Caetano Veloso: MTV bota essa porra pra funcionar
Por Thiago Sarkis
Postado em 08 de novembro de 2004
Informações sobre a coluna: O título "associação livre" se refere a uma das mais importantes concepções da técnica psicanalítica. Num dos primeiros apontamentos sobre este método, Freud, em "Estudos sobre a histeria" (1895), faz a seguinte observação sobre sua paciente Emmy von N.: "As palavras que [ela] me dirige (...) não são tão inintencionais como parecem; reproduzem antes com fidelidade as recordações e as novas impressões que agiram sobre ela desde a nossa última conversa e emanam muitas vezes, de modo inteiramente inesperado, de reminiscências patogências de que ela se liberta espontaneamente pela palavra." Partindo desta noção, mas não nos prendendo a ela, e trazendo-a em outras perspectivas, objetivo nesta coluna dirigir palavras e tópicos também não tão "inintencionais" quanto possam parecer, e suscitar questões e impressões que emanarão, de fato, inesperadamente, sem uma determinação exata daquilo que será lembrado, elaborado, re-elaborado e / ou preparado para cada trabalho.
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A imprensa em geral chamou de chilique um dos melhores momentos da televisão brasileira nos últimos tempos. Porém, acho faltou-me a devida contundência nesta afirmação. Afinal, com Gugu Liberato, Fausto Silva, João Kleber e Márcia Goldschmit no páreo, não é muito difícil se destacar com um mínimo de qualidade. Deixe-me então refazer tudo isso.
No dia cinco de outubro de dois mil e quatro o senhor Caetano Veloso saiu de sua redoma tropicalista e após décadas caminhou contra o vento de maneira convincente, propiciando pequenos instantes de magia para os telespectadores da emissora por ele próprio ‘alcunhada’ de "EMETÊVÊ". O que aconteceu todos já sabem, mas a pergunta tem de ser feita: chutem o que se sucedeu ao instante de luz de Caetano? É óbvio, e nem precisava ocorrer para sabermos. Momento bom na TV brasileira é sinônimo de ser imediatamente ou, pouco depois, "tirado do ar". Dá até para montar uma equação matemática.
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Pois bem, assim foi. Irritado com a microfonia e o som da MTV, os quais impediram-no por duas vezes de executar "Nothing But Flowers" ao lado do ex-Talking Heads David Byrne, um dos maiores nomes da música popular brasileira bradou frente ao gringo e a uma platéia atônita: "MTV bota essa porra para funcionar. Toma vergonha na cara, vamos começar do começo". As palavras do baiano ecoaram e suas cordas vocais moveram-se e ganharam o alcance de um megafone. Não pelo fato de haver gritado, ou lapidado sua técnica vocal, mas sim por dizer ali o que milhares de pessoas pensam todos os dias.
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Sem sequer aperceber-se da magnitude de seu curto discurso, Caetano, de cara feia pediu respeito ao telespectador que, essencialmente, na "Music Television" quer ouvir, ora bolas, música. A discussão é tão séria que já não importa qual estilo está liderando as paradas de sucesso da emissora. No começo, houve a dedicação ao rock, não há como negar. "Money For Nothing" do Dire Straits diz tudo. Porém, chegamos a um ponto em que não podemos requisitar rock ou metal à MTV, por uma razão óbvia: da antiga proposta de televisão de música só sobraram vinhetas.
A programação pseudo engajada cultural, sócio e politicamente, e repleta de animações que vão do non-sense ao futurístico (às vezes ambos), não fracassa em raríssimas exceções como nos trabalhos do apresentador Carlos José de Araujo Pecini, o Cazé. Mesmo assim, não há música. Só se for de fundo ou para abrir os programas.
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A ausência de notas e acordes, e o fato da figura de grande compositor e virtuoso da emissora estar no VJ Edgard Piccoli talvez nos dê razões suficientes para sustentarmos que, por enquanto, pedir por rock ou coisa do tipo é um sonho descabido.
A "casa" está comemorando seus quatorze anos com o seguinte slogan: "14 anos. Idade de turbulência hormonal, excitação em excesso, instabilidade de emoções e crise. Deu pra entender? Então agüenta". Inegavelmente estão sendo sinceros com sua audiência.
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O investimento da MTV concentra-se, em considerável escala, na contratação de modelos, cuja compreensão musical é similar à reflexão de uma paca sobre sua existência. Exemplos plenos: Fernanda Tavares e Daniela Cicarelli. Sem dúvida competentes no que fazem fora da telinha. Aliás, não apenas profissionalmente, pois devemos ressaltar a velocidade no gatilho, especialmente da última mencionada; de deixar Marlon Brando com inveja. Contudo, o que fazem essas moças numa televisão que diz dedicar-se à música?
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No domingo, a tática para responder ao futebol ou aos "riquíssimos" programas da tarde é bastante clara: mais futebol, mas sem chuteira. Desde que garantiu o golaço da história da emissora, Cicarelli tornou-se uma overdose de final de semana. Sua voz roufenha é mais escutada que a de Amy Lee do Evanescence, Alanis Morissette, Dido, Shakira e Celine Dion (na época de "Titanic"!).
Programas como "Dance O Clipe" e "Daniela No País da MTV" são degradantes, auto-promocionais, e totalmente infrutíferos. Todavia, chega de tanto foco na mineira. Ela é a mais irritante simplesmente por ter a imagem super explorada. De toda maneira, existem piores.
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O "Missão MTV" comandado por Fernanda Tavares consegue superar a inutilidade de seus fortíssimos concorrentes. Um buraco negro surge na tela a cada vez que o programa vem ao ar. Quem, em sã consciência, vai gastar energia com eletrodoméstico para ver uma modelo-governanta? Se Fernanda quiser arrumar alguma casa, deve começar por sua própria emissora.
Há também aquela que não é alta e esguia para os padrões da moda, mas segue o ritual reflexivo das pacas e suas reflexões existenciais, Sarah Oliveira. Durante os já longos e penosos anos em que vem substituindo Sabrina Parlatore, a paulistana mostrou uma qualidade: saber ler. Quando tenta ir um tiquinho além do "script", retorce, confunde, enlouquece. Parece o filho de Elis Regina, João Marcelo Bôscoli, transmitindo o Rock In Rio em 2001, durante o qual soltou pérolas como "Sally" para a música "Don’t Look Back In Anger" do Oasis, e "Spins Like Teen Spirit" ao invés de "Smells Like Teen Spirit" do Nirvana. Tudo bem, ele pelo menos tinha alguma noção do que estava falando, Sarah, nem isso.
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Marina Person, apesar de "Meninas Veneno", salva-se ao lado de Adriana Golombek Wagner, a Didi. Ambas cumprem bem suas funções e geralmente trabalham a música além da vinheta de seus programas. O "Cine MTV" aparece como um dos melhores da programação, certamente.
Penélope teve um caminho tão bom que a emissora preferiu deixar o Riff sem VJ. Provavelmente a imagem dela associada à do pai, Marcelo Nova, traga um pouco de contravenção interessante que é novamente super explorada pela MTV, com programas como o "Ponto Pê".
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A ala masculina da emissora é bem mais produtiva. Enquanto as apresentadoras têm de ser bem encorpadas, os homens devem primar pelo seu lado palhaço. Eles têm a função específica de fazer você rir para não chorar. É o caso de Paulo Bonfá e Marcos Bianchi, Hermes e Renato, João Gordo e também, algumas vezes, Cazé. São eficientes na função que foram colocados e alguns conseguem ultrapassar os limites editorias da emissora.
O vocalista do Ratos de Porão é um bom exemplo de sucesso. É disparado o melhor do Brasil em sua função. O egocêntrico Jô Soares vai pro espaço frente ao cru e direto Gordo da MTV. Não só faz rir, como informa e fala de música. Finalmente achamos alguém.
[an error occurred while processing this directive]Rafa é nitidamente um cara bem intencionado e de conhecimento musical maior que quase todos os seus companheiros. No entanto, perde-se na proposta comercial, tendenciosa, e modista de seus chefes. Thaíde também entende do que fala, mas aí já não é comigo também.
Voltamos, no final das contas, à bela exposição de Caetano Veloso: "MTV bota essa porra pra funcionar". Essa porra se referindo ao som. Seja uma radiola, um DVD, um CD Player, o que for, coloca música direito nessa joça. E "vamos começar do começo" trazendo à baila a idéia que parece perdida em algum lugar do passado... de que MTV significa MUSIC TELEVISION e originalmente deveria dedicar sua programação à música, vídeo-clips, e não à promoção de modelos, governantas, marinheiros de primeira viagem, viajantes já experientes (Gabriel Conti Moojen no Mochilão), cabeleireiros & cia.
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Uma boa saída seja talvez nem discutir mais. É simplesmente saudável desligar a televisão ou, já que eles primam tanto pela imagem, deixá-la no mute.
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