Resenha - Lóki? - Arnaldo Baptista
Por Maurício Antunes Ariede
Postado em 19 de julho de 2003
O longo reinado dos Mutantes (na formação clássica) durou cinco (brilhantes) discos e foi encerrado em 1973, com o progressivo e psicodélico "Mutantes e seus cometas no país dos bauretes". Logo depois, Sérgio procurou tocar a bola pra frente, juntamente com o irmão, Arnaldo, mergulhando cada vez mais no LSD e no virtuosismo.
Porém, neste ínterim Arnaldo entrou numas de baixo astral, aliado a uma profunda depressão, causada principalmente devido a sua separação de Rita Lee. Foi neste período que ele procurou o poderoso da Philips, André Middami (satirizado por Raul Seixas em "Só Pra Variar", do lp Abre-te Sésamo, 1980) e propôs o projeto de um disco solo. Como bem salienta Carlos Calado, Middami sentiu que Arnaldo precisava gravar aquelas composições, que seriam uma espécie de desabafo.
Para tanto, seus antigos parceiros foram convidados, Dinho na bateria e Liminha no baixo, Rita faz backing vocal em duas composições e o maestro e amigo Rogério Duprat faz os arranjos de orquestra em outras duas. O disco todo foi composto sem muitos ensaios; com exceção de duas músicas com orquestra, outra com um piano moog e outra onde Arnaldo toca sozinho um violão, todas as faixas tem APENAS baixo, bateria e piano (tocado por Arnaldo) e foram gravadas em primeiro take (com todos os instrumentos tocando juntos).
As melhores composições são "Será que eu vou virar bolor?", "Vou me afundar na lingerie", "Desculpe" e "Cê tá pensando que eu sou Lóki?". As duas primeiras são desabafos marcantes, com frases bem sacadas, aliadas a um ótimo arranjo e ao vocal descontraído de Arnaldo. "Desculpe" é tristíssima e foi feita nitidamente para Rita Lee. Basta prestar atenção a sua letra e a "bandeira" que Arnaldo deixa escapar no meio da música; num certo momento ele canta: "Não sou perfeito, nem mesmo você é", seguido de um "Riiii!" que culmina num grito pungente. "Cê tá pensando..." é uma canção auto-confessional, meio na linha do que Raul Seixas faria ao gravar "Maluco Beleza"; nesta canção a "bandeira" continua; em certo momento Arnaldo cita o nome Cilibrina, que remete diretamente as Cilibrinas do Éden, nome da dupla que Rita Lee e sua amiga Lúcia usaram pra se apresentarem no festival Phono 73.
"Uma pessoa só" foi composta ainda durante a época dos Mutantes, porém não foi gravada pelo grupo; destaca-se a frase "tamos numa boa pescando pessoas no mar" que é um exemplo das maravilhosas e delirantes composições de Arnaldo. O arranjo é um dos mais bonitos e trabalhados do disco, inesquecível.
Ao final, a vontade é de ouvir o disco todo novamente; sua audição se parece com a leitura do livro Ulysses de James Joyce, pois exige constantes repetições, que por sua vez mostram sempre facetas novas da personalidade e genialidade de Arnaldo Baptista.
Por fim vale salientar que o próprio Arnaldo ficou descontente com a capa do disco e com seu título "Lóki?"; mas teve que ceder aos caprichos de André Middami. A contra-capa mostra Arnaldo sentado num gramado, tendo ao fundo uma estátua de um anjo que foi roubada por ele de um cemitério (o que levou o resto do grupo a suspeitar das condições mentais de Arnaldo que passava o dia todo viajando no LSD).
Porém, acima de tudo, este talvez seja um dos discos mais geniais já compostos por um artista brasileiro, além de mostrar toda a versatilidade e competência musical de Arnaldo Baptista. Já há regravações em CD, porém tão escondidas que realmente desanimam qualquer um; o vinil teve uma regravação em 1983, pela Fontana, e depois sumiu do mapa, sendo encontrado a muito custo em sebos. Quem gosta de Mutantes não pode deixar de ouvir, viajar e chorar.
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