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Política e Música: De virtuosos ao desânimo convertido de um Leonard Cohen

Por Rodrigo Contrera
Postado em 25 de julho de 2016

Quando eu fazia jornalismo na ECA-USP, eu não realizava as necessárias e talvez benfazejas conexões entre o contexto político (a política sempre me atraiu) e o ambiente musical da época. Para mim, era como se eu vivesse, em última instância, compartilhando, em mim, universos estanques que diziam respeito somente a estética, pelo lado da música, e o dever-ser, pelo lado da política.

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Passou-se muito tempo até que eu conseguisse conectar esses universos, mas nunca o fiz nem o faço da forma habitual, pegando as referências que a maioria de nós leva da vida com momentos importantes da política, em nossa humilde opinião. Para mim, a conexão entre os universos parece ser mais intrínseca, e menos dependente de modismos ou de fases da vida. Em outras palavras, sou mais frio com tudo isso.

Hoje percebo por exemplo que na década de 80 minha fixação nos guitarristas virtuosos não se devia necessariamente ao jeito macho-man que eles usavam para enlevar os seus egos, mas, com um olhar mais pessimista, à descrença na palavra. Faço aqui um breve excurso pessoal.

Eu vivia uma fase horrível, com brigas horrendas em casa, por motivos familiares que não vem ao caso explicar, e por outro lado sentia que a ditadura militar (1964-1989) estava sendo objeto de excessivo palavreado e, por outro lado, tudo o que era dito parecia em última instância infundado ou originado de quem não mandava. Boatos.

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Eu lia a revista Senhor, que não parece ter deixado muitas marcas no jornalismo político mas que me nutria com análises menos rasteiras do que as tradicionais e um foco mais conservador que eu apreciava na The Economist (que, pelo meu parco inglês, mal conseguia ler). Eu sentia, aqui comigo, que passada a transição (sobre a qual todos os professores não se cansavam de chutar), algo de novo iria aparecer - algo que eu não necessariamente estava a fim de conhecer.

As brigas familiares me impunham a descrença na palavra falada. O contexto sócio-político me impunha descrença na palavra escrita. Os guitarristas preenchiam esse meu intenso elã numa expressão que não acontecia. Os meus guitarristas prediletos eram Yngwie Malmsteen, Vinnie Moore e Tony Macalpine (este, negro).

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Hoje noto também: as músicas que mais me atraíam no "sueco" e erudito Malmsteen respeito a energia enquanto mola propulsora da vida (Far Beyond the Sun), o universo indômito (Krakatau) e uma certa admissão fatalista de que as coisas são mesmo isso: ascenção e queda (Black Star) e uma ou outra balada de amor romântico piegas que eu não ousava - como não ousei até há pouco tempo - admitir Dreaming (Tell Me) romantismo.jpg. Eu até certo ponto odiava os vocais, mesmo que ousassem ser bregas como eu apreciava. Eles "diziam" algo, e eu como que não queria que ninguém mais "me dissesse" nada. Havia nele claro a atração pelo rebuscado erudito, mas essa não se manteve com o tempo.

Mas havia os outros, que ficaram mais lá para trás. Como Vinnie Moore.

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Em sua obra, as atrações diziam respeito a um tipo de energia incontida (presente em Race with Destiny) e Prelude/ Into the Future, hope future.jpg, faixas de Time Odyssey, de Vinnie Moore) ou em algo que remetia a motivos pessoais (Saved by a miracle). primordial_seguro_moto.jpg Neste caso, eu relembrava, enquanto ouvia a faixa e o solo bastante adequado de bateria, minha forte experiência com motos e momentos de perigo por que passei.

Mas e em Macalpine?

Aqui é interessante notar como ele me atraía por seu interesse social (Edge of Insanity) ou quem sabe de epoca apesar de no fundo o de que eu mais gostasse fosse de seu timbre distorcido ao extremo, especialmente nos solos.

Em suma, a única conexão, digamos, social ou política da obra desses guitarristas em minha psiquê dizia respeito a uma descrença no entendimento - que em mim, em grande parte, ainda vigora, mesmo ou por causa mesmo de minha maior experiência prática (fui síndico e conselheiro, vivenciei bastante mais de política na prática como repórter, assim como de vida crua, a chamada vida de cão, enquanto repórter de Geral). Não fiquei com coração peludo, como dizem, mas quase.

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Mas o tempo passou e com ele, minha vida. O foco nos guitarristas amainou, embora não tenha desaparecido de todo, e fui ouvindo outras coisas. Mas a curiosidade foi notar como passei ileso por todo o rock incensado pelos anos 60 e 70, como não entrei na barafunda de paz e amor ou liberdade, simplesmente, de gente como Lou Reed, David Bowie e outros ainda mais influentes (Neil Young e Bob Dylan), não sendo porém cego a todas as conquistas daquela geração e mesmo às influências literárias que advinham dela (todo o New Journalism, os beats, etc.). Eu preferi descansar, meio sem perceber, em uma estrela menor (embora grandiosa) deles todos: o canadense Leonard Cohen.

O hoje velhinho elegante me atraiu, desde o começo, não por suas supostas mensagens políticas - que sempre existiram. Era seu jeito simplório mas ao mesmo tempo elegante, seu jeito direto e melancólico, seu romantismo mais afeito aos fatos, que mais me atraía - e que atraiu também minha ex-esposa à minha pessoa. O tempo passou e foi esse caráter mais leve e profundo que permaneceu. Mas como estamos falando de contexto, preciso citar duas músicas que possuem esse link e que, embora deploráveis para alguns, passaram a compor meu universo de crença ou descrença no amanhã: First we take Manhattan e The Future.

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Era final dos 80, começo dos 90, queda do muro de Berlin (que até hoje não entendo, refiro-me ao muro, não à sua queda), começo do multilateralismo geopolítico (com o fim da Guerra Fria) e os conflitos no começo superestimados mas depois corretos entre religiões e visões de mundo (à la Samuel Huntington, que eu lia na época, dado fazer cursos sobre Filosofia e Estratégia - este último, que não concluí). E First we take Manhattan e The Future me passavam uma perspectiva nada animadora, muito ao contrário - sombria, embora - sempre - de extremo bom-gosto.

Era bem o que eu achava. As pessoas falavam coisas, e não cumpriam. Pregavam moralidade, e molhavam a mão do guarda de trânsito por alguma infração pela qual não queriam ser penalizadas (e nem levavam pontos na carteira, caramba), diziam que ouviam o contraditório mas queriam amassá-lo com porradas ou jogo sujo, falavam acreditar na paz e forjavam a guerra nos níveis mais baixos das psiquês próprias e alheias.

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Pois o canadense via tudo isso, e reparava que o jogo agora iria ser subterrâneo e sobremaneira sujo a ponto de superar qualquer empecilho moral - não à toa The Future é trilha de Assassinos por Natureza.

Isso não era aquilo que eu queria como dever-ser, mas era como as coisas me apareciam, também - e em parte ainda aparecem, muito embora tente me negar a admitir (em mim mesmo, principalmente, o que denota uma clara hipocrisia ou ao menos um limite moral em termos de ausência de escrúpulos). O velhinho falava coisa com coisa - ao menos para mim (claro que não apenas eu o entendia).

Bom, estamos na década de 90, e tanto mais iria acontecer... Mas isso fica para outro artigo, também bastante idiossincrático!

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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