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Johnny Cash: artistas humanos sempre são mais interessantes

Resenha - American IV: The Man Comes Around - Johnny Cash

Por Fábio Visnadi
Postado em 16 de novembro de 2010

Certa vez Fernando Pessoa, se travestindo intelectualmente de Álvaro de Campos escreveu em seu "Poema em Linha Reta" que nunca tinha conhecido quem tivesse levado porrada. Perguntava-se aonde é que havia gente nesse mundo. Estava cansado de semideuses. Todos seus conhecidos haviam sido campeões em tudo. Numa época em que o modernismo aproximava a arte do público, ainda figurava a poesia tecnica e academicista do parnasianismo no inconsciente popular. Um período em que os artistas eram menos humanos. Certamente o poeta português não viveu nos anos 60. Numa época em que Bob Dylan com sua voz esganiçada e sua aura bêbada se tornava o ídolo de toda uma geração. Quando os personagens das manchetes eram os mais humanos, mais próximos do povo. Quando havia uma identificação maior com seus ídolos.

Johnny Cash - Mais Novidades

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Artistas humanos sempre são mais interessantes. Aqueles das lições de vida e do tudo sob medida pouco conhecem sobre o mundo. Mané Garrincha, o anjo das pernas tortas, não era a alegria do povo apenas por seu futebol. Ele era o povo. Mesmo com seus vícios e fraquezas, isso no fundo sensibilizava ainda mais e facilitava o processo de aproximação e identificação pessoal com seu ídolo. Ele era como eles. Assim como Johnny Cash era a América. O ponto de encontro entre o rock e o country, o gênero musical mais norte-americano já inventado. Talvez por isso a série de discos lançada pouco antes de sua morte tivesse sido batizada de American. Não pela gravadora American Recordings, mas sim por ele representar a síntese do povo americano.

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Mr. Johnny Cash era o encontro das raízes com o novo. Do clássico com o moderno. Do semi-deus com o humano. Mas era um bêbado. E machucava todos a sua volta. E se esforçava. Mas fraquezas são fraquezas. E das maiores fraquezas que se nasce a arte. Talvez por isso seja um dos maiores intérpretes de todos os tempos. A canção "Hurt", de Trent Reznor, que compõe o quarto álbum da série American, "The Man Comes Around" parecia ter sido escrita sob medida por ele. O músico dos Nine Inch Nails chegou até mesmo a afirmar que tinha perdido sua namoradinha, pois a canção não pertencia mais a seu criador.

O homem-de-preto, alcunha dada ao cantor por sempre estar vestido de preto, consegue a proeza de tornar um álbum que é composto por covers em sua maioria em algo extremamente pessoal e íntimo. Mais ou menos como a identificação do ouvinte ao ouvir seu álbum. Quem quer que ouça American IV percebe o quão humano o disco é. O quão próximo de cada um. E mesmo assim soa algo tão autoral.

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Seja pela nostalgia do passado, na regravação de "In My Life", composta pelo quarteto de Liverpool, seja pelo deus pessoal que cada um carrega dentro de si em "Personal Jesus", composta pelo Depeche Mode; o fato é que o countryman aqui faz uma colcha de retalhos com todas as fases que compõe a vida humana. A solidão (I’m So Lonesome I Could Cry), um simples "vou estar ao seu lado" que na voz do cantor em Bridge Over Troubled Water, de Paul Simon, não soa em momento algum como raso ou superficial. Ou até mesmo a lírica de um assassinato em "I Hung My Head". Tudo isso com o backing vocal de gente conhecida como Fiona Apple e Nick Cave.

E acima de tudo a voz de Johnny Cash, que é algo ímpar. Na arte, a técnica é utilizada para atingir a essência; e nesse caso, sua voz grossa, rouca e de um senhor de idade passa a impressão de um avô com histórias pra contar. Mas não aquele tipo de avô prolixo com histórias supérfluas que de nada interessam. É o tipo de pessoa que realmente sabe sobre a vida e ainda assim não se julga no direito de achar que sabe mais que os outros. É o paradoxo entre o velho e o jovem.

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Por isso se pode dizer que a obra de Johnny Cash é uma obra de antíteses. Sem nunca soar piegas, mas mantendo a sensibilidade, o homem que agradava desde donas-de-casa classe média até os penitenciários de Folsom e San Quentin conseguiu se reinventar mantendo sua identidade. Fazendo o clássico e soando novo. E mais do que isso, quando os artistas passam a ser humanos e deixam de ser semideuses, esse senhor de idade consegue a proeza de se tornar idealizado pelo simples fato de ser humano. E ter defeitos. Mas não em sua obra.

Tracklist:

1. The Man Comes Around
2. Hurt
3. Give My Love to Rose
4. Bridge Over Troubled Water
5. I Hung My Head
6. The First Time Ever I Saw Your Face
7. Personal Jesus
8. In My Life
9. Sam Hall
10. Danny Boy
11. Desperado
12. I’m So Lonesome I Could Cry
13. Tear Stained Letter
14. Streets of Laredo
15. We’ll Meet Again

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