Consultoria do Rock: análise do álbum "Hotel California"
Por Diogo Bizotto
Fonte: Consultoria do Rock
Postado em 27 de março de 2011
Houve uma época na qual os álbuns ganharam muito mais importância em relação aos singles. Se for necessário situar esse tempo mais especificamente, diria que a década de 70 foi a mais prolífica em se tratando de voltar as atenções do público para um trabalho como um todo ao invés de canções em separado. Discos como "Rumours" (FLEETWOOD MAC), "IV" (LED ZEPPELIN) "Boston" (BOSTON), "The Dark Side of the Moon" (PINK FLOYD) e "Bat Out of Hell" (MEAT LOAF) venderam dezenas de milhões de cópias e ajudaram a solidificar esse status. Mesmo os singles ou músicas de mais sucesso extraídas desses álbuns fugiam de formatos mais convencionais. Não raro eram longas, e mesmo assim eram muitas vezes executadas sem edição nas rádios. Entre esses artistas também estava o grupo norte-americano EAGLES, que, em se tratando de seu país de origem, foram os soberanos da década.
Em 1976 a situação do EAGLES não poderia ser melhor. A banda vinha de uma sequência de álbuns de sucesso, sendo que seus dois últimos lançamentos, "One of These Nights" (1975) e a recente coletânea "Their Greatest Hits (1971-1975)" (que se tornaria o segundo álbum mais vendido da história nos EUA) haviam ocupado o posto mais elevado da Billboard. De seus quatro últimos singles, dois haviam chegado à primeira posição nas paradas norte-americanas ("Best of My Love" e "One of These Nights"), um havia alcançado a segunda colocação ("Lyin' Eyes") e outro beliscou o quarto posto ("Take It to the Limit"). Além do gigantesco reconhecimento por parte do público, "Lyin' Eyes" havia conquistado o prêmio Grammy como melhor performance pop por uma dupla ou grupo com vocais. Por outro lado, o grupo havia acabado de sofrer a primeira baixa em sua formação. Mas até nisso o EAGLES não foi azarado, pois no lugar do vocalista e multiinstrumentista Bernie Leadon entrou um dos mais habilidosos guitarristas da época: Joe Walsh (ex-THE JAMES GANG), que também era multiinstrumentista e vocalista.
Mesmo com tudo a seu favor, a banda adentrou o estúdio Criteria, em Miami, com a intenção de consolidar ainda mais seu nome como a atração número um dos Estados Unidos. Oito meses foram passados tanto no Criteria quanto no Record Plant, em Los Angeles, até que o grupo tivesse encerrado o processo de produção desse álbum que, durante as gravações, encaminhou-se para um rumo conceitual. O EAGLES já havia feito um disco semiconceitual em 1973 com o excelente "Desperado", que mesmo não seguindo uma narrativa linear, versa sobre histórias ambientadas no oeste norte-americano durante o século XIX, expressando as influências musicais que tinham suas mais profundas raízes fincadas nessa época.
Mas em "Hotel California" a banda foi além. Ao invés de escrever letras de temática distante da realidade, resolveram olhar para seus próprios umbigos e retratar a realidade que rodeava aqueles cinco músicos, que saídos de diversas regiões do país, acabaram por se unir em busca de fama e fortuna na "terra prometida", a Califórnia. Talvez com exceção de "Pretty Maids All in a Row" e "Try And Love Again", o EAGLES buscou, através de diversas metáforas focadas no universo californiano de excessos que a banda vivenciava, apresentar as benesses e as agruras, a pujança e a decadência dos Estados Unidos como um todo. Não à toa as mais mirabolantes teorias surgiram a respeito da temática utilizada nas letras do álbum, especialmente em se tratando da faixa-título. O "hotel" em questão já foi tido como um hospital psiquiátrico, uma igreja tomada por satanistas e até mesmo a mansão de Aleister Crowley, entre outras coisas. As letras sugerem referências diversas, e esse é um dos pontos positivos de "Hotel California", colocar os ouvintes para refletir, ao mesmo tempo sugerindo interpretações diversas. Claro que, mesmo mais de 30 anos após o lançamento do disco, os membros da banda ainda são inquiridos constantemente a respeito do significado das letras, fato que já os irritou por diversas vezes, dada a grande insistência e a quantidade de questionamentos já respondidos em diversas oportunidades
Não foi apenas liricamente que o grupo deu um passo além nesse álbum. Musicalmente o EAGLES se mostrou ainda mais amadurecido do que no já sofisticado "One of These Nights". Rotulado por muitos como apenas um empacotador da fórmula criada anteriormente por grupos como THE BYRDS e THE FLYING BURRITO BROTHERS, polindo seu rock infectado de country até que esse se tornasse mais palatável para o ouvinte médio norte-americano, o EAGLES soa mais sólido do que nunca em "Hotel California". A adição de Joe Walsh no lugar de Bernie Leadon (que fez parte do THE FLYING BURRITO BROTHERS) trouxe um approach mais hard rock à banda, e a performance do baterista e vocalista Don Henley e do baixista e vocalista Randy Meisner é a mais roqueira de toda a discografia do grupo até então. O guitarrista e vocalista Glenn Frey se concentrou mais nas bases, enquanto Joe Walsh e Don Felder solaram com bom gosto, brilhando sem jamais deixar de jogar para o time.
Outro diferencial importantíssimo foi a ascensão de Don Henley como principal vocalista do grupo, cantando cinco das nove canções do álbum (uma é instrumental). Até então havia uma distribuição quase igualitária do número de faixas que cada um dos músicos cantaria, dependendo também da autoria das canções, geralmente equilibrada, com exceção do guitarrista Don Felder, que em sua carreira com o EAGLES cantou apenas a faixa "Visions", de "One of These Nights". Talvez essa tenha sido uma das razões para acirrar a guerra de egos que se reforçaria no grupo dali em diante, e que resultaria no final da banda em 1980 de maneira nada pacífica, culminando em um show ocorrido em Long Beach, onde Glenn Frey e Don Felder trocaram ameaças inclusive sobre o palco.
Lançado após meses de trabalho, e com o perfeccionismo de Don Henley chegando a raias quase intoleráveis pelos outros integrantes, "Hotel California" chegou às lojas no dia 8 de dezembro de 1976. Em apenas cinco dias, a 13 do mesmo mês, o álbum chegou a disco de ouro (500 mil cópias comercializadas), e dois dias depois alcançou a platina (1 milhão de cópias). O disco não apenas chegou à primeira posição na Billboard como permaneceu nesse posto por oito semanas, chegando à impressionante marca de 16 milhões de cópias vendidas apenas nos Estados Unidos. No futuro o álbum seria sempre um dos protagonistas de todo tipo de lista que se prestou a agregar os melhores e mais importantes discos já lançados na história da música moderna, tanto no rock quanto na música pop em geral.
Mas será que o conteúdo do disco é suficiente para justificar todo esse sucesso e reconhecimento conquistado pelo EAGLES, uma banda que, apesar de todo seu êxito comercial e da forte presença na cultura popular de seu país, não incutiu tanta influência musical a nível mundial?
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