Roça n Roll: cobertura exclusiva da 13ª edição do festival
Resenha - Roça n Roll (Varginha, 23 a 25/07/2011)
Por Fernanda Lira
Postado em 21 de julho de 2011
Os dias 23, 24 e 25 de junho não foram os mesmos de sempre em Varginha, Minas Gerais. Nas ruas da calma cidade durante essa semana, um número maior de headbangers, devidamente colorindo o lugar com o preto de suas roupas, demonstrava que mais uma vez chegava a hora para o Roça N Roll, já tradicional festival de metal nacional – talvez um dos maiores em termos de estrutura e qualidade – que desta vez celebrava a 13ª edição do evento com algumas inovações: além de agora serem três dias de puro rock e metal, a estrutura de camping e a presença de um nome internacional de peso vieram para fazer diferença!
Fotos: Fernanda Lira
Mais uma vez a Cangaço Produções, idealizada por Bruno Maia (Braia, ex-Tuatha de Dannan), provou que com incentivo do governo e, é claro, do fiel público, é possível sim manter um evento de grande porte e, apesar de mais modesto, nos moldes dos maravilhosos festivais de verão internacionais, por bastante tempo e sem pecar em estrutura.
Infelizmente, não pude comparecer ao primeiro dia. Sinceramente, por estar um pouco mais morno que os dois seguintes, não me arrependi tanto... Sem contar que agüentar três dias seguidos de festival não é pra qualquer um.
O segundo dia da jornada foi especial. Antes das grandes bandas encerrando a noite, aconteceu a final do Metal Battle, seletiva de âmbito nacional que levou bandas de vários estados a uma grand finale excelente, da qual apenas um grupo sairia vencedor e faturaria a oportunidade de disputar com bandas internacionais no Wacken Open Air, na Alemanha. Independente da banda que ganhasse, já vale a honra de ter uma banda de nosso país nos representando nessa grande batalha. Aliás, representando muito bem. Todas as bandas presentes mostraram o porquê de estarem participando de uma final tão concorrida: músicas bem compostas e executadas, performances interessantes e muito profissionalismo. Tenho dó de quem estava na pele de jurado, pois a qualidade das bandas – e o consenso foi geral – era indiscutível. Isso só veio a provar uma coisa: o metal nacional é forte e repleto de bandas boas, muitas vezes ainda desconhecidas por falta de apoio. Fica o recado para aqueles que ainda pecam em não valorizar a cena nacional! Destaque para a banda Red Front, que no palco prova cada vez mais porque vem recebendo todo o merecido reconhecimento da mídia e dos fãs, além dos vencedores da banda Nekrost, de Manaus. Após conversar com os integrantes e saber de todo o esforço que fizeram para chegar onde conseguiram, meu apoio à banda só cresceu – em seus shows chegaram a fazer cofrinhos públicos, para que colegas e conterrâneos contribuíssem com pequenas quantias que os ajudassem a comprar a passagem para comparecer à grande final. Muito interessante!
Em seguida vieram algumas bandas já com um público mais sólido. Tyerramística, que já vem ganhando um nome, após ter aberto alguns shows do Scorpions, fez um show de qualidade para quem gosta do estilo. O único ponto que realmente me deixou com o pé atrás foi a atitude da banda em maldizer as pessoas que não puderam estar ali presentes, ao invés de exaltar e fazer um bom show para os que estavam ali, guerreiros no meio de uma noite com um frio não tão castigante, mas também nada agradável. Sem contar alguns covers desnecessários, para uma banda que já tem certo nome e músicas próprias. Andralls se apresentou no melhor estilo "vivendo cada dia mais sujo e agressivo" (música do Ratos de Porão): riffs rápidos, música com pegada agressiva e pesada e tímidos bate-cabeças marcaram a performance da banda. Para finalizar em grande estilo, Patrulha do Espaço. Uma pena o público estar escasso para uma banda de tanta importância para o rock nacional. Para aqueles que torcem o nariz sem conhecer a banda, pelo fato de ela tocar rock (e não metal), fica a dica de conhecer mais a fundo esse verdadeiro baluarte brasileiro. Riffs e melodias positivamente pegajosas e levadas tradicionais excelentes na bateria foram a marca registrada nessa apresentação que mostrou uma banda triplamente mais pesada ao vivo que em estúdio.
O terceiro e mais promissor dia do evento começou cedo. Ao meio dia, diversas caravanas já preenchiam o estacionamento do Roça, pessoas já deixavam a área de camping e alguns já até estavam (novamente) bêbados aguardando os shows começarem enquanto se serviam de pratos feitos servidos por moradores locais ou rondavam e exploravam a bela área natural ao redor da Fazenda Estrela.
Alguns podem estranhar a ausência de momentos de calmaria entre a resenha de um show e outro, mas eu simplesmente estarei descrevendo as atividades tal qual elas iam acontecendo. E sim, o sistema de revezamento entre os palcos no Roça é um dos mais eficientes que já vi. Se há alguém que realmente queira acompanhar todas as apresentações, haja fôlego e perna. A eficiência é tanta, que o tempo de espera entre o fim de uma banda e início de outra deve beirar os cinco minutos. Isso porque enquanto uma se apresenta no palco 1, a outra passa o som no palco 2. Tudo isso de forma muito bem organizada e supervisionada pela produção do evento.
A primeira da longa seqüência de bandas foi Attacke Nuclear, banda de crossover cantada em português. Foi o aperitivo ideal para começar o evento e incentivas as pessoas a se aproximarem do palco e fazê-las preparadas para o show seguinte e um dos meus favoritos desta edição. O Ancesttral, colocado num horário digamos injustiçado (por não haver muito público) foi um dos grupos mais poderosos ao vivo naquele dia e isso se provou com o próprio público, que no início era contável e dentro de poucas músicas executadas aumentou copiosamente, pois a própria sonoridade e presença da banda, somadas aos crescentes bate-cabeças passaram a chamar a atenção de quem ainda não havia conferido os caras ao vivo.
Na sequência o lendário guitarrista Jão, do Ratos de Porão, e o ex-baixista desta banda, Jabá, deram as caras com um projeto paralelo de punk, chamado Periferia S.A.. Apesar de muito conhecida pelos fãs, poucos estavam ali presentes. O legal de ver é que o carisma despojado e a capacidade de compor de Jão reúne, com qualquer banda que seja, headbangers, punks e certa parcela de fãs de hardcore em um único show, como foi o caso desse, onde o escasso, mas extasiado público até escalava o palco para elogiar o trio.
O Uganga já pareceu ser mais querido ainda pelo público. Se apresentando ao cair da tarde, a banda reuniu um bom público que além de cantar vários dos sons deles, ainda fazia moshpits violentos. Um dos pontos altos ocorreu na hora em que o vocalista Manu Joker, ex-integrante do lendário Sarcófago, foi para a bateria e lá executou um som inteiro. Para os fãs de thrash metal o show foi uma ótima pedida, principalmente devido à ótima performance ao vivo da banda, tanto quanto à execução afiada dos instrumentos.
Em seguida viria, pelo menos em minha opinião, uma das maiores surpresas da noite: a carioca Gangrena Gasosa. Eu assumo que quando chequei a discografia e soube do estilo inusitado de fazer metal que esses quase veteranos optam em executar, não achei nada bom. Mas, ao vivo, não há como não gostar da banda. Virei fã, na certa! Como os próprios integrantes pregam, a banda gosta de valorizar o ‘capeta brasileiro’ e, por isso, além de abordar a macumba (como nas músicas "Chuta que é macumba" e "Despacho from hell") a banda sobe ao palco em trajes de entidades como Satanás (baixista) e Pomba Gira (percussionista). Apesar de assustar à primeira vista, todo esse visual, mesclado aos batuques típicos de terreiros e de ritmos abrasileirados com os riffs e blast beats do metal, impressionam positivamente e a performance bem enérgica do grupo cativa a todos. Misturando ocultismo com bom humor, a banda, para mim, foi uma das surpresas agradáveis do evento.
Outro favorito estava por vir: os paulistas do Claustrofobia. A boa discografia e história da banda além de sua sólida base de fãs já são prova da qualidade e profissionalismo do grupo. Mas recentemente o grupo vem passando por uma evolução musical perceptível aos ouvidos e olhos. A agressividade no ‘Metal Malóka’ deles está cada vez mais intensa e as pegadas, cada vez mais rápidas. Além de executarem os clássicos já na boca do público, a banda ainda mandou alguns sons do seu vindouro álbum, intitulado "Peste", que será totalmente cantado em português. Sem dúvida, esses caras estão no meu top 3 de bandas que melhor representam o metal brasileiro, agressivo e diferenciado como tem que ser!
Em uma das minhas pausas para repousar o pescoço, ali, mais afastada da multidão, tocava o Imago Mortis, aparentemente também bem aclamado pelos fãs. O visual dos integrantes e os climas que as músicas da banda proporcionam são sem dúvida, um diferencial. Em um show com a instrumental bem coesa, eles agradaram a todos os presentes ali, sejam eles já velhos fãs da banda, ou novos, como eu.
Outra lenda do metal subiu ao palco enquanto eu repousava (por pouco tempo, antes de eu irresistivelmente voltar à multidão que bangueava incansavelmente). O Genocídio já alcançou também certo reconhecimento na cena e os fãs estavam ali para provar isso. Cantando cada música e bangueando ao som dos bumbos duplos eles foram uma parte essencial na apresentação. Foi uma das mais cheias apresentações, e a excitação do público fez com que alguns deslizes técnicos, como um som um pouco abafado da instrumental por vezes, ficassem quase imperceptíveis.
Para acalmar os ânimos após uma sequência matadora de música extrema, veio o Cracker Blues, com seu rock n roll bem puxado pro southern. Mais do que a música, a galera estava mais interessada nas duas backing vocals, estilosas e talentosinhas (sim, inhas), fazendo as vozes mais diferenciadas nas composições. A trilha que o grupo proporcionou foi ideal para quem queria uma pausa para tomar uma cerveja ou algo mais quente e viajar com aquela sonzeira bem típica de viajar (no sentido literal e figurado da palavra!). A pena foi que esse show também foi a porta de entrada para sentirmos aquele típico e cortante frio do Roça n Roll. Não que a banda fosse ‘fria’, mas após horas bangueando, um som mais light inevitavelmente faria o sangue esfriar.
Vale citar, para os curiosos, que não, o frio não estava tão absurdo quanto no ano passado. Estava frio, frio absurdo, daqueles de botar oito blusas. Mas igual ao do ano passado, nunca haverá! Tanto que um caldo de feijão e uma dose de uísque foram suficientes para me aquecer dessa vez. Aliás, por conta dessa pausa para comida, não pude acompanhar o show do Amen Corner, grandes do Black metal nacional, por inteiro. Afinal, ninguém é de ferro, e a fogueirazinha que uns moradores fizeram ali perto da área de camping estava irresistível.
Um dos grandes momento desta edição do Roça seria, sem dúvida, a última apresentação de Bruno Maia, guitarrista, vocalista, flautista (e tudo mais ‘ista’ que vocês imaginarem) do Tuatha de Dannan com a banda. E que saudade todos estavam de ver a banda ao vivo! Ainda em plena forma, mesmo depois de meses sem subir ao palco, deu dó saber que ali talvez fosse um fim de toda uma era. Tanto que o público não parou um minuto de gritar para o Bruno permanecer na banda, durante corinhos altíssimos e em uníssono. Desafinadas e desentoadas de Bruno à parte (afinal, coordenar um evento e ainda tocar nele, não é fácil sem um deslize ou outro!), o show foi perfeito e recheado de clássicos dessa mistura perfeita entre música celta e metal!
Já perto do fim da noite, outra grande atração. Dando uma respirada antes de entrar em turnê com seu novo projeto Symfonia, Andre Matos apareceu para alegrar os adoradores de metal de melódico de plantão. Sendo uma grande fã vocalista, achei o set list digníssimo, pois foram dosadas musicas do Angra, Shaaman e de sua carreira solo, que muitos acharam ter dado uma pausa por um tempo. Aliás, um dos únicos motivos que diminuíram a grandeza do show, foi uma aparente falta de entrosamento entre alguns dos integrantes. Talvez seja apenas uma impressão particular de uma fã da clássica formação de sua carreira solo, portanto, ressalto que essa é apenas minha opinião.
O palco abarrotado já ditava qual seria a próxima atração – e a mais esperada da noite. O Cathedral, banda inglesa de doom metal, fez sua primeira e última passagem no país durante sua extensa carreira de 20 anos e, dentre um show e outro na turnê, uma parada no Roça. Em uma conversa que tive com os membros, eles diziam estar super felizes em estar passando pelo Brasil exatamente em sua turnê de despedida, já que anunciaram há pouca dissolução do grupo. E com certeza, os milhares de fãs – milhares mesmo, já que o festival sempre tem ótimos índices de lotação – sentiam essa mesma alegria que esteve claramente expressa durante todo o show, que, aliás, foi sem dúvida o melhor da noite.
Infelizmente, não pude ficar até o fim da madrugada, pois o cansaço não permitia mais. E ao som do Cathedral, me despedi do festival, que a julgar pelo grade público e produção de qualidade, tem de tudo para ser o melhor do gênero do país. Viva o Wacken brasileiro!
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