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A complicada colaboração entre Queen e David Bowie e o fiasco com o Hot Space, de 1982

Por Yuri Apolônio
Postado em 08 de agosto de 2023

Pra muita gente, o 10º álbum do Queen, o "Hot Space", é de longe o lançamento mais fraco da vasta discografia da banda inglesa. Logo que lançado, o disco causa estranhamento. Isso porque, sem dúvida, é o álbum que mais se distancia da sonoridade comum do Queen.

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Foto: Reprodução Greatest Hits
Foto: Reprodução Greatest Hits

Por mais que o "The Game", álbum anterior, fosse diferente em muitas maneiras da discografia lançada até aquele momento, bastante eclética, mas coesa contudo, o "Hot Space" vai muito além. Boa parte devido ao índice de rock utilizado que é praticamente nulo. Em seu lugar, temos: disco, funk, new wave, dance music etc.

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Único ponto evidentemente positivo, super positivo, é a canção Under Pressure, sem dúvida uma das maiores colaborações do rock e da música, composta e gravada com a lenda David Bowie, mas lançada bem antes do LP.

O "Hot Space" dentro da discografia do Queen é provavelmente o álbum com a maior influência do baixista John Deacon, mas não o crucifiquem, pois, vamos entender primeiro porquê o Queen deu um passo nessa direção.

Logo após a turnê do "The Game", a banda entra numa espécie de férias, período em Roger Taylor aproveita para lançar o primeiro LP solo de um membro da banda, com o "Fun in Space". No álbum, além de cantar, Roger grava praticamente todos os instrumentos. E, com uma produção muito acima da média, o disco mistura new wave com rock e tem uma repercussão até razoável ao alcançar o Top 20 no Reino Unido.

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Como não havia qualquer programação para uma turnê solo, Taylor participa logo das primeiras sessões de composição do "Hot Space", que têm início na metade de 81. Quando Queen entra em estúdio, não há qualquer prazo ou pretenção para o lançamento de um novo LP. É nesse período inicial, com a banda somente compondo as primeiras canções, que ocorre a lendária colaboração entre Queen e Bowie para a Under Pressure.

O resultado final da parceria engana, dado o sucesso que ela alcançou. Isso porque, digamos que houve um stress do tamanho do ego dos envolvidos.

O encontro ocorre meio que por acaso, com ambos artistas com sessões marcadas no Mountain Studios, cada qual para trabalhar em seus próprios projetos. Logo, era inevitável que eles se cruzassem. Inicialmente, eles fazem algumas jams, tocando alguns covers, até que Bowie dá a ideia de criarem alguma coisa juntos.

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O Queen então apresenta algumas faixas que estavam começando a ser compostas e juntos ele decidem trabalhar a partir de duas delas: People on the Streets e Feel Like. Em seguida, Bowie sugere que cada um grave uma linha de vocal separadamente, sem ouvir o que outro estava fazendo, para que depois pudessem escolher as melhores partes de cada um e então fatiar os trechos ao longo da faixa.

Isso explica o porquê de as linhas de vocal de Bowie e Freddie serem tão diferentes uma da outra, o que gera um efeito fantástico.

O produtor Reinhold Mack, o mesmo do "The Game", comenta que a gravação da canção foi rápida, não levando mais do que 24 horas, impulsionada por algumas garrafas de vinho e um bocado de pó.

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A treta ocorre depois, quando Mack começa a trabalhar na mixagem da canção. Já conhecendo os gostos dos membros do Queen, ele trabalha tendo isso em mente. Mas Bowie sempre mandava ajustar algo. Até certa altura, onde David Bowie fica tão infeliz com o que vinha sendo desenvolvido que sugere refazer toda a canção. Ele também muda de ideia em relação à lançar a canção como um compacto, o que acaba azedando a relação entre as partes por um tempo.

Mack comenta que teve de chamar Freddie para interceder e ajudar no processo. No final, o que temos lançado é uma versão com pouquíssimo trabalho de mixagem, mas que significou o 2º single do Queen a atingir o 1º lugar nas paradas do Reino Unido.

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A banda incluiria a canção já nas apresentações ao vivo do final de 1981, no Canadá. Ao vivo, Freddie assume todos vocais, e o faz de maneira natural e sublime. Pena que Bowie não teve o mesmo entusiasmo com a faixa e acaba por executá-la pela primeira vez ao vivo somente no show de Tributo a Freddie Mercury que ocorre alguns meses após sua morte, em 1992. Deste show em diante, Bowie passou a incluir a canção em seu repertório em algumas turnês.

Destaco o lado B do compacto Under Pressure, que contém uma pequena jóia escondida chamada Soul Brother, que infelizmente ficou de fora do "Hot Space". Trata-se de uma canção que Freddie escreveu para o amigo e companheiro de banda Brian May.

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A continuação da produção do "Hot Space" ocorre no mesmo local em que havia sido feito o "The Game": o Musicland Studios, em Munique. Segundo os participantes, esse período é o auge da loucuragem da banda na Alemanha.

Em alguns dos casos, o destino segue sendo "o escritório", ou melhor, a boate Sugar Shack, que a banda usava para ouvir, a partir das caixas de som da pista de dança, as demos das canções recém registradas no estúdio. Como no álbum anterior, as canções precisavam passar pelo teste da pista de dança da boate para ser aprovadas.

A obsessão de Freddie, na época, era incluir cada vez mais pausas nas canções e cortar fora tudo que fosse guitarra. Brian May e Roger Taylor comentariam mais tarde que a atitude do vocalista se dava pela influência de seu então empresário, Paul Prenter. O que disseram é que Prenter não gostava de rock, e por isso influenciava Freddie para que as canções soassem a seu gosto. Não sei não.

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Mas o problema não era só esse. Segundo o produtor, nas gravações do "Hot Space", diferentemente do "The Game", dificilmente a banda se encontrava completa no estúdio, e, quando isso ocorria, nem sempre o clima era ameno.

Para o público, a primeira indicação de que a banda havia mudado definitivamente se deu com o lançamento do compacto "Body Language", um mês antes do "Hot Space". Trata-se de uma faixa 0% rock ‘n’ roll, totalmente sintetizada, incluindo o baixo e a bateria, além de uma guitarra praticamente inexistente.

A recepção até foi melhor nos EUA do que no Reino Unido, mesmo assim foi bem abaixo de quaisquer expectativas, levando uma pulga para trás da orelha tanto da banda quanto dos fãs.

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Quando lançado, a recepção ao "Hot Space" foi bastante divisiva. Alguns poucos elogiavam, como o jornal Washington Post. A Rolling Stone achou mediano, dizendo que algumas partes eram até ofensivas, enquando elogiou algumas canções pontuais como Calling All Girls e Life Is Real (Song for Lennon). Mas a grande maioria da crítica achincalhou, o que até era praxe para o Queen.

Diria que "Hot Space" pode sim ser o pior álbum do Queen, mas no final ele não é tão ruim assim, até porque a discografia da banda é bastante sólida. Vamos entender.

A meu ver, parte do susto daqueles que ouvem a obra pela primeira vez ocorre porque no Lado A, a gente só encontra canções funk, dance music e assim por diante. Por exemplo, o álbum abre com Staying Power, canção de Freddie com quase nenhum instrumento real. Ele mesmo quem compôs e gravou os baixos sintetizados. John Deacon divide as guitarras com Brian May, mas o que mais se destaca aqui são os metais. É muito metal pro meu gosto!

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Dancer, a canção seguinte, segue basicamente na mesma pegada, mas, por ser uma canção de Brian May, tem um pouco mais de guitarra. O que infelizmente não a torna muito mais interessante que o anterior.

Back Chat, de John Deacon, toma um lado mais soul, e é, a meu ver, o melhor momento do lado A até aqui. Action this Day, é uma das duas canções de Roger Taylor para este LP. O baixo sintetizado e a bateria eletrônica dão à canção para uma pegada mais disco, mas ela puxa um pouco mais para o new wave do álbum solo do baterista.

O lado B inicia com a peça mais rock do "Hot Space": Put out the Fire. O início é até ok, o problema é quando Freddie mete um falsette e vem o refrão em seguida, tonando-a uma peça pop sem graça.

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Em seguida, temos Life Is Real (Song for Lennon). Como sugere o título, trata-se de um tributo ao ex-Beatle, assassinado há cerca de um ano. Acho uma canção curiosa. Se a gente ouvir ela com atenção, dá pra notar que a banda emula várias características das canções de John Lennon, em especial da fase final de sua carreira.

Calling All Girls é a outra entrada new wave de Roger Taylor para o LP. É uma canção que fica na cabeça depois de uma ou duas ouvidas. Em Las Palabras de Amor (The Words of Love), desta vez, o Queen homenageia seus os fãs que falam espanhol, assim como havia com os fãs japoneses anteriormente. Na verdade ela é quase toda cantada em inglês, mas tem alguns trechos em espanhol. Como compacto, teve um desempenho superior ao anterior, Body Language. Ela tá abaixo de outras baladas da banda, mas tem sua beleza.

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Algo curioso é que "Hot Space" contaria com a participação de Bowie não somente na Under Pressure, mas também na faixa Cool Cat. Nela, quem comporia e gravaria praticamente todos os instrumentos seria John Deacon, exceto por parte dos teclados, registrados por Freddie.

Com ou sem Bowie, é uma música interessante, um soul com Freddie cantando em falsetto, e uma linha de baixo bem firme. Tirando Under Pressure, é talvez a faixa que melhor envelheceu do álbum.

Ocorre que parece que a banda não conversou direito com Bowie antes de lançar sua participação nessa canção. Ele ficou sabendo meio em cima da hora e pediu para que sua participação fosse removida, o que deixa a banca enfurecida, uma vez que boa parte das prensagens do LP já havia sido realizada, causando, além do prejuízo, um atraso no lançamento do disco.

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Um detalhe: dessa vez, o Queen contaria com seu primeiro álbum sem quaisquer canções com vocais principais por parte do guitarrista e do baterista.

Os shows dessa turnê deixam bem claro que uma coisa é gravar no estúdio uma dezena de canções com dezenas de efeitos e instrumentos sintetizados. Ao vivo, ainda mais para uma banda de rock, é sempre um pouco diferente. Não à toa, todas as canções desse disco quando tocadas ao vivo soam bastante aceleradas e diferentes. Apesar de "estranhas" ao vivo, Staying Power, Action this Day e outras canções do "Hot Space" talvez façam mais sentido para o Queen do que suas versões de estúdio.

Outro detalhe importante, pela primeira vez, o Queen contaria com um quinto músico ao vivo, para fazer os teclados, e em especial os sintetizadores para as novas canções. O primeiro a cumprir tal função, durante a perna europeia, foi o inglês, ex-Mott the Hoople, Morgan Fisher.

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A "Hot Space Tour" teve um duração de aproximadamente 7 meses e contou com um total de 69 shows. Da primeira perna da turnê, que passou pela Europa e pelo Reino Unido, temos o registro do último show, no Milton Keynes Bowl. Na época, gravado para TV local, foi totalmente recuperado e lançado em CD e DVD em 2004 intitulado "Queen on Fire – Live at the Bowl".

Teço dois comentários sobre esse show. Primeiro, que é clara a resposta fria do público às novas canções. Parte disso, sejamos juntos, intensificado pelo atraso no lançamento do "Hot Space". E segundo, que o nome do DVD faz juz à qualidade que a banda apresenta ao vivo: impecável, como sempre"

Segunda perna da turnê, nomeada Rock ‘n’ America, contaria com shows nos EUA e no Canadá. Nessa segunda perna, Roger Taylor conta que o Queen deixou de ter na mão o público americano, como costuma ter. O tecladista Fred Mandel, que passou a fazer parte do grupo na perna americana, conta que havia muita discussão nos bastidores, em especial sobre a aceitação do público a certas canções. Ele conta que se divertia quando entrava no camarim após um show para comentar que havia adorado tocar certa canção. Ele então saia de fininho para ouvir as discussões. Fato triste é que esta seria a última passagem do Queen com Freddie pela América do Norte.

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Quando tem fim a turnê do "Hot Space" em novembro de 1982, Brian May resume a situação da banda na época. Segundo ele, todos se odiaram por um tempo. Não à toa, o ano de 1983 não contaria com nenhum show e ou lançamento inédito do Queen.

O lançamento seguinte se daria somente no mês de fevereiro de 1984, com o "The Works", o qual falarei em um texto futuro. Nele, vou comentar sobre o "The Works" e contar a verdadeira história do porquê o show no Live Aid representou de fato uma redenção para o Queen, o que nada tem a ver com o que é contato no filme Bohemian Rhapsody.

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