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Jornalismo musical: um papo com Márcio Grings

Por Ricardo Seelig
Fonte: Collectors Room
Postado em 25 de junho de 2019

Conheço o Márcio Grings há vários anos. Ambos somos apaixonados por música, produzimos conteúdo sobre o assunto e escrevemos nos sites um do outro, em uma relação que, no que me toca, é fundamental para que eu me torne não apenas um escriba melhor e mais completo, mas sobretudo um ser humano mais maduro e ciente do mundo.

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No entanto, nunca nos encontramos pessoalmente.

A entrevista que você lerá abaixo mostra o porque de o Márcio merecer todos os elogios possíveis. Uma voz independente, com opiniões próprias e lúcidas sobre o jornalismo cultural e a arte de escrever sobre esse tema incrível que é a música.

Ao final da leitura você sentirá o que eu sinto: apesar de nunca termos apertado as mãos e dividido uma mesa de bar, o Grings é como um amigo de longa data e uma influência sempre presente.

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Pra começar, fale um pouco sobre a sua trajetória profissional. Onde começou, em quais lugares já trabalhou e onde podemos encontrar os seus textos hoje em dia.

Profissionalmente, sempre fui ligado à música. Com 17 anos comecei a trabalhar em lojas de discos, ainda na época dos LPs, no final dos anos 1980. Aos 22, fui gerente e comprador de uma das lojas mais tradicionais do interior do RS, a extinta Bobbysom. Nessa mesma época, comecei no rádio, onde mantinha participações em programa locais. Também vivenciei o início da comercialização dos CDs e todo aquele boom no mercado, a consequente expansão do formato compact disc, e consequentemente a morte anunciada dos long plays.

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Quando você começou a escrever sobre música?

Em 1994, comecei a publicar breves reviews de lançamentos daquele período num jornal local. Antes disso, sempre tive o costume de escrever sobre meus álbuns favoritos, anotações que apontava em rascunhos e os guardava dentro das capas dos LPs. Anos depois, durante minha passagem pela RBS, entre 2006 e 2014, acabei me tornando colunista de jornal e coordenador local da Rádio Itapema, ao qual também mantinha uma plataforma ligada ao Clic RBS, o Blog do Grings.

O que o motivou a escrever sobre música?

A necessidade de compreender o impacto de certos álbuns, artistas e obras em nossas vidas. Bem antes das biografias musicais virilizarem nas livrarias do país, eu importava livros de Portugal para poder ter acesso a mais informações. Era assinante da revista Bizz, assim como consumia praticamente tudo que era lançado em publicações do gênero.

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Sobre quais gêneros musicais você escreve?

Minha principal linha de atuação advém do cenário do rock internacional feito nos anos 1960/70/80. Acredito que a minha geração, que cresceu ouvindo música ainda na primeira metade da década de 1980, pegou um delay dos discos lançados lá fora 10, 15 anos antes. Então, enquanto no rádio tocavam canções do The Cure, Talking Heads e rolava toda aquela movimentação de ascensão do rock nacional, no meu toca-discos eu fritava os vinis do Led Zeppelin e Deep Purple. Acabei me ligando mais nesse período do rock. Depois ainda descobri Bob Dylan, Neil Young, etc, e como ouvinte, o movimento de retorno me deslocou ainda mais no tempo, salvo exceções.

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Quais foram as suas principais influências no jornalismo musical?

Acho que os caras da Bizz foram os primeiros a me influenciarem, uma revista que caiu como uma luva nas décadas de 1980/90. Também me ligava no material publicado sobre música no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Ainda lembro das publicações da Somtrês, principalmente as revistas especiais dedicadas às bandas. Numa época sem internet, pré-Google, num gigantesco Saara de impossibilidades e falta de informação, esse material fornecia um raro combustível de qualidade, asas para vivenciar as histórias e lendas por trás de cada personagem musical.

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O que você mais gosta de produzir dentro do jornalismo?

Acabei atuando mais nos gig reviews, uma forma de contar e registrar minhas visões sobre os espetáculos internacionais que assisti ao longo dos últimos vinte anos. Via www.gringstours.com.br dá pra sacar esse histórico, um documento que relata mais de 70 shows gringos, 90% deles assistidos como jornalista musical credenciado pela imprensa. De todo o modo, em outro canal, o www.gringsmemorabilia.com.br, eu também escrevo sobre álbuns, artistas/bandas e falo bastante sobre o universo musical.

Na hora de analisar um disco, quais aspectos da obra você costuma avaliar e dar mais peso para chegar a uma conclusão sobre o álbum?

A emoção é a maior das drogas. O sentimento de se emocionar ouvindo um disco é o ponto de partida para que uma conexão se estabeleça. Um riff, uma letra bacana, uma referência que nos ligue a memória afetiva, uma boa canção. Não há um caminho definido, muitas vezes o mais simples pode soar mais genial. A sensação de ouvir algo novo sempre me inspira. No caso dos shows, essas impressões viram um documento textual que me faz relembrar grande parte daquilo que vi, ouvi e senti.

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Como é seu método de escrita? Como é a sua rotina na hora de analisar um disco ou produzir uma matéria? Sai tudo de uma vez ou esse processo leva alguns dias?

Eu gosto de não perder o senso literário. Um bom review precisa funcionar de uma forma atemporal, precisa se utilizar de impressões pessoais que nem sempre reflitam uma verdade absoluta, mas precisa se utilizar de certa coragem em declamar essas impressões. Gosto de ouvir repetidas vezes o material em análise, ficar isento da contaminação de ler outros reviews. Essa ‘ingenuidade’ de apreciar um conjunto de canções com os ‘olhos vendados’ muitas vezes nos isenta de cair no lugar comum, nos dá a possibilidade de enxergar aquilo que não enxergaríamos se tivesses todas as cartas na mão. Quanto às informações complementares, na minha forma de escrever, se encaixam perfeitamente na apuração final, na derradeira checagem antes de publicar o material, que muitas vezes confirmam nossas convicções. No entanto, se fosse tentar definir minha autêntica intenção ao escrever um review, diria que nunca gosto de me afastar de uma visão literária, poética, às vezes até mesmo utópica, mas impregnada de sentimento e verdade, sensações que precisam vir à tona quando relatamos o impacto de uma obra musical em nossas vidas.

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Quais jornalistas musicais você gosta de ler e influenciaram o seu trabalho?

Da Bizz, nomes como Alex Antunes, André Forastieri, Pedro Só, Emerson Gasperin, Ricardo Alexandre, entre outros. Da ZH: Juarez Fonseca, Eduardo Bueno, Marcelo Ferla e Renato Mendonça. Mais tarde, uma obra que curti demais e me afirmou o senso literário da escrita musical foi do Lester Bangs, no livro Reações Psicóticas, uma reunião de textos e reflexões sobre John Lennon, Elvis Presley, Lou Reed, Iggy Pop, Van Morrison, David Bowie, e aí vai. Bangs é o Bukowski do jornalismo musical, e seus reviews soam como ficção.

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Quais veículos sobre música você indica não apenas pra quem quer se informar sobre o assunto, mas também para quem deseja encontrar matérias de qualidade e que podem ser úteis para iniciar no jornalismo rocker?

Falando em internet, por exemplo, a própria plataforma que agora me entrevista, a Collectors Room. Meu briefing musical diário passa pela Collectors. Dentro dessa atividade, ainda utilizo muito o Twitter, pois sigo uma série de veículos gringos nos dois lados do Atlântico, plataformas de sites e revistas inglesas e norte-americanas que acabam antecipando boa parte do material que será publicado por aqui.

Em uma época onde as opiniões são instantâneas, a crítica musical ainda importa e segue sendo relevante?

A crítica musical está com os dias contados. Eu sou um cara que acredita no texto, que gosta de ler, que não se importa em debulhar um calhamaço de informações por trás da palavra escrita. De todo o modo, não visualizo mais sustentabilidade nessa atuação. A rapaziada que curte música hoje, grande parte desses jovens, consomem música no celular, não exercem a cultura do culto à música. Nossa geração ainda vê a música como uma atividade intelectual, mas tenho certeza, isso está morrendo. Da minha parte, posso afirmar, vou morrer escrevendo sobre música, em primeiro lugar porque faço isso por mim mesmo, como arquivista das minhas próprias lembranças, que felizmente acabam sendo divididas com meus leitores.

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O quanto o hábito da leitura é importante na construção de um estilo própria, de uma voz, dentro da crítica musical?

Tudo. A ligação com a leitura e as referências literárias são importantíssimas. Sam Shepard pode me dar um mote para iniciar um review, como aconteceu num show de James Taylor.

O quanto consumir não apenas outros estilos musicais, mas também outras formas de arte, é importante para o trabalho de um jornalista de música?

Como já disse antes, essa amplitude certamente fornece lastro para um repertório autêntico e fora da curva. Esse é o caminho que me inspira.

O que é ser um crítico de música hoje em dia?

Não sei se me considero um crítico musical. Em 2006 publiquei um livro de ensaios sobre música e cinema, Vivendo à Sombra dos Gigantes, um apanhado com várias visões particulares. Lendo os textos que criei há mais de 10 anos, discordo de grande parte deles (risos). Aquilo que bateu antes, pode não bater hoje. Acho que esse é o grande barato, não há uma opinião imutável em nada que escrevo. Adoro discordar de mim mesmo. Por isso essa ‘crítica’ ou esse símbolo de opinião muitas vezes pode ser um tiro no pé de quem escreve. Já me senti assim muitas vezes. Não gosto de pensar na crítica musical como uma atividade profissional paga, pois pelo menos no Brasil, isso é cada vez mais raro. E muitas vezes o ‘estagiário’ está nesse papel. Já sonhei em ser ‘pago’ por um veículo para escrever sobre música, e de certo modo, por quase uma década consegui estar nessa posição. Agora, como um outsider, sendo o meu próprio editor, acabo sendo mais feliz, longe da sombra de um crivo sem noção ou da permanente busca por acessos e o consequente sucesso. O crítico de música está com os dias contados. O público de hoje prefere a piada, refuta a reflexão, não quer mais pensar sobre a atividade artística. O mundo ao qual conhecemos está morrendo, somos os últimos dinossauros nesse território, escrevendo sobre nossas paixões e olhando para o céu, à espera do gigante asteróide que irá acabar com tudo.

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Sobre Ricardo Seelig

Ricardo Seelig é editor da Collectors Room e colabora com o Whiplash.Net desde 2004.
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