Kiko Loureiro: Um guitarrista daqui e de todo lugar (Parte I)
Resenha - No Gravity - Kiko Loureiro
Por Rodrigo Contrera
Postado em 29 de agosto de 2016
É bastante tarde, alguns dirão, para se fazer uma resenha de estreia de um cara como o Kiko Loureiro, ex-Angra, agora no Megadeth. Porque as estreias são feitas para causar, para demonstrar a que enfim se veio, e devem portanto ser resenhadas quando surgiram. Pois este "No Gravity", do Loureiro, é de 2005, e naturalmente uma resenha dele não é mais necessária. Pois o Kiko está numa grande banda, de thrash, está bem, com a esposa esperando gêmeos, e para que afinal serviria eu dizer minha singela opinião aqui, para vocês?
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Quem acompanha minhas resenhas sabe que eu era casado, que ainda peno para me libertar das sensações relativas à separação, que me converti (reconverti, na verdade) ao cristianismo, e que minhas resenhas sempre apelam a momentos de minha vida - porque essa é a minha pegada, tentar retirar dos outros suas respectivas vidas em sua relação com o rock. Pois bem. "No Gravity", eu bem me lembro, surgiu na minha vida num momento em que meu casamento ainda não dava sinais de exaustão, em que ela não havia ainda pedido a separação (a primeira vez foi em 2007), em que eu ainda tentava curtir minhas paixões, sem me sentir afogado, literalmente, pelos deveres, pelo trabalho, pela incapacidade de lidar com coisas de que eu não gostava, mas que precisava admitir, e tudo mais. Era uma época, digamos, quase áurea, e eu já havia passado há muito da fixação em um Yngwie Malmsteen, num Joe Satriani, num Tony Macalpine, num Vinnie Moore e nuns Jason Becker e Marty Friedman. Eu precisava de novas referências, e até buscava tempo e condições para poder dedicar minha sensibilidade às cordas (sem sucesso). Pois foi nessa época que eu cheguei ao Kiko. E de uma forma totalmente errada.
Explico. Nessa época, eu buscava sim guitarristas virtuosos em que pudesse me focar. E o Kiko estava logo aqui, era brasileiro, e já despontava bem no quesito de expertise. Só que ele superou minhas expectativas - e digo, superou tanto que não consegui aguentar. Pois o fato é que eu precisava de algo mais maneiro, algo que me pudesse dizer que eu iria conseguir - alguma coisa - e o que ele fazia era impossível. A começar pela má escolha da faixa Enfermo, doente, em espanhol. Porque meu, eu ouvia isso e não conseguia acreditar. Mas tanto não conseguia que não imaginava como é que eu poderia um dia tentar fazer algo sequer próximo daquilo. Era demais. Claro que isso não me motivou a deixar de comprar o CD, que eu ainda tenho aqui comigo. Mas eu não consegui ouvir mais. Não consegui, admito, ouvir sequer Enfermo até o fim. Daí que o CD ficou parado, eu não o ouvi nunca mais, sequer me lembrava dele, eu perdi o interesse em guitarras, e meio que esqueci.
Isso até agora, quando, por motivos eminentemente pessoais, resolvi decupar meu passado e recuperar minhas paixões (não somente no rock, nas guitarras neoclássicas, ou em algo que diga respeito a heavy metal), e em que praticamente esgotei meus grandes motivos de paixão (já parcialmente elencados). Com esse meu esforço, o panorama ficou aberto a toda e qualquer sensação relativa a algo que remetesse a essas paixões, mas que não estava reduzido a elas. E nesse sentido passei a ver melhor bandas que eu já reconhecia, e que passaram a ter importância, mas cujo real valor na minha vida não estava ainda claro. Tanto que logo irei comentar sobre o Judas Priest, banda que conheço bastante mal mas cujo som me remete a sensações antigas, de moleque mesmo, e cujos espetáculos - que infelizmente acabaram, pelo que soube - eram realmente o que eu queria ver em rock - uma pompa, algo quase religioso mesmo (tanto que um dia pensei em ir a um show deles - não fui - porque para mim eu iria ver uma cerimônia). Pois eu preciso de uma motivação para além do concreto, da música, do CD, para escrever algo sobre qualquer coisa. Eu preciso de paixão.
E no caso do Kiko eis que fui notando como ele é simpático, como realmente se vira bem na banda de preferência de muitos, como é muito querido, e tudo mais. E ao ver o Mustaine elogiando-o pela paixão e pelo carinho com que trata tudo, a música e os amigos da banda, assim como ao citar os gêmeos, me decidi finalmente a "re"ouvi-lo, agora por meio do Youtube, embora eu tenha o CD aqui em minhas mãos. O sofrimento de ouvir toda sua expertise já sumira à muito (eu comprei o CD bem no lançamento, ou seja, fazem mais de 11 anos desde então), e o sofrimento que me coube ao engasgar por não conseguir me imaginar fazendo sequer um acorde da mesma coisa já se foi. Outra coisa são as lembranças de minha esposa, que ainda permanecem, claro. E do seu sofrimento tentando entrar em minhas paixões - como outras também ainda tentam, ainda hoje (sem sucesso). Eu devo ser um coração totalmente peludo (e devo ter-me convertido por isso).
Seja como for, vamos ao CD. Direto ao Enfermo (que praticamente reproduz como eu me sinto em relação à vida). Realmente a faixa é excessiva. Perfeita, em todos os sentidos (em todos os instrumentos, inclusive, menos a bateria, por Mike Terrana), a faixa expressa muitas sensações, claro, mas, mais do que tudo, deixa-nos boquiabertos com a técnica (e acho que esse teria sido o propósito). A gente não consegue parar em um só minuto de admirar como tudo se desenvolve, flui, fluentemente, sem que a questão - do título - seja jogada fora, sem que a gente perceba que algo está indevidamente ali. Mas, venhamos e convenhamos, creio que minha reação ao recusar ouvir o resto - e mesmo a faixa - foi cabível. Pelo seguinte motivo. Sabe quando a gente vê alguém desenvolver um tema, dominar um instrumento, escrever um texto, defender uma tese, tão mas tão bem que nos dá raiva? Pois então. Por um lado, nos dá raiva ouvir Enfermo. E por outro lado algo nos impele a não ouvir mais o que está ali na nossa frente. Porque é justamente excessivo, é demais para qualquer um. Não demais no sentido de grandioso, mas demais no sentido de que fora de medida demais. Como os clássicos consideravam certas belezas ou certos talentos. Demais a ponto de a gente querer que a coisa suma da nossa frente. E essa impressão continua.
Mas desta vez consegui superar, e continuei com as faixas. "Endangered Species" é a segunda. É uma faixa mais leve - ainda bem -, mas que brinca também com ritmos e sensações bastante peculiares a quem nasce na América Latina. Não sei distinguir o ritmo que aparece bem no meio, mas não é um ritmo, diríamos, propriamente ocidental. Não, não é. E ao tocá-lo em guitarra Kiko brinca, se remete, e mostra seu bom humor e seu respeito. Porque quem sabe, sabe que merece oferecer respeito por tudo o que surge, o que acontece, especialmente em seu métier. É o que Kiko faz, e por isso cresce ainda mais em mim. Porque, como eu já disse, eu só resenho isto aqui - dado meu conhecimento técnico limitado - por esperar ou notar, reparar, em algo a mais que estaria sendo dito naquilo que estou resenhando, seja livro, CD, música ou mesmo verso de Salmo. Aqui Kiko torna-se bastante brasileiro, sem deixar de aspirar ao universal. Em termos de estilo, é como se ele se remetesse um pouco apenas a um Tony Macalpine, mas com um toque mais limpo, e tentando deixar de lado essa mania de solar para fazer temas que nos fazem dialogar com o tema. Não sei bem - falta de familiaridade - se ele realmente consegue isso com a faixa, confesso, mas é algo bonito de ouvir, e para cima - contrariamente a uma potencial ideia do título. Claro que isso mostra que sua (dele) leitura é outra, que a questão de espécies em perigo não precise necessariamente ser encarada sob uma leitura negativa (embora, em si, a faixa provoque e mostre algo que corrobora a ideia). Seja como for, quando ele faz essa espécie de samba ou o quê parece também brincar com o assunto. Como se a gente não devesse realmente levar a sério tudo isso. Como se fosse apenas uma desculpa para tocar. E pode ser que seja, por que não?
Mas aí o Kiko entra em "Escaping", remetendo mais do claramente àquilo que o Joe Satriani fazia, e àquilo que o Steve Vai fez em seguida ou ao mesmo tempo, com timbres que levam claramente a Surfing with the Alien (cujo CD irei também resenhar, olha eu aqui fazendo marketing), e a momentos em que parecemos ouvir o próprio Vai atribuindo novo valor e peso às notas, bem suaves, mas inteiramente expressivas. A faixa é, até agora, aquela que ouço com maior agradabilidade, e menor peso (porque tantas notas parecem pesar, realmente). Até que chega "No Gravity", a faixa título, que nos deixa meio que a imaginar em que ele poderia ter pensado quando a compôs, quando lembramos, mas é claro, é a sensação de ausência de gravidade! Não me lembro agora exatamente qual faixa de qual CD do Joe é remetida por esta faixa, mas o estilo é bastante similar, realmente, sem perder algo de originalidade - percebendo claramente que ele, Kiko, sabe o que faz. Parecem diálogos conosco, sabe, e até imaginamos que ele deve ter ficado em situação sem gravidade para comentar com tamanha alegria e simplicidade (ou aparente simplicidade, claro). Tem aqueles momentos de guitarra mais suave, de parar para pensar, como em todas as obras do Joe, e como aqui também ele, Kiko, se reinventa, ao terminar de forma diferenciada - acho que remetendo a Always with you, always with me, mas com outro tipo de ritmo, também - novamente - algo latino-americano. É bonito de acompanhar, realmente. Pois percebemos que só com essas faixas o Kiko já teria passado seu recado, por que não? E a gente sente isso mesmo.
Mas precisamos continuar, até para fazer jus a nós mesmos, a nosso trabalho. Ok, mas em outro post. Porque merece.
Espero que estejam gostando.
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