja por sua libertação de todo o peso, as dores, as pressões e a infinita prisão em que ele se encontra (foto).

Mais uma canção que tornou-se um magnífico single, e, representa, com suavidade, a elegia pura do ídolo, em seu momento sobre o palco, que, para ele, naquele instante, é um repouso libertário.

"Há uma chama, uma chama em meu coração... E não há chuva que possa apaga-la...(...)... Então apenas me abrace... Tire a dor de dentro da minha alma...E eu estou com medo, assim tão só...(...)... E não, não me deixe ir por tudo que eu sou...Coloque em suas mãos, e, me abrace. E eu farei isso por entre o anoitecer. E eu ficarei bem... Agarre-se, agarre-se em meu coração".

Belíssimo solo, belíssimo trabalho acústico, belíssima canção. É o descanso merecido, antes que JONATHAN enxergue novamente, o anoitecer dentro de seus olhos. É o último suspiro sobre a corda bamba, antes que ele resolva abraçar o fim.

XII – The Great Misconceptions of Me

E não será um fim qualquer... é chegado o momento, e, JONATHAN dirige-se, uma vez mais, ao palco. Ao público, ele anuncia: "Bem vindos ao show, o grande final, terminantemente aqui. Eu agradeço a vocês por virem no meu teatro do medo. Bem vindos ao show, vocês são todos testemunhas, vocês assistem a um convite privilegiado para minha extrema-unção".

Começa aqui o circo trágico de toda grande fábula grega. A musicalidade, como sempre, é o ponto alto, mesclando-se a uma letra autodestruidora de sonhos e esperanças. A letra onde amar e ser livre significa: morrer.

Ao longe, JONATHAN enxerga sua mãe, e, lhe diz: "Se lembra de mim? Você não pode me salvar. Mamãe, você nunca precisou de mim...(...)... Olhe nos meus olhos, você verá... Mamãe, eu estou sozinho, sou apenas eu... sou apenas eu".

E volta-se novamente à plateia, e, diz: "Eu não quero ser, eu não quero ser, eu não quero ser o ídolo rubro de um milhão de pessoas...(...)... Eu sou um prisioneiro do paraíso que eu sonhei... O ídolo de um milhão de faces solitárias olhando para mim. Por trás da máscara da tristeza, quatro portas da perdição para além dos meus olhos... Eu tenho suas pegadas todas através de minha mente rubra".

Mas JONATHAN quer mais, e, também chama o Rei da Misericórdia, para dizer-lhe: "Vida longa, vida longa ao Rei da Misericórdia!!!". E, enquanto o avassalador trabalho de todo o grupo transforma a canção numa aventura fantástica de quase dez minutos, ainda há um último momento, para que JONATHAN, uma vez mais, busque a pergunta que jamais será respondida, agora transformada em afirmação: "There is no love to shelter me!!! Only love, love set me free!!!"

Não há amor. Nunca houve amor. Não haverá amor até o fim dos tempos para o menino JONATHAN. Chega então, o momento do fim.

"Vivendo na luz do palco, eu pouco percebia... Eu estava morrendo nas sombras e o espelho era minha alma. Era tudo o que eu queria, tudo o que eu sonhei; mas o sonho tornou-se o meu pesadelo, e, ninguém pôde me ouvir gritar. Com estas seis cordas eu preparo uma armadilha para tirar minha vida. Chegou a hora de escolher a manchete do meu falecimento, do meu suicídio."

Um momento absolutamente épico em toda a história do rock. E uma música espetacular!!!

E assim, a morte chega através das mesmas cordas das guitarras que levaram o menino ao posto de ídolo. A morte chega impiedosamente, enquanto as janelas da injustiça de tantas e histórias de crianças abandonadas por seus pais, incompreendidas por agirem em descompasso com a sociedade, diariamente violentadas e mortas pelos dogmas humanos, é apagada dos registros da verdade, para permanecer incógnita e indecifrável. E assim, uma vez mais, o mundo cruel e covarde vence a batalha contra alguém que apenas busca receber amor.

ANTONIN ARTAUD, ARTHUR RIMBAUD, SHAKESPEARE, TENNESSEE WILLIAMS, SÓFOCLES, e, tantos outros dramaturgos e poetas, inexistem neste instante. BLACKIE LAWLESS torna-se, ainda que por um momento, um poeta e compositor acima do bem e do mal. E "The Crimson Idol" é o maior testemunho de um genial lampejo de criatividade, amor, sofrimento e música, poucas vezes executado.

Infelizmente, por mais brilhante que este álbum seja, acredito que ele ainda não teve o reconhecimento que merece. Talvez, daqui há algumas décadas, seja elevado ao posto de uma das maiores histórias já concebidas, e, um dos melhores registros musicais. É evidente que, depois de "Tommy" e "The Wall" (além de outros conceituais, como ¨Tales From Topographic Oceans¨, ¨The Lamb Lies Down On Broadway¨, etc), os álbuns conceituais passaram a ser vistos por muitas pessoas (não todas, ainda bem) como "cópias das cópias" ou ¨algo sem novidade no mundo do rock¨, quando na verdade, seria importante saber diferenciar cada novo trabalho conceitual dentro de sua particular essência e do universo para o qual de destinam, e, principalmente, dentro da história da banda que os criou. Mas ainda assim, "The Crimson Idol" foi bem elogiado pelos fãs e pela crítica em geral. Porém, a meu ver, merecia muito mais créditos. Muito mais.

Em sua edição remasterizada, ele teve uma faixa bônus chamada: "The Story of Jonathan (Prologue To The Crimson Idol)", e, um CD com extras e regravações. Para os colecionadores, torna-se ideal adquirir justamente, esta edição dupla.

XIII - Conclusão

ALBERT EINSTEIN dizia que "a fama é para os homens como os cabelos - cresce depois da morte, quando já lhe é de pouca serventia". Mas, no caso de JONATHAN AARON STEEL, a fama chegou muito antes, e, foi justamente ela que tirou sua vida.

Prefiro a frase de ANTONIN ARTAUD, que conclui de forma única: ¨Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno¨.

E assim, encerra-se a profecia de um ídolo que saiu do inferno de uma vida familiar, escreveu e compôs para alcançar o céu e os excessos da fama, e, deixou de existir nos livros da sociedade, para navegar nos excessos do grande amor que ele sempre perseguiu em vida: o amor que o leva para além dos confins da eternidade.

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Sobre Ronaldo Celoto

Natural do Estado de São Paulo, é escritor, professor, poeta e consultor em direito, política e gestão pública. Bacharel em Direito, com Mestrado em Ciência Política, atualmente cursa Doutorado em Direito, Justiça e Cidadania pela Universidade de Coimbra. Além destas atividades, dedica diariamente parte de seu tempo à pesquisa e produção de artigos científicos, contos, romances, matérias jornalísticas, biografias e resenhas. Seus interesses pessoais são: cinema, política, jornalismo, literatura, sociologia das resistências, ética, direitos humanos e música.
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