"Sou vocalista em uma banda de metal e tenho HIV", diz frontman do Tallah
Por João Renato Alves
Postado em 09 de setembro de 2025
Justin Bonitz, vocalista do Tallah, escreveu um artigo para a revista britânica Metal Hammer falando sobre ter sido diagnosticado com HIV no final do ano passado. A banda lançou o álbum "Primeval: Obsession // Detachment" na última sexta-feira, 5 de setembro. Eis o que escreveu o artista.


"Em 14 de outubro de 2024, voltei do estúdio e abri uma carta do hospital. Eu estava me recuperando de uma pneumonia, defecando sangue e tinha acabado de gravar os vocais para o novo disco do Tallah, ‘Primeval Obsession//Detachment’, o que fiz em uma única tomada, ininterrupta, sem edição, do tamanho de um álbum. Foi facilmente o momento de maior orgulho da minha vida, e eu ainda estava surfando nessa onda... até abrir a carta.
Dois meses antes, eu havia pedido ao meu médico alguns exames de sangue. A carta dizia que o laboratório não havia realizado um teste, então eu precisava voltar. Na tarde seguinte, testei positivo para HIV.
Você nunca pensa que isso pode acontecer com você até que aconteça, certo? Eu sempre fui tão cuidadoso! Tenho 34 anos e só tive sete parceiros sexuais em toda a minha vida - todos relacionamentos sérios. Nunca peguei nenhuma DST, nunca participei de encontros casuais, sexo grupal, nada!

Em julho de 2024, eu até pedi ao meu agora ex-parceiro para fazer o teste de HIV antes de me ver, mas ele nunca fez. Confiei nele mesmo assim. Pensando bem, deveria ter pedido para ele usar camisinha, mas fui idiota. A colega de quarto dele o infectou com a doença em janeiro de 2024 e ele não fazia ideia.
As primeiras duas semanas após o meu diagnóstico foram bem difíceis. Um pavor existencial pairava sobre mim como mil vespas furiosas. Eu me sentia tão assustado, envergonhado, repugnado e desonrado.
Muitos meses antes de tudo isso acontecer, eu havia escrito as letras do novo álbum do Tallah, mas sem um conceito em mente. Eu queria que fosse mais pessoal, então escrevi tudo por fluxo de consciência e apliquei uma história depois do ocorrido. Sem querer ser dramática, mas quando olho para essas letras, me pergunto: ‘Será que eu previ meu futuro?’

No álbum, escrevi coisas como: ‘Já está decidido. Não teste seu destino, porque você pode odiar o que encontrar... Já aconteceu. Você está apenas se atualizando’. Coisas como: ‘Mas se eu tivesse me expressado, provavelmente estaria muito longe daqui. Um pagão - aquilo a que sucumbi. Estou em frente e em direção ao lixo novamente’. Não sei por que escrevi essas coisas; elas simplesmente pareciam certas na época. E agora, não consigo deixar de me perguntar se havia algo no ar. Quem sabe!
Felizmente, não estamos mais nos anos 80. O HIV/AIDS não é mais uma sentença de morte, mas ainda existe muito estigma em torno dele. As pessoas precisam se educar mais sobre o assunto, sobre o que ele realmente faz com o corpo humano.

Acho que algumas pessoas se sentem intocáveis por serem heterossexuais e felizes no casamento, mas este vírus não discrimina. Basta que seu parceiro te traia uma vez e toda a sua vida vira de cabeça para baixo. A minha, com certeza.
No último ano, passei por muitas mudanças mentais e espirituais. Além de contrair HIV, a medicação me causou danos renais agudos e então fui diagnosticado com uma doença autoimune chamada proctite ulcerativa. Foi uma coisa atrás da outra! Me senti tão humilhado e derrotado, o que levou a muitas mudanças de atitude, comportamento e toneladas de letras inspiradoras para meu projeto solo, Hungry Lights.
Desde que recebi meu diagnóstico, fiz apenas quatro shows ao vivo. Na época dos dois primeiros, eu ainda estava esperando meu plano de saúde ser liberado, então ainda não estava tomando remédio. Qualquer coisinha me assustava porque meu sistema imunológico estava em frangalhos.

Por um tempo, eu não via as pessoas como pessoas, por mais terrível que isso pareça. Eu as via como coisas que poderiam me deixar doente e me prejudicar. Um mosh pit parecia mais uma fossa séptica, porque, sejamos honestos, muitas pessoas não lavam as mãos, não cobrem a boca quando tossem ou espirram, e quando você tem um sistema imunológico comprometido, uma multidão de fãs suados e respirando pesadamente é um pesadelo. Até certo ponto, ainda me sinto assim, mas sou um vocalista e tenho um trabalho a fazer, então preciso superar isso.
Graças à medicação moderna, o HIV não afetou minha força física nem minha resistência. Não perdi peso nem definhei. Corro todos os dias para a saúde dos meus rins e levanto pesos na academia algumas vezes por semana para me manter forte. Com a qualidade do tratamento atual, acho que o envelhecimento natural me derrubará antes que essa doença o faça.

Dito isso, ainda há um nível indetectável de vírus circulando no meu sangue e, como meu sistema imunológico é tão responsivo, ele causa inflamação sistêmica, o que afeta completamente minhas cordas vocais.
Felizmente, não perdi meu alcance vocal nem minha voz afinou, mas meus gritos de cordas falsas soam mais secos agora, notas agudas estão mais firmes e perdi a capacidade de assobiar. No começo, fiquei triste, mas minhas decisões me trouxeram até aqui e tenho que conviver com as consequências. Sou grato por ainda ter pelo menos noventa por cento do que eu tinha antes.
Para ser completamente transparente, estar em turnê me preocupa. Minhas bandas não tocam com um click track quando tocamos ao vivo, o que significa que não há backing vocals nem nada para se esconder.

Não estou querendo criticar bandas que usam esse tipo de coisa; estou apenas dizendo que precisarei ter cuidado extra com minha saúde vocal e física enquanto estiver na estrada, o que definitivamente atrapalhará a interação com os fãs. Espero que eles entendam. Não estou tentando ser um babaca; estou apenas cuidando da minha saúde para poder fazer as melhores apresentações possíveis nas próximas décadas. Tenho certeza de que os fãs preferem me ver com interação limitada do que não me ver de jeito nenhum.
Pretendo continuar perseguindo meus sonhos, mas estaria mentindo se dissesse que não tenho receio de fotos, apertos de mão e coisas do tipo agora. Minha saúde precisa vir em primeiro lugar. Só espero que as pessoas não pensem mal de mim depois de tudo. No mínimo, espero poder dar um bom exemplo para quem me admira."

O Tallah foi formado em 2017 por Max Portnoy, filho de Mike Portnoy, baterista do Dream Theater. Ele iniciou o grupo também como baterista, mas se tornou o baixista a partir de 2021. Justin se tornou o vocalista em 2018, tendo gravado os três álbuns da banda: "Matriphagy" (2020), "The Generation of Danger" (2022) e "Primeval: Obsession // Detachment" (2025).
O Brasil é considerado referência mundial no tratamento contra o HIV, tendo diagnosticado 96% de portadores do vírus em 2023, o que contribuiu para o menor índice de mortalidade da série histórica. Desde 1996, o país distribui gratuitamente os ARV a todas as pessoas que necessitam de tratamento.

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